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Compondo laços de ouro na Ourivesaria Rittmeyer

Com destaque para os veranistas que movimentavam a ourivesaria com seus pedidos de restauração de itens ou de joias personalizadas, a loja era fabulosa

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Resistentes e movidos por seus elos, os fios de ouro tomavam forma na Ourivesaria Rittmeyer. Reflexo das uniões que eternizavam, os reluzentes componentes eram, até certo ponto, à prova de fogo. Símbolos da eternidade, as alianças carregavam, pelas mãos dos ourives, a paixão num ciclo sem princípio ou fim.

Centenário, o estabelecimento exalava tradição. A começar pelos aprendizados, passados de geração em geração. O administrador escolar Carlos Henrique Rittmeyer, de 62 anos, não chegou a se tornar um ourives, mas se lembra com clareza do dia a dia na oficina.

“Quando criança, eu não saía de lá porque o trabalho com o ouro me fascinava. Para se fazer o elo de uma corrente ou um anel, por exemplo, você derretia o material e o inseria numa máquina, onde ele entrava de uma grossura de um lado e saía um pouco maior e mais fino do outro. Você fazia isso várias vezes até conseguir a espessura que buscava”.

Entusiasmado, Carlos descreve as etapas de produção que, mesmo difíceis de serem explicadas, não parecem ser um problema, já que ainda as projeta com clareza. Conforme as palavras escapam, os episódios vividos na oficina, pouco a pouco, também vêm à tona.

“Uma vez eu estava observando um funcionário alargar uma aliança. Ele a colocava numa haste de ferro e, com um martelo, fazia com que entrasse nesse utensílio, a alargando. Numa dessas, não sei se ele forçou demais, mas um pedaço daquilo atingiu meu nariz. Sangrou e, depois de muitos anos, percebi que o fragmento havia ficado. Não sei se é ouro, ou ferro, mas ficou ali”, afirma rindo.

Nostálgico, ele conta algumas das histórias que, um dia, foram contadas a ele pela família, que sente prazer em resgatar o passado e o legado deixado. Um dos temas abordados por Carlos é a mudança de nome do estabelecimento que, de Ourivesaria Rittmeyer, passou a se chamar joalheria ‘A Tradicional’.

“Essa mudança foi feita justamente para tirar a conotação alemã da firma. Minha avó, Luiza Rittmeyer, sempre contava que, durante a Segunda Guerra Mundial, as lojas dos alemães na Avenida foram quebradas. Por sorte, meu avô teve a presença de espírito de colocar os filhos na janela da sacada do imóvel. Naquela época todos se conheciam, então ele fez isso como quem diz: ‘até ontem eles eram amigos de vocês, saíam junto com vocês’.”

Acima de tudo, paixão pela profissão

Fotos: Museu Imperial/Ibram/MinC – Bruno Avellar

Entre os Rittmeyer, paira a dúvida do que é mais precioso: o conteúdo das histórias contadas pela senhora Carolina Rittmeyer, de 98 anos, ou a sensação de privilégio que é tê-la ao redor. Filha de Guilherme Rittmeyer, segunda geração a assumir a ourivesaria, e tia de Carlos Henrique, ela dá detalhes sobre a jornada do empreendimento.

“Antes da loja ter sido aberta, meu pai ia no Centro da cidade uma vez por semana entregar as encomendas. Naquele trecho onde é hoje o D’Ângelo morava uma família muito conhecida dos meus pais e avós. Ele levava as joias para lá e os fregueses iam buscar. Foi assim durante muito tempo”.

Com destaque para os veranistas que, segundo Carolina, movimentavam a ourivesaria com seus pedidos de restauração de itens ou de joias personalizadas, a loja era, aos seus olhos, fabulosa.

“O cliente dizia como queria a joia, o tamanho, a quantidade de brilhantes. Daí meu pai a desenhava e, na oficina, a produzia. Algo interessante era que os funcionários que trabalhavam com ouro tinham o costume de passar as mãos no cabelo. Chegavam em casa, o lavavam e conseguiam algumas gramas de ouro. Faziam de propósito”.

De fato, não existia desperdício naquela oficina delimitada por quatro paredes. Ainda de acordo com Carolina, pelo menos uma vez ao ano o lixo da oficina era comprado. “Pagavam um bom dinheiro porque sabiam que dali saía ouro”, afirma.

Amor que vale ouro

Fotos: Arquivo pessoal Carlos Henrique Rittmeyer – Bruno Avellar

“Nunca fui vaidosa quanto a jóias. E ainda bem, né? Se não teria explorado bem meu marido”. É essa a resposta dada em tom de brincadeira por Maria da Glória Heckert Rittmeyer, mãe de Carlos Henrique, quando questionada sobre seu gosto pelas mercadorias da ourivesaria.

Aos 92 anos, ela relembra os 51 anos em que foi casada com Eitel Guilherme Rittmeyer, terceiro e último ourives da família que a joalheria teve. Os dois, que se conheceram no Clube Petropolitano, tiveram, como ela define, “um bom amor” e, mesmo que não fizesse questão, marcado pelas jóias da ourivesaria.

“Quando ficamos noivos ele foi lá em casa com a família dele. Quando abriu a caixinha, eu achei que fossem aqueles brincos de argola e falei: ai, que bom! Assim que vi que eram as alianças eu saí correndo pra cozinha com vergonha!”.

Maria da Glória conta que os anéis foram, mais tarde, dados ao filho e à noiva. Ela relembra ainda que, antes de começar a namorar Eitel, se recusava a passar em frente à ourivesaria, tamanha era a emoção de vê-lo na porta. “Eu atravessava a ponte e ia para o outro lado. Sabe quando você bambeia as pernas por alguém?”.

Independente do material de que eram feitos, os tesouros a que a família Rittmeyer se dedicava em Petrópolis reforçavam laços e aqueciam corações. Ainda mais valiosos com o passar do tempo, simbolizavam o fio condutor entre presente e um passado dourado, digno de ser relembrado.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 04/11/2018)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

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