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Vassouras Rossi: a arte de fazer vassouras e, sobretudo, história em família

Da venda de cestos, chapéus de palha, tamancos e vassouras como mascate pelas ruas da cidade à presença em 500 cidades da Região Sudeste

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Mesmo antes de implementá-la na produção, os Rossi já se mostravam uma família de fibra. Há, pelo menos, 126 anos em atividade, o negócio já viveu duas pandemias, envolveu quatro gerações e, principalmente, se tornou prova de força e persistência capazes de transmitir confiança a quem conhece e, imediatamente, passa a respeitar sua história.

Tal qual a fibra, caracterizada por sua firmeza, se tem algo que se mantém sólido através das gerações é o respeito aos valores cultivados pela família ainda no final do século XIX com João Rossi. Foi em torno de 1895 que o imigrante italiano, natural de Lucca, deu início à venda de cestos, chapéus de palha, tamancos e vassouras como mascate em Petrópolis.

Sem nunca abrir mão de suas raízes, a família zela, desde então, pelo legado deixado por João – na Itália chamado de Geovane, continuado por seu filho mais novo, Sylvio, e trazido de volta à vida por sua viúva, a dona Albertina Wayand Rossi. “Minha mãe teve que assumir a fábrica sem nenhum conhecimento comercial, já aos 50 anos de idade”, diz o filho Sérgio.

Dona de casa criada para ser uma esposa dedicada à família, foi numa das adversidades da vida que dona Albertina se viu diante da desafiadora e, por que não, desesperadora missão de prover o sustento dos quatro filhos, Lygia, Venício, Sérgio e Luiz Antônio, mas também de se recriar e verdadeiramente tomar as rédeas de seu futuro e da família.

Quem recorda o difícil momento em que a mãe teve que assumir a empresa é Sérgio Rossi, de 77 anos. Tendo começado a ajudar na fábrica ainda aos oito anos de idade, ele se orgulha em dizer que se mantém presente na tomada de decisões mais importantes do negócio, ainda que, devido a complicações na saúde, não esteja na empresa diariamente.

“Minha mãe usava vassoura em casa, mas nunca esperou ter que aprender a fazer, e de um dia para o outro ela teve que fabricar e vender. Aquilo se tornou a batalha diária dela porque nós precisávamos nos manter e aquele era nosso sustento, então fazíamos o que tinha que ser feito: da produção até a entrega e a venda”.

Onde todos os filhos, após servirem ao Batalhão, retornaram às Vassouras Rossi, Sérgio explica que, se na adolescência a firma representava uma obrigação para os irmãos, com eles já na maioridade o olhar era outro: de responsabilidade e, mais ainda, admiração e carinho frente aos esforços da mãe, que até os 80 anos esteve envolvida nas atividades.

Foto: Arquivo Vassouras Rossi

Ele cita duas passagens marcantes: a vez em que a mãe passou em frente à Catedral e pediu a Deus que a iluminasse na obtenção do sustento dos filhos, ainda pequenos; e o dia em que, 30 anos depois, eles fizeram o mesmo trajeto a caminho da premiação em que ela seria homenageada como empresária industrial do ano. “A história foi de afinco”, diz.

Num catálogo de mais de cem produtos em que, só de vassouras piaçava, são produzidas mais de 47 mil peças ao mês, ainda que o tempo tenha trazido a modernização, a empresa mantém tanto o processo artesanal, quanto suas raízes. Prova disso é a razão social da empresa: lembrete de sua essência a partir das iniciais da matriarca, AW Rossi.

Onde, desde março de 2020, a gestão das Vassouras Rossi voltou a ser conduzida por uma mulher da família Rossi, quem, a exemplo da avó, assumiu a empresa num momento de adversidades – dessa vez a pandemia da Covid-19 – foi a neta Roxane Rossi, de 53 anos. A exemplo da avó, mãe e tias, se mostra símbolo de força, dedicação e comprometimento.

Atual entrada da empresa. Foto: Arquivo Vassouras Rossi

Junto dos primos Rossini, Silvio e Paulo Sérgio, Roxane faz questão de dizer que, independente do quanto já tenha sido alcançado até agora – são mais de 12 mil clientes, a empolgação com as pequenas conquistas permanece; principalmente num momento de pandemia em que cada dia traz consigo um novo desafio.

“Lembro do meu pai, que começou a vida entregando vassoura nas costas, sonhar com uma indústria que tivesse um portão e, depois, um porteiro. O primeiro caminhão que eles compraram, então, foi uma alegria. O que eu mais gostava era ver nossa frota toda pintada. Por menor que seja, cada conquista nossa nos emociona muito”, diz comovida. 

Presentes em 500 cidades da região Sudeste, os produtos da família Rossi representam uma extensão de casa e dos propósitos transmitidos aos 85 funcionários da empresa. Para Rossini Rossi, de 46 anos, primo de Roxane e diretor de vendas da firma, a maior recompensa é ser capaz de representar e fazer ser respeitada a história de vida da família.

“Eu vejo um retorno sincero de quem eu atendo. Nossa missão sempre foi honrar nossos compromissos, então tem muita preocupação envolvida, mas também tem muita satisfação. Eu e Roxane temos uma particularidade. Nós chegamos a trabalhar fora e sabemos como é diferente o amor que temos aqui dentro. Tem uma sinergia muito grande dentro dela”.

O complexo da fábrica. Foto: Arquivo Vassouras Rossi

Numa rotina em que o setor fabril é tido como comum e intrínseco aos Rossi, também é natural a capacidade da família de acolher. Para se ter uma ideia, o encarregado de produção Paulo César Gayer, de 55 anos, celebra, em 2021, 41 anos de empresa. Contratado quando criança ainda nos tempos de dona Albertina, era tratado como neto.

“Dona Albertina era a primeira a chegar na fábrica e a última a sair. Cuidava como neto. Puxava a orelha e até chamava pai e mãe, porque eu entrei criança, com 13 anos. Graças à empresa já viajei para a Bahia para visitar plantação de piaçava e fiz praticamente de tudo. Hoje, mais antigos do que eu, só devem ter uns três outros funcionários”.

Responsável por supervisionar desde a etapa de beneficiamento à montagem, “encabe” e carregamento dos produtos nos carros, Gayer diz que não poderia ter crescido com melhor orientadora. “Teve uma época em que a dona Albertina nem enxergava mais, mas só de tocar ela já sabia se a vassoura tinha ou não defeito”.

Foto: Arquivo pessoal Dafne Rossi

Tendo nascido na Floriano Peixoto, se mudado para o Itamarati e se fixado em Itaipava, mais do que produtos de limpeza, a fábrica produz ensinamentos. Dafne Rossi, de 41 anos, é irmã de Rossini, prima de Roxane, e conta que foi ao colaborar com a empresa que entendeu o real significado da história escrita pela família há tantos anos e por tantas mãos.

“Fui chamada pela Roxane a fazer o trabalho de catalogação da empresa e acabei abrindo um mundo mágico de um passado que, até então, eu só ouvia falar. Encontrei a primeira licença do nosso bisavô para vender vassouras na rua e aí entendi todo o esforço coletivo que houve para transformar o negócio que, por muitos anos, foi informal”.

Chegando a colaborar no controle da produção, Dafne teve a oportunidade de conviver e aprender com funcionários que a viram crescer. “Me disseram que a primeira vez em que viram minha avó chorar foi quando chegou a primeira carga grande de piaçava. Foi uma família que construiu a custo de muito esforço e com muitas pessoas”, reflete.

Num legado que vai muito além do fazer vassouras, a família Rossi continua, sobretudo, a fazer história com ética, dedicação e carinho. Afinal, “Você usa. Você confia”.

(Reportagem produzida para a revista de aniversário da cidade emitida pelo jornal Tribuna de Petrópolis em 16/03/2021)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

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