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Fuka’s: atalho para a felicidade que deixou saudade

Nos anos 80, a lanchonete era a garantia de noites divertidas e simples, regadas a sorvete e bate-papos

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Clássico, o sorvete da casa resumia a experiência de quem queria sair do básico. Marcante, era prêmio digno de se preservar na estante. Eleita a sobremesa perfeita para encontros e reencontros, era ela quem estabelecia os parâmetros. Na lanchonete e restaurante Fuka’s, melhor do que sorvete, revigorante e refrescante, era só ver-te.

Fotos: Fabiana Neves – Bruno Avellar

Se a vida é como sorvete, aproveite antes que derreta. E foi esse o pensamento que motivou as frequentes idas da aposentada Eda Portugal da Silva, de 82 anos, com os filhos ao Fuka’s e, mais tarde, também com os netos. Como ela mesma explica, era a facilidade de trabalhar no Centro da cidade e ter onde lanchar com os pequenos.

“Quando eles cresceram, o programa deles era ir ao cinema com os amigos e depois fazer um lanche no Fuka’s. Era um grupo bem grande da juventude deles que aproveitava”. De acordo com uma das filhas de dona Eda, a petropolitana Enaide Portugal da Silva, de 53 anos, houve vezes dos passeios reunirem até 36 amigos.

“O número variava, mas uns 20 adolescentes eram certos. Principalmente no verão, nós tomávamos muito sorvete e tínhamos um colega mais gulosinho que sempre pedia o Apollo 11: uma torre com vários sabores empilhados numa taça e um pêssego em calda no topo. Era uma sobremesa gigantesca e escandalosa, bonita de se ver”.

E se o cardápio ficou registrado na memória, pode-se dizer que o estilo americano da lanchonete também. Afinal, Enaide explica que era por baixo daquelas mesas retangulares de encosto alto que os namoradinhos davam as mãos, sem que ninguém visse. Ela também destaca o atendimento fabuloso oferecido pela casa.

“Éramos crianças, mas nunca fomos tratados com indiferença. Sempre nos acolheram como se estivéssemos lanchando juntos na casa de um parente e isso era muito marcante. Naquela época nossas famílias se programavam para que essa nossa mesada tivesse essa funcionalidade de ir ao cinema e fazer um lanchinho no Fuka’s. Era muito legal”.

Uma tradição de gerações

Fotos: Reprodução/Internet – Bruno Avellar

A presença dos jovens no estabelecimento era peça fundamental no funcionamento da engrenagem, mas como bem aponta o autônomo Francisco Ribeiro, de 60 anos, quando se é novo, não há dinheiro para tudo, e é aí que as escolhas e prioridades entram. No caso dele, era lanchar no Fuka’s para, depois, voltar a pé para casa.

“Nos anos 80 eu fazia faculdade no Rio – subia no ônibus de 23:30 e, às sextas, ia sempre no Fuka’s comer um hambúrguer com a turma que descia dele comigo. Depois eu andava a pé até o Quitandinha. Vida de jovem é sempre divertida, então eu ia marchando mesmo e, como o papo era bom, a gente nem sentia, passava rápido”.

Descrita por ele como “uma diversão que o pessoal não tem hoje”, a graça da garotada estava nas mais simples conversas e tira gostos. A aposentada Lilian Regina Marcilio Nogueira, de 61 anos, traz logo à tona a banana split do Fuka’s, iguaria que, de acordo com ela, era o grande ponto forte da lanchonete.

“Era muito gostosa e a forma deles servirem era muito especial: os talheres, as taças. Naquela época eu não tinha o hábito de frequentar esses lugares, então ser tão bem recebida deixou em mim uma marca muito legal. Sempre que minha mãe podia, ela me dava dinheiro e eu ia lá”.

Sem comparação

Fomentados pelo ambiente familiar proporcionado pelo Fuka’s, os laços firmados entre funcionários e clientes culminaram numa grande e incomparável família. Quem recorda com carinho os anos desfrutados ao lado da equipe é o micro-empresário Vagner Vantuil, de 44 anos, que de motoboy chegou ao cargo de gerente.

“Entrei lá aos 16. Trabalhava como jornaleiro naquela banquinha de jornal da esquina e conhecia todo mundo, inclusive o seu Zé, que era o dono, e seu sócio, Mauro. A maioria das pessoas ali tinha 20, 30, 40 anos de casa e isso acaba virando uma família porque você passa mais no convívio com eles do que com seus próprios familiares”.

Seu Zé, acompanhado de Vagner, em ação no balcão. Foto: Arquivo pessoal Vagner Vantuil

Descrito por Vagner como formidável, o seu Zé era, como ele mesmo aponta, “uma pessoa de uma humildade fora do comum”. E eram os princípios tidos por ele que contagiavam o estabelecimento e faziam do atendimento único. Vagner relembra as amizades construídas e uma lacuna que talvez nem o tempo seja capaz de preencher.

“É o tipo de coisa que não tem preço e que também não volta. Chega um momento em que os clientes se tornam seus amigos. Até hoje tenho contato com uma ex-cliente, a dona Lígia, de quase 90 anos. A dona Marilu também, que foi a primeira do cadastro de entrega. A gente até a chamava de número um”.

Também número um foi o garçom José Damião de Oliveira, de 61 anos. Isso porque houve um tempo em que Damião, como é conhecido, foi o funcionário mais antigo do Fuka’s. “Fui pra lá trabalhar como garçom em 1980 e cheguei a completar 37 anos de casa, o mais antigo da casa e o primeiro do livro de funcionários”, diz orgulhoso.

Assim como Damião, a técnica de enfermagem Mônica de Lima Benedicto, de 45 anos, recorda com orgulho a primeira e única vez em que lanchou no estabelecimento, uma semana antes do negócio fechar as portas. Emocionante, o momento foi a realização de um sonho cultivado por anos e a despedida de uma das mais tradicionais casas da cidade.

“Minha irmã mais nova Marcela tinha acabado de começar a trabalhar e ficou feliz em me presentear. Ainda tinha aquele glamour pra quem sempre teve a vontade de conhecer. Tomamos uma taça de sorvete de creme e prometemos tomar uma banana split da próxima vez em que fôssemos, mas acabou não dando tempo”.

Comovida, Mônica vai além: “quando a gente perde esses lugares da nossa infância nós sempre nos perguntamos o porquê de não ter ido naquele tempo. Às vezes achamos que nunca vai fechar, que vai ser eterno. A gente se acostuma a ver, faz parte do nosso cotidiano e acabamos colocando como um souvenir que nunca vai sair da nossa estante”.

Atalho para a felicidade, o Fuka’s deixou saudade. Sede de encontros e reencontros, mostrou que, tal qual o sorvete, o tempo escorre pelas mãos. Daí a importância de saboreá-lo.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 05/05/2019)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

1 Comment

  1. Fukas foi o nome criado pelo seu criador Fuad Abi Daud, filho do Seu Tufik Abi Daud, um turco que chegou a Petrópolis e praticamente ninguém sabia de onde ele tinha vindo, casou com a Dona Rosa (brasileira) e teve 5 filhos com ela. François Abi Daud (com quem trabalhei durante anos na loja A MATRIZ) primeiro como boy, depois datilógrafo e no final gerente do departamento de crédito.
    Em seguida ao François havia a Faime Abi Daud que casou com um médido.
    Depois o Fuad Abi Daud, o criador do Fucas e ainda havia (ou existe ainda) a Fauzete Abi Daud e o Faris Abi Daud, o mais novo.
    O Fukas foi ideia e realização do Fuad, que na época foi a São Paulo inúmeras vezes para pesquisar, comprar e adaptar os equipamentos que ele utilizou na cozinha e na concepção do Fukas.
    Na época o Tonis era a lanchonete preferida e, por isso o Fuad abriu o Fucas no outro lado da avenida, dividindo a frequesia da época.
    Saí de Petrópolis em 1972 e fiquei 46 anos fora e quando voltei a viver na minha cidade de origem em 4 de outubro de 2017 a placa do Fukas ainda estava no lugar.
    Obrigado.
    Ivan Lima

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