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Casa D’Angelo: 104 anos de história

De armazém à casa de chás, confeitaria e, por fim, choperia

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E foi ali, na esquina da Rua do Imperador com a Praça Dom Pedro II, que fregueses encontraram um lugar pra chamar de lar. Seja pelas recordações provocadas por um pequeno caramelo ou pelo simples aconchego do ambiente, é lá que o passado se faz presente entre quatro paredes. Afinal, não é à toa que a Casa D’Angelo representa a história da cidade.

Fotos: Arquivo Histórico Biblioteca Municipal – Bruno Avellar

O nome já indica: uma casa de família. Antes esse significado se dava de forma literal, como explica Hélio Vieira, que há 20 anos é um dos sócios do estabelecimento. Agora, porém, são eles, os funcionários e a clientela, os responsáveis por criar o ambiente.

“O estabelecimento existe desde 1914, são 104 anos. No começo, a Casa era uma espécie de armazém. Depois ela foi vendida para os irmãos D’Angelo, tanto que deram o nome da rua ali atrás em homenagem a eles. De armazém ela virou uma delicatessen, aos moldes de antigamente. Eram expostos sacos grandes de nozes e castanhas. Antes de ser a choperia que é hoje foi ainda uma Casa de Chá, uma confeitaria, na verdade”, conta Hélio.

Fotos: Museu Imperial/Ibram/MinC – Bruno Avellar

Ele lembra que sua paixão pelo estabelecimento vem desde cedo, da época em que era freguês. “Eu sempre gostei muito dela. Frequento a casa desde os 20 anos de idade. Tenho quase 63 então são mais de 40 anos. Eu interagia com os donos e, agora, lido com o público, o que é a parte mais gostosa da Casa. Nós acabamos ficando amigos dos fregueses, até daqueles que vêm de fora. Ela é muito carismática, gostosa de se ficar. Às vezes queremos fechar, e os clientes não querem sair”, diz em tom de brincadeira.

E se tem alguém que conhece os fregueses, esse alguém é o atendente Fabiano Marcelino. Ele, que entrou no negócio aos 18 anos, já acumula três décadas de casa. Segundo Fabiano, algumas das melhores épocas para se rever os clientes são os períodos de Copa do Mundo e Carnaval.

“Vários casais vêm do Rio para relembrar histórias e o tempo passado no D’Angelo. Você revê clientes de muitos anos atrás que já moraram em Petrópolis, se mudaram, mas voltam para comer o bolinho de bacalhau, a torrada e os caramelos D’Angelo”.

Com a proximidade do campeonato mundial de futebol, Fabiano relembra alguns episódios inesquecíveis vividos por ele no D’Angelo. “O jogo que mais me marcou foi o da Copa de 1994 quando o Brasil venceu. Nós fechamos aqui e quando o Romário fez o gol jogamos até bacalhau pra cima. Foi uma Copa diferente porque era o aniversário de dois garçons então fizemos a festa junto”.

Ele revela ainda outras curiosidades sobre os tempos de Copa no que considera ser sua segunda casa. “Já tivemos promoções em que o cliente que estava aqui ganhava um chope a cada gol que o Brasil fizesse. E tinha outra coisa. Se o Brasil ganhasse, a gente fechava, comemorávamos, e ia todo mundo embora. Já se o Brasil perdesse, a gente reabria e voltava a trabalhar. Então todo mundo torcia pra ganhar”.

Mas não são só os funcionários que têm histórias para contar. Mariza Alves de Faria, de 67 anos, se considera uma frequentadora assídua do estabelecimento.

“Sou da Baixada, mas já estou em Petrópolis há quase 50 anos. Eu moro, praticamente, em cima do D’Angelo. O lugar é tradicional, tem comidinha boa, os garçons são atenciosos. Eu e minha turma somos fregueses de fechar porta. Já temos até nossa mesa cativa. A gente chega lá e eles já sabem o que a gente vai pedir”.

De acordo com Mariza, os diálogos com os atendentes nunca deixam de lado o bom humor. “Eles sempre me perguntam ‘E aí, Mariza? Como anda o barulho lá em cima?’ e eu digo: ‘enquanto eu estiver aqui na choperia não tem barulho não’. Quando eu for embora eu aviso, mas eu só saio quando acaba, então não me incomoda”, ri ela.

A aposentada conta que um dos membros de sua ‘turma’ vem do Rio especialmente para tomar o chopinho D’Angelo. O amigo em questão é o analista de sistemas Mário Pimenta, de 49 anos, que este ano, inclusive, comemorou seu aniversário com o bolo D’Angelo, decorado com o chope da casa.

“Foi muito legal. Eu sou de Belo Horizonte então minha família, minha mãe e meus amigos vieram de lá. A Casa é muito agradável. Hoje sou frequentador assíduo. Já conheço todo mundo lá dentro. Ainda não assisti jogos da Copa lá, mas este ano com certeza irei”.

Além do chope bem gelado, quem também faz sucesso no estabelecimento é o ‘seu’ Luiz Antônio Agostinho, o famoso Luizinho. Com 72 anos, ele trabalha como garçom há quase 60: seis décadas de amizades com a clientela.

“A Casa D’Angelo representa a tradição, a história da cidade. Gosto de fazer parte disso, das amizades que a gente cria e que nos procuram porque gostam do nosso trabalho. Estou lá há 16 anos. Ali relembramos os bons tempos. Petrópolis tem esse detalhe. Essas casas boas que permanecem e que temos que manter. Lá participei das Copas de 2006, 2010 e 2014. Agora vai ser a quarta”.

Em mais de cem anos de existência, A Casa D’Angelo passou por mudanças, mas nunca deixou para trás essa essência que cativa quem a frequenta. As gerações de clientes mudam, mas o movimento é o mesmo: calçada lotada e o encanto… renovado.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 17/06/2018)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

2 Comments

    • Muito obrigada pelo carinho, Fernanda! E se não for pedir muito, aproveita pra seguir o blog lá no Instagram (@petropolisoblentes). Lá publico alguns conteúdos exclusivos, mas igualmente interessantes!

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