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Pinikão 5000: copo na mão em clima de diversão

Religiosamente, às sextas, eram recebidos mil litros de chopp para atender a uma média de 500 - 600 clientes nos fins de semana

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Independente do horário, a garotada era guiada pelo membro honorário da noitada que, com suas mesas na calçada, fazia da Irmãos D’Ângelo lotada. Equiparada ao chopp, a moçada se deixava transbordar e extravasar no Pinikão 5000: fiel escudeiro que às noites trazia euforia e, às manhãs, alegria.

Mesmo sem rota traçada, era ao Pinikão que o caminho levava. Pelo menos é o que conta o aposentado Luís Roberto Siqueira, de 59 anos. Comerciante e estudante à época, Luís relembra o point da garotada das décadas de 70 e 80 que, com seus petiscos, batidas “de tudo quanto é jeito” e chopp, “fazia o final de semana ficar alegre”.

“Quando eu saía do colégio à noite, ao invés de ir para casa, ia para lá com o meu fusquinha. Eles funcionavam até tarde, então você rodava, rodava e terminava sempre no Pinikão. Sexta e sábado eram os dias da diversão. A batida de pêssego era uma delícia e, a de maracujá, coisa de doido. O xixi de anjo não sei bem o que era, mas era gostoso aquilo”.

No calar da noite ou no raiar do dia, as frutas batiam um bolão. Ora associadas ao álcool, ora acrescentadas à água, eram elas as responsáveis por dar liga aos campeões que faziam a loucura da torcida. Afinal, além das batidas, o Pinikão se consolidou enquanto produtor de um dos melhores sorvetes da cidade.

“Sorvete a gente não enjoa e o do Pinikão era simples, mas, nossa, era perfeito. Era ímpar, aconchegante. Tanto que me remete ao colo do meu avô, que me acompanhava e me levava para experimentar novos sabores. Eram 35 sabores. Sei disso porque experimentei todos eles: desde o de pistache com chocolate, ao de coco queimado, que era fantástico”.

É essa a fala da professora e artesã Beatriz Siqueira que, aos 52 anos, resgata os sabores do Pinikão que, pouco a pouco, deram forma a seu gosto pelo sorvete. “Em cima do Pinikão tinha o curso de inglês Miami, onde eu estudava, então três vezes na semana, sempre que eu saía da aula, meu avô comprava sorvete pra mim, fosse verão ou inverno”.

Inerente e suficiente

Independente da estação, a lanchonete se mostrava inerente à juventude. Audaciosa, se mostrava, já no nome, destemida e pronta para ser ouvida. O hoje empresário esportivo Amilcar José de Jesus Figueiredo, de 71 anos, recorda a criação do empreendimento que lhe rendeu alguns dos anos dourados de sua vida.

“Queria um nome que chocasse, então foi uma homenagem minha ao santo padroeiro da cidade, que é São Pedro. Petrópolis chove todos os dias. Num dia só faz as quatro estações do ano, então Petrópolis é o penico de São Pedro. Nada melhor do que fazer um Pinikão com um menino sentado e o chopp transbordando”.

O Pinikão estava na boca do petropolitano. Fosse daquele que comentava sobre ele, ou daquele que o frequentava, o estabelecimento desafiava as previsões: lotava calçadas e esgotava estoques. Em números, Amilcar destaca que, religiosamente, recebia, às sextas, mil litros de chopp para atender a uma média de 500 – 600 clientes nos fins de semana.

E falando em saída de mercadorias, os tão comentados sorvetes não podem ficar de fora. “No verão, era uma média de quase cem quilos de sorvete de manga que vendíamos por dia. Os sorvetes de fruta eram à base d’água e um dos segredos para não empedrar no freezer era misturar com clara de ovos. Com as gemas, eu fazia o sorvete de creme”.

Descrita por Amilcar como “uma história de um rapaz cheio de ideias e vontade de crescer”, o Pinikão foi fruto de experiências e vivências que lhe dão a sensação de realização e dever cumprido. Os anos se passaram, mas, por sorte, ficaram as boas histórias, como a da Copa de 82 em que, quando o Brasil ganhava, todos iam para o Centro comemorar.

“O Pinikão era a única casa que ficava aberta. No primeiro jogo, acabou o nosso estoque de cem caixas de cerveja. No segundo, foram 200 caixas; no terceiro, 500. Só sei que na final contra a Itália comprei 1000 caixas. Chegamos a comemorar o 2 a 2 mas, no final das contas, perdemos e levei um ano e meio para me desfazer delas, a preço de custo”.

Combustível das comemorações, a gelada apitava o início das partidas no Pinikão. Quando não se dependia do placar para celebrar, melhor ainda. O promotor de eventos Marcio Pereira, de 56 anos, relembra os festivais de chopp promovidos pelo estabelecimento durante o feriado de Carnaval e garante: “era onde tudo acontecia”.

“Uma semana antes do Carnaval, a Banda de Petrópolis partia da Irmãos D’Ângelo num desfile pelo Centro. As pessoas ganhavam um caneco do Pinikão 5000, que era o festival de chopp, a acompanhavam e depois retornavam para lá, onde bebiam à vontade na rua. O Carnaval continuava ali e, uma semana mais tarde, era aberto oficialmente o feriado”.

O endereço da felicidade

O Pinikão teve dois endereços: o primeiro, e mais breve, na Rua 16 de março; o segundo, e onde ficou por mais tempo, na Irmãos D’Ângelo. Fotos: Reprodução Internet – Bruno Avellar

No Pinikão, a felicidade tinha nome e tamanho. Herdados da então lanchonete Sherlock, adquirida por Amilcar para abrigar o novo negócio, os pratos destacavam-se por sua grandeza e atrevimento em misturar e acertar. O empresário Rick Araújo, de 59 anos, filho de Fernando Araújo, a fera por trás dos sanduíches, dá detalhes sobre as receitas.

“Papai foi comerciante por muitos anos na cidade e presidente do CDL também.  Acontece que um dia ele cansou e foi fazer o que gostava, cozinhar, e abriu o Sherlock, inspirado no Gordon, o então restaurante do momento no Rio. Os sanduíches usavam carnes diferentes, lagarto, rosbife, lombo alemão, misturando doce com salgado, usando molhos”.

Ah, os molhos. Para a professora aposentada Eliane da Silva Nicodemus, de 63 anos, eram eles que davam o ar da graça às suas vindas a Petrópolis. Então moradora de Teresópolis, Eliane seguia as recomendações do namorado, hoje marido, Guilherme Nicodemus, que sabia o que estava em alta.

“Me lembro que os sanduíches eram enormes, cheios de bacon, muito queijo e um molho delicioso, diferente. Suave, mas bem gostoso. Os meus eram de filé com bastante salada. Levávamos horas para poder saboreá-los, enquanto conversávamos e ríamos muito. Era bem cheio e me lembro de que tínhamos que esperar mesa. Isso quando ainda funcionava na 16 de março. Todo mundo ia lá bater papo”.

Com a casa, o copo e a boca cheias, no Pinikão 5000, reclamações e frustrações não tinham vez. Afinal, era nas amizades que estava a fluidez.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 10/03/2019)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

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