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Era uma vez, no Palácio das Noivas

O palácio era das noivas, e a loja sonho das petropolitanas!

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Bastava atravessar a porta de entrada da loja que os clarins começavam a tocar e as noivas já se imaginavam no altar. Rodeadas por madrinhas cujo coração era o maior instrumento de magia, no conto de fadas do Palácio das Noivas a carruagem não virava abóbora e o relógio, em vez de encerrar, o ápice da história fazia engrenar.

Escrita bem no Centro da Cidade Imperial, a história do Palácio das Noivas foge à regra dos reinos e terras distantes em que normalmente se passam os contos de fada. Mas isso não a impede de, ainda assim, começar com o tradicional ‘era uma vez’ e com a aproximação, logo no começo, entre narrador e leitor.

Foi na década de 60 que Walter e Victoria Simão assumiram a gestão do empreendimento. Comandada, até então, pelo irmão de Victoria, a casa foi a primeira, senão a única dedicada à venda de vestidos e acessórios femininos para casamento da época. Suntuoso, o Palácio das Noivas fazia de Walter e Victoria, rei e rainha.

A dupla teve três filhas: Eliane, Solange e Arlete. A mais velha do trio, a engenheira Eliane Simão, de 68 anos, recorda a personalidade e a generosidade cativantes do pai que faziam dele conhecido e, acima de tudo, amado. Ela cita o caso da noiva que, há poucos meses de terminar de pagar pelo vestido, rompeu o noivado e o sensibilizou.

“Lá na loja você não tinha uma prestação fixa. Ia pagando o quanto podia e aí teve o caso dessa cliente que deixou o papai arrasado. Me lembro dele chegar em casa e não saber o que fazer. Ela não tinha mais interesse no vestido, queria vender, e acabou que ele o comprou de volta. Se papai tivesse que dar algum vestido escondido da mamãe ele dava”.

Quando o coração está em paz, da menor casa um palácio se faz. É o que diz o ditado popular e o que confirma Eliane. Ainda que não lembre das primeiras cenas do filme da vida dos pais, ela menciona algumas das reviravoltas que fizeram da trama dos dois ainda mais emocionante e gratificante.

“Minha mãe era apressadinha e ele descansadinho. Ele queria fazer engenharia, mas minha avó disse que minha mãe só casaria depois que ele estivesse formado, então ele fez química que era mais rápido. O casamento é um ritual que começa com a cerimônia e não termina nunca mais”. 

Especializada na venda de vestidos de noiva e, como já era de se esperar, foi no Palácio que as filhas do senhor Walter e de dona Victoria disseram ‘sim’ aos modelos de suas próprias cerimônias. As três casaram no mesmo ano e foi Eliane quem, das irmãs, teve a primeira experiência no altar.

“Casei eu em março, Solange em julho e Arlete em novembro. Inclusive o meu vestido ficou curto porque quem experimentava era a minha mãe. Eu não queria casar, então era ela quem fazia os testes. Lembro de fazer bainha na hora em que estava saindo, no próprio corpo. Por isso até cheguei atrasada na igreja”, diz rindo

Personagens e elementos encantados

Fotos: Arquivo pessoal/Ricardo Theisen – Bruno Avellar

Aliados no estímulo da imaginação, são os contos de fada os responsáveis por fascinar e ensinar aqueles que com seus personagens se relacionam. Alguns poucos aparecem na trama e outros são recorrentes, como é o caso da senhora Janete Canella Ferreira, de 85 anos: vendedora do Palácio por praticamente três décadas.

Divertida e alto astral, dona Janete torna difícil dela não gostar. Marcante, é exemplo de personagem bem construída, que evolui com o enredo e por quem todos torcem a partir de algum momento da trama. Os diálogos fluem na presença da ex-funcionária, que revive com bom humor alguns episódios do dia a dia no trabalho.

“A maioria das clientes comprava comigo. Todo dia tinha noiva. Algumas muito idosas também. Eu pensava até que estavam comprando o vestido de casamento das filhas. Agora, você vê: coroas. Eu levava na brincadeira. Tenho certeza de que todas as noivas que entraram lá saíram muito felizes e, pelo que vi, estão felizes até hoje”.

Seu primeiro e último emprego, foi na loja que dona Janete, como ela mesma descreve, encontrou algumas das pessoas mais bondosas e carinhosas que já conheceu. Ela faz questão de dizer que gostava de tudo, inclusive dos horários, ainda que estivesse sempre atrasada.

“Me lembro que tinha que entrar oito e meia, mas dificilmente eu chegava na hora. Estava sempre atrasada, mas também depois que chegava eu arrasava. Naquele tempo era muita noiva.  Os vestidos eram muito bonitos e as noivas também ficavam realmente lindas. Pareciam até a rainha da Inglaterra e elas acreditavam”. 

As versões são muitas, mas a premissa de Cinderela é a mesma: a de que “um sonho é um desejo que o coração faz”. Para as aposentadas Dulcinéa da Silva Marcolino, de 73 anos; e Angela Badaró, de 64 anos, a intenção era casar num vestido do Palácio das Noivas, e não é que as fadas madrinhas conspiraram a favor? 

Para dona Dulcinéa a realização do sonho veio na década de 60. Ela brinca que, ainda que tenha se casado apenas uma vez – já são 54 anos ao lado do marido, Valdir – adorava a loja. “Quando estava preparando para casar sempre passava para ver as novidades e, depois de casada, era minha filha Verônica que pedia para a gente olhar as vitrines de lá”.

No caso de Angela, o conto de fadas aconteceu vinte anos depois, na década de 80. Pago em parcelas, o vestido foi escolhido com a ajuda de sua mãe e das funcionárias da loja. “Você era tão bem atendido que não se sentia agitado. Se tivesse que vestir 20 peças e depois voltar pro primeiro não tinha problema nenhum. Era muito legal”.

Prova de que, assim como o amor, a gentileza vem de graça, a costureira Tânia Lúcia Elblink, de 54 anos, fala sobre a atuação da família nos bordados dos vestidos comercializados pela loja. A parceria teve início com a avó, dona Olinda, continuou com a mãe, Eliete, e com ela, que até como cerimonialista das clientes chegou a atuar.

“Minha avó foi professora de corte de costura e quem me ensinou tudo que eu sei. Sei que era muito prazeroso. Me lembro de algumas noivas comentarem com ele que não tinham quem as ajudasse a se vestir, então eu mesma ia na casa delas. Eu ajudava e as acompanhava até a porta da igreja”.

Numa narrativa envolvente e marcada por personagens bem construídos, o moderno conto do Palácio das Noivas quebrou protocolos, foi feliz do início ao fim e fez enxergar, assim como em “Cinderela”, o mundo como ele poderia ser, e não como ele é.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 20/10/2019)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

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