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Como dois espanhóis e uma viagem pelo Brasil resultaram na Churrascaria Majórica?

Situado na rua que é coração da cidade, basta atravessar a porta de entrada do restaurante para o agito urbano dar lugar a uma atmosfera que se renova sem perder sua essência

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Na filosofia japonesa, o termo ikigai representa o propósito de vida que atribui significado à jornada de cada um. Caminho para uma vida duradoura e feliz, quando aplicada ao coletivo a referida missão transcende barreiras. Organismo vivo, assim também é a Churrascaria Majórica: casa que abraça, acolhe e tem na tradição sua essência e principal força motriz.

Foto: Arquivo/Churrascaria Majórica

Homenagem à ilha espanhola de Mallorca, na qual nasceram os irmãos Francisco e Bartolomeu Bou, fundadores da churrascaria, o termo Majórica faz alusão à conceituada fábrica de pérolas da região. Para além da denominação, assim também é o estabelecimento que desde 1961 se dedica à construção de joias preciosas.

Apaixonados pelo Brasil, os espanhóis Francisco e Bartolomeu se tornaram caminhoneiros para que pudessem conhecer de ponta a ponta a beleza do país. E foi no Sul que os irmãos descobriram o churrasco gaúcho e decidiram o implementar em um empreendimento próprio, que teve como primeira casa a cidade de Nova Friburgo.

Lar do friburguense Nelson Rodrigues, a Majórica simbolizou a descoberta do ikigai do brasileiro e dos estrangeiros. Com metas bastante definidas, Nelson sempre teve em si a vontade de empreender. Chegando a trabalhar na chácara de flores do pai no distrito de Amparo, ele foi funcionário de padaria, fábrica e lanchonete, conciliando esses últimos dois.

Reprodução: Petrópolis Sob Lentes

Convidado a se juntar à churrascaria pelo trabalho de excelência desenvolvido na lanchonete em que os espanhóis eram fregueses, Nelson não demorou a crescer dentro da Majórica. Começou na copa, aprendeu a fazer churrasco, servir e cortar carne. Quando surgiu a proposta de abrir a filial em Petrópolis, não havia dúvidas de quem a gerenciaria.

Sua filha, Ângela Brum Rodrigues, de 63 anos, conta que a adesão dos petropolitanos ao formato de churrascaria não foi imediata. Sabendo que, à época, a cidade ainda não contava com restaurantes neste estilo, coube aos universitários movimentarem a casa em seus primeiros anos de funcionamento.

“Eles almoçavam durante a semana sem pagar e aí, no fim de semana, os pais vinham e acertavam a conta. Isso fez com que começasse a ter movimento e com que o restaurante se tornasse mais conhecido. Devagarinho ele foi comprando as cotas e se tornando sócio”, explica Ângela, que administra o negócio há cerca de 15 anos.

Erguido em família, ao longo de uma década Nelson residiu com a família em cima da churrascaria. Com seu irmão na posição de auxiliar de caixa e escritório, bem como suas irmãs e esposa Luci responsáveis pela limpeza dos salões, o restaurante, pouco a pouco, se tornou a extensão do contexto familiar de funcionários e fregueses que adotaram a casa.

Com formação em Psicologia, a exemplo do pai e dos espanhóis, Ângela também encontrou sua vocação no comércio. A partir do relacionamento próximo com clientes e funcionários, ela conheceu os desafios que vêm junto do setor e, mais ainda, a satisfação em se sentir parte de uma história que ganha novos capítulos todos os dias.

Fotos: Petrópolis Sob Lentes

“Quanta criança a gente já viu correr para o colo da mãe, do pai. Quantos noivados, surpresas, batizados, comemorações. Tudo gira em torno da alimentação. São momentos de união em família em torno de uma celebração ou de um momento triste, para um abraçar o outro, confortar. A gente busca manter o ambiente para a pessoa se sentir em casa”.

Para sua irmã Angélica Brum Rodrigues, de 56 anos, reflexo dos sonhos dos fundadores e dos sacrifícios de sua família, a Majórica é habitada por vida e história. “É como se a casa me abraçasse. Ela interage, responde, parece que conversa com a gente. É um organismo vivo que vai se renovando com as pessoas que dão sequência a ele”, exprime.

Administradora do estabelecimento junto da irmã, Angélica relata a emoção em saber que, uma vez inaugurado, o restaurante se tornou parte permanente da história de quem habita e visita a cidade. “Muitos se emocionam em estar aqui novamente. É o mesmo garçom, o mesmo sabor. Me lembro muito da luta do meu pai, da minha mãe, irmã e do meu irmão”.

Foto: Arquivo pessoal Ângela Brum Rodrigues

Razão de viver

Para os japoneses, o ikigai representa a soma do que você ama, daquilo que o mundo precisa, do que você é pago para fazer e daquilo em que você é bom. Para muitos, descobrir seu propósito pode levar uma vida, mas no caso da Majórica, a caminhada é construída pela união em prol de um ambiente que acolhe e honra a tradição.

Situado na rua que é coração da cidade, basta atravessar a porta de entrada do restaurante para o agito urbano dar lugar a uma atmosfera que se renova sem perder sua essência. Prazerosa, a casa garante o retorno dos frequentadores e a permanência dos funcionários que chegam a completar, com orgulho, 50 anos de Majórica.

Foto: Petrópolis Sob Lentes

Foi assim para os cozinheiros José Francisco de Paula, o Pelé, e também para Geraldo da Silva. No caso de Pelé, as primeiras idas ao restaurante aconteceram ainda na infância, quando auxiliava o avô na cozinha. Já para o Sr. Geraldo, que em abril celebra 90 anos, sua caminhada na empresa se deu dos 32 aos 83.

Neste fim de semana, faleceu Pelé, que por tantos anos ajudou a escrever a história da churrascaria com maestria. Foto: Arquivo/Churrascaria Majórica

Ambiente em que seu filho Eduardo também chegou a trabalhar no período de seus 14 aos 18 anos, a churrascaria foi o local em que Geraldo criou a família. Pai de sete, ele se diz grato pela saúde e força dados por Deus para que pudesse dar conta do recado, mesmo depois de aposentado.

“Continuei a trabalhar lá mesmo 20 anos depois de me aposentar. No começo nós só trabalhávamos com a batata comum, a palha, prussiana e portuguesa. Eu que implementei a batata pastel lá. Ensinei muita gente a fazer a fritura dela. É um processo delicado. Fim de semana fazíamos mais de 150 quilos de batata”, aponta o Sr. Geraldo.

Legado preservado

Por trás de cada atendimento está a preocupação em preservar o legado construído pelo Sr. Nelson. Seja a partir dos filhos, ou então pela equipe, que por si só promove sua renovação entre familiares. Foi o caso, por exemplo, do garçom Agrimar de Carvalho, cuja entrada na empresa, há 32 anos, se deu por indicação do tio, o ex-churrasqueiro Sebastião Gonçalves.

De copeiro a cumim e garçom – posição que exerce até hoje – Agrimar, de 51 anos, se diz movido pelo contato com o público. “Quando eu entrei os funcionários já tinham 10, 20 anos de casa. O Sr. Nelson tinha um bom relacionamento com os funcionários, então era difícil o pessoal querer sair”.

Foto: Arquivo pessoal Ângela Brum Rodrigues

Certo de que um trabalho bem feito é aquele em que há sensibilidade e respeito mútuo, Agrimar dividiu o salão por muitos anos com o também garçom José Geraldo Vieira Matos, de 61 anos. Tendo colaborado com a empresa por quase 37 anos, José Geraldo foi acolhido de imediato pelo patrão, o que lhe deu motivos suficientes para fazer o mesmo pelo público.

“Fiz uma longa carreira lá que, graças a Deus, foi muito brilhante. Aprendi a exercer minha função com muito carinho porque quem se prontifica a ser garçom tem que acolher com amor”. Rostos que caracterizam o estabelecimento, os longevos funcionários atribuem sentido à casa que, inevitavelmente, se torna de todos.

Peça fundamental na caracterização da cidade e na constituição de seu comércio, a Churrascaria Majórica é a certeza de que o atendimento vai além da prestação do serviço. Em processo de renovação constante, os que chegam, dificilmente da equipe saem, como comprovam o churrasqueiro Domingos Edson Ramalho de Souza, com 34 anos de casa, e um dos gerentes, Gilmar Marcos Pacheco, com 26 anos de contribuição.

Quem observa uma pérola, com toda a sua graciosidade e beleza, não imagina que sua formação aconteça como consequência de um mecanismo de defesa da ostra. Como ela, quem se depara com a fachada da Majórica não imagina que é dos contratempos enfrentados que se desenvolvem alguns dos mais valiosos tesouros, sendo o companheirismo o principal deles. 

Foto: Petrópolis Sob Lentes

(Matéria produzida a convite da CDL Petrópolis e veiculada no site da entidade em 13/02/2022)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

3 Comments

    • Boa noite, Luiz! Você vai gostar muito da experiência e tenho certeza de que será muito bem tratado lá! Quando for, fale com a família que seu pai conheceu o Sr. Nelson. Ficarão muito felizes! Um abraço e boa semana!

  1. Foi o primeiro restaurante que eu me recordo de ter ido na vida. Devia ter uns 8-9 anos ou seja 60 anos atrás. Toda vez que volto as lembranças afloram e sempre peço a mesma sobremesa: morangos com creme… já virou um ritual 🫶

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