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Carnaval no Petropolitano: onde preto e branco nunca saem de moda

Se falassem, o que será que diriam os jardins do Petropolitano?

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Disputado, o atravessar dos portões era, por si só, linha de chegada. Visado, o clube era, por sua vez, linha de partida para emoções e corações entusiasmados. A disputa entre o que mais brilhava punha em xeque os cintilantes adereços e os radiantes foliões. Sumptuosos, os bailes do Petropolitano davam início e fim ao Carnaval na cidade.

Grandiosas, as festas eram o sonho de consumo da garotada. Afinal, como aponta a aposentada Silvia Maria Pinto Ferreira Macedo, de 66 anos, era o Clube Petropolitano o detentor do primeiro dia do circuito de bailes da cidade, o que fazia do Carnaval em Petrópolis, logo no sábado, uma festa em alto estilo.

“O Carnaval começava com o glamouroso Baile de Máscaras do Petropolitano e terminava no Country Club, em Itaipava. Era um evento tão esperado que vinha muito veranista só para fazer esse circuito. O pessoal era animado, então mesmo que você não gostasse de Carnaval, dava vontade de ir porque você conhecia gente interessante e bonita”.

Baile de máscaras, em 1966. Na fotografia, Silvia é a primeira mulher, à esquerda. Foto: Arquivo pessoal Silvia Macedo

E como! Daí a vontade, e quase necessidade, da juventude da época fazer de tudo, e de tudo mesmo, para estar lá dentro. O empresário André Luiz Gomes Pereira, de 65 anos, relembra os tempos de garoto no então Preto e Branco, em que não se sossegava até que se estivesse do outro lado da grade do clube.

“Depois dos bailes de formatura do Quitandinha, o Preto e Branco era o mais falado da cidade. Reunia toda a high society de Petrópolis. Era sempre marcante e muito comentado. As meninas da cidade toda estavam lá, então fazíamos de tudo para poder entrar. Eu mesmo entrei várias vezes de penetra”.

Morador do Valparaíso há 50 anos, André Luiz explica a tática usada por ele e os amigos: “Normalmente a roupa era emprestada, então um entrava e, depois, passava o paletó para o outro no muro, e assim ia entrando um monte de gente. Tinha vezes de pularmos até grade. Tempo bom!”.

E se os jardins falassem?

Na primeira imagem, baile de máscaras no ano de 1967. Festa comemorou 41 anos em 2019. Fotos: Arquivo pessoal Arnaldo Rippel

Da boca dos petropolitanos, o assunto não sai, mas e se os jardins do Clube Petropolitano falassem? O que diriam sobre as travessuras da juventude da época? A profissional em marketing, Maria Lucia Cabral, de 62 anos, resgata, na memória, a preparação minuciosa pela qual passavam os trajes para o Baile de Máscaras.

“As mulheres só podiam ir de roupa de gala, vestido longo, então eu ia de vestido de chiffon, crepe ou cetim de seda pura. Para se ter uma ideia, as festas saíam até na revista Manchete. Meus amigos tinham que se vestir com a roupa dos pais: colocavam gravata, terno três vezes maior do que eles e fita isolante na lateral para parecer smoking”.

Considerados “um marco e um máximo”, como a própria Malu aponta, os bailes exigiam um vestuário à altura. Em seu caso, era sua própria mãe, estilista de noivas, a responsável por garantir que seus vestidos estivessem bonitos o suficiente. Afinal, “tinha que ser de primeira qualidade”.

E falando em criteriosidade, a petropolitana logo recorda a figura do funcionário do clube, “Pedro Mão de Onça”, temido pelos casais apaixonados. “Ele tinha uma mão enorme, daí o apelido. O Mão de Onça separava os casais quando dançavam muito juntos, então beijar era só escondido. Ele nos obrigava a se virar nos 30”.

Outra pessoa que também se lembra de ter desafiado o perigo é a aposentada Agar Stellita Vieira, de 65 anos. No caso dela, o grande obstáculo era a figura do pai. E ai dela se ele descobrisse suas aventuras. Veranista, Agar passava as férias na cidade, junto da prima e das amigas, e afirma: “era aquele ouriço para ver o que faríamos”.

“Montávamos uma fantasia para cada dia: havaiana, melindrosa. Era muito chique e os convites eram dados, então era quase que briga de cego em tiroteio. Petrópolis me deu grandes coisas: o primeiro namorado, o primeiro beijo. Eu com 11 anos e ele com 13. Éramos muito novos e se papai soubesse, me arrancava a língua!”.

Tendo sido filha única por pouco mais de dez anos, Agar não hesita em dizer que “havia uma vigilância canina” a sua volta, mas que isso não a impedia de se divertir. “O menino foi fantasiado de carrasco, usando capuz, assim ninguém sabia dizer quem era. Com outros amigos vestidos assim, acabávamos os reconhecendo pela voz. Era muito gostoso”.

Da folia para a vida

Há histórias que resistem ao tempo e aos carnavais. E quando existe folia envolvida, há grandes chances de que elas impliquem em algumas risadas pelo caminho. No caso do Otorrinolaringologista Wagner Fragoso, de 58 anos, foram elas que deram o ar da graça aos seus bailes no Petrô, descritos por ele como “uns dos mais bonitos do Estado do Rio”.

“Minha irmã começava a fazer os vestidos com seis meses de antecedência. No baile do Havaí eu mesmo comprei até camisa importada para poder ir. Teve um colega meu que gastou uma grana danada para ir no Preto e Branco, comprou um terno, smoking, só que errou a data e foi no do Havaí. Não sei o que deu nele, mas ficou pela festa mesmo”.

Divertidas, as histórias retidas por Wagner reconstroem dias de um Carnaval que excedia as expectativas dos foliões. “Uma vez vi um rapaz que acredito que tenha bebido um pouquinho além da conta porque ele saiu do clube e decidiu nadar no rio. Ele achou aquilo maravilhoso e não queria parar. Só conseguimos retirá-lo em frente ao prédio da Prefeitura”.

Para Arnaldo Rippel, presidente do Petropolitano Foot-Ball Clube e sócio desde que se entende por gente, o espírito carnavalesco é tão intrínseco ao “Petrô”, que nem mesmo os tenistas eram capazes de escapar dos festejos. Como ele mesmo explica, o chamado tênis à fantasia levava a festa às quadras.

Arnaldo Rippel, o primeiro da direita para a esquerda, usando a premiada fantasia de latinha de cerveja. Foto: Arquivo pessoal Arnaldo Rippel

“No torneio, todo mundo jogava fantasiado e, dentro da quadra, ficava uma bandinha tocando, junto de caixas de cerveja e batidas de limão. Também havia premiação para as melhores fantasias. Ganhei várias vezes por originalidade. Uma vez como latinha de cerveja. O bonezinho era verde, como se fosse a tampinha”.

Tradição na cidade, os bailes e matinês do Petropolitano percorrem gerações. “Minha mãe sempre foi muito foliona. Acho que herdei isso dela. Eu nasci em abril e, em fevereiro, ainda grávida de mim, ela foi na matinê. Já são quase 70 anos das matinês, que começaram em 1946, e 41 anos do Preto e Branco, que foi o primeiro baile de cores de clube do Brasil”.

Se os jardins do Clube Petropolitano falassem, fariam questão de dizer que, onde preto e branco nunca saem de moda, o espírito folião e brincalhão de seus sócios, também não.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 03/03/2019)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

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