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Cantina Bom Giovanni: entre pinturas e travessuras

Garantia de prisma privilegiado dos carnavais e desfiles da Avenida, a Cantina Bom Giovanni também colocava o cliente frente a frente com a arte. Quem se lembra de suas emblemáticas pinturas nas paredes?

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Munido de tratamento e acolhimento diferenciados, o ambiente proporcionava ao cliente as vantagens de um camarote. Garantia de prisma privilegiado dos carnavais e desfiles da Avenida, era a Cantina Bom Giovanni a também responsável por colocar o cliente frente a frente com a arte, fosse a partir das pinturas ou das travessuras que abrigava.

Fotos: Reprodução Internet – Bruno Avellar

Situado numa sobreloja, o espaço estava em outro patamar de localização e aprovação dos clientes. Ocupado por grupos cuja afinidade ia além das massas, ainda que a estrutura se caracterizasse como camarote, o valor a se pagar para na cantina estar fugia à regra. Justo, garantia casa lotada e clientela para lá de satisfeita.

Familiar, o ambiente comprovava a ideia de que ‘você atrai aquilo que transmite’. Afinal, não foram poucas as famílias que elegeram a Bom Giovanni como ambiente de reuniões e comemorações. Fosse para um almoço, um jantar ou um rodízio de pizzas, era lá, por exemplo, que a comerciante Priscila Cunha, de 37 anos, se reunia com os tios e primos.

“Eu nasci e cresci naquela cantina. Amava o frango à cubana de lá. Nem meu avô fazia um tão bom. E tinha um detalhe: eu sempre escolhia as mesas que davam para a janela. Adorava ver o movimento do Centro lá de cima. Carnaval e Sete de Setembro era lei a gente ir para a cantina”.

Ainda que aberta a cortina e acesos os holofotes, o espetáculo só se dava por começado depois que o pãozinho assado na casa era servido. Satisfeito o desejo de desfrutar de sua crocância e da cremosidade da manteiga, aí sim o público partia para a atração principal. Para Priscila, não tinha jeito. Era como se somente o frango à cubana estivesse em cartaz.

“No dia em que fiquei noiva saímos para comer o bendito frango na Bom Giovanni. E fui eu que fiz o pedido! No meio do jantar peguei a aliança e o Valdimar aceitou. Foi tudo em silêncio. E o medo de ouvir um não? Estamos juntos há 17 anos e hoje temos nossa própria espetaria”.

Dependendo da programação e do quão concorridos eram os lugares junto às janelas, o público também tinha a possibilidade de admirar as pinturas que das paredes faziam janelas para novos mundos. Para Ricardo Soares de Mello, de 53 anos, a comida era boa, mas nada se comparava ao abraçar as possibilidades ofertadas pelos desenhos.

“Eu não conhecia a Europa nem nada, só ouvia falar pelos livros e aquilo me impressionava. Tinha a Ponte de Rialto, em Veneza, e o Vesúvio, com fumaça saindo dele. Dava vontade de você conhecer aqueles lugares. Trabalhei com consultoria e viajei bastante, mas na Itália ainda não estive. Ainda vou!”.

Ímã de amizades

Da série de nomes que só se ouve falar, mas que nem sempre se tem o prazer de conhecer, foi Giovanni o fundador da Cantina Italiana, na Paulo Barbosa, e, mais tarde, da referida cantina. E ainda que tenha sido ele o criador do espetáculo, dois anos depois de estrear a produção ficou por conta da família Lopes.

É o que explica o aposentado Ramon Lopes Antelo, de 58 anos. Se em 1975 a Bom Giovanni era inaugurada, dois anos depois sua mãe, Nilce, seu irmão, Marcos, e seu tio, Sylvio, assumiam a direção do show. E como toda produção requer organização, não teve jeito, cada membro da família assumiu uma função dentro da apresentação.

Sylvio ao lado da filha Teresa. Foto: arquivo pessoal Heleno Lopes

Irmão, ainda, de Ary, Alexandre e Fernando, Ramon conta que, juntos, mas cada um em sua referida posição, eles faziam a produção acontecer. E que baita produção! Com fregueses que subiam a Serra especialmente pela pizza da Bom Giovanni, a cantina era a casa comercial que mais tarde fechava no fim de semana.

“Foi o único de Petrópolis que teve a honra de abrigar os encerramentos de final de ano do coral da UCP. Ah, e outra coisa, foi também a primeira casa a implementar pedidos de pizza pela internet. Em 1998 fiz contato com a Compuland e eles desenvolveram uma página na internet via linha telefônica”.

Fantástico, o sistema transmitia à cantina, via fax, os pedidos que eram feitos na página da pizzaria. Autêntico, o estilo da casa não se restringia à produção, mas ao que dela saía, como os tradicionais cremes de palmito e cebola, e o exclusivo filé mignon Bom Giovanni, ainda que, bom mesmo, para seu primo, Heleno Teixeira Lopes, fosse o estrogonofe.

Filho de Sylvio Teixeira Gomes e Maria de Lourdes, Heleno relembra os tempos em que a Rua do Imperador era parque de diversões. Com dois salões à disposição dos fregueses, era na cantina que, depois de irem ao cinema ou de sair do trabalho, as turmas faziam a ‘dobradinha’.

Registro do até hoje lembrado amigo oculto. Foto: arquivo pessoal Heleno Lopes

“Os amigos ocultos da Rua Teresa eram todos lá. Eu olhava aquilo e achava divertidíssimo. Eram altas brincadeiras. Aliás, na minha época de colégio levei minha turma lá e me inspirei num dos que eu tinha visto. Dei um perfume, mas o coloquei numa caixa de aparelho de jantar e em várias outras caixas, pra demorar a chegar nele. Até hoje a gente lembra disso”.

Tendo colaborado com a cantina por 10 anos, Heleno lembra das particularidades da cantina que somente quem nela viveu saberia apontar. Eram elas as mesas de números 34, a mesa cativa da família; e a 13, que simplesmente não existia por conta da superstição de seu pai, o senhor Sylvio, com o número.

E assim como, num pulo, a mesa 12 ia para a 14, foi num piscar de olhos que a trajetória do senhor Joaquim César de Oliveira Pacheco, de 53 anos, se fez na cantina. Mineiro, se juntou ao irmão, Antônio, como funcionário da casa. Começou como ajudante de cozinha, se tornou garçom e lá ficou por mais de 20 anos.

“Aprendi muita coisa lá, inclusive sou pizzaiolo graças a eles. Fazíamos pizza das cinco da tarde até meia noite”. Junto a outros garçons como Nilson – 0 China e o espanhol Américo, do camarote da Bom Giovanni o público via e interagia com o espetáculo que se fazia entre pinturas e travessuras.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 06/10/2019)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

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