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Bebidas Cascata: sinônimo de infância e saudade

O empreendimento, que encerrou as atividades na década de 80, teve início em Cascatinha, em 1903, com a produção de cerveja clara e escura

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O sorriso é sincero e traduz a felicidade de quem, ao evocar sabores e aromas, evoca também histórias. Talvez com um pouco de esforço aqueles na faixa dos 50 ainda consigam sentir o gostinho que os remete à simplicidade da infância, época em que um Guaraná ou Soda Cascata era a garantia de um dia bem vivido.

Fotos: Arquivo Pessoal Cristina Móra – Alexandre Carius

Dizem que, diferente dos livros, não podemos voltar à melhor parte de nossas histórias, mas isso não parece se aplicar a Henry Moura Lippi, de 58 anos. Os detalhes de quando era apenas um garoto permanecem tão vivos quanto seu entusiasmo pelo Guaraná Cascata, cujo slogan o descrevia como o ‘melhor, mais puro e mais gostoso’.

“Aos sábados eu jogava futebol em um campo na Rua Barão do Rio Branco. Ao sair dali, voltava para casa e parava na padaria do Português, na Rua 13 de Maio. Quando éramos mais de três, eu e meus amigos comprávamos a garrafa de vidro escuro do Guaraná Cascata e bebíamos sentados no meio fio da rua”, relembra.

Henry diz que tamanha era a paixão pela bebida que, sempre que possível, aproveitava para visitar a fábrica com os colegas.

“Passávamos em frente à fábrica, que tinha um cheiro muito bom, entrávamos pelo portão, que estava sempre aberto, e ficávamos vendo o fabrico. No processo de fechamento, para colocar a tampinha, às vezes o gargalo da garrafa quebrava e nós ganhávamos para beber com cuidado. Tínhamos que beber no local, então a técnica era tirar a camiseta, colocar no gargalo, que servia de filtro para os cacos, e colocar na caneca de alumínio”, descreve ele uma de suas aventuras.

Rua Washington Luiz, número 455. Foi naquele endereço que por mais de 30 anos a alegria de muita gente era engarrafada. Cristina Móra, de 58 anos, é bisneta do fundador da Cascata, Luigi Móra, e conta que a trajetória do empreendimento teve início em Cascatinha, em 1903, com a produção de cerveja clara e escura.

Foto: Arquivo Pessoal Cristina Móra

“De lá começou a crescer e veio para a Washington Luiz, em 1946. Nesse local há muita água potável, o que era algo necessário para a época. Ele fez uma piscina natural que ia direto para a fábrica. Também era feita a produção de gelo, barras enormes que eram distribuídas em restaurantes da Região Serrana”.

Apesar de grande parte dos petropolitanos se lembrar, principalmente, do Guaraná e da Soda Cascata e, inclusive, debater sobre qual era o melhor, Cristina dá detalhes sobre outros produtos cobiçados da casa.

“Quem já vinha trabalhando desde pequeno com o Luigi era o meu avô Ítalo Móra, químico responsável tanto pelas fórmulas do Guaraná, quanto da Soda, cerveja e licores. Também eram vendidas a groselha, águas gasosas, xaropes, Cuba Libre e hi-fi. Na década de 60 foram lançados a Cola-Móra e o Crik, de laranja, em garrafinhas especiais com o símbolo da fábrica. Aliás, a Cascata lançou o primeiro Guaraná Caçula no Brasil em garrafa pequena”.

Fotos: Arquivo pessoal Cristina Móra

Assim como Henry, quem também adorava passar as tardes acompanhando de perto a linha de produção era o irmão de Cristina, o advogado Ítalo Móra, de 55 anos.

“Quando eu tinha 13 anos ia pra lá ajudar meu avô e meus tios no trabalho. Não trabalhava de verdade, mas ficava lá o dia inteiro, curioso. O interior da fábrica era bem grande. Tinha a parte do laboratório e, logo embaixo, ficavam as máquinas que enchiam as garrafas, faziam a rotulação e colocavam as tampinhas. Eu gostava muito de ir lá. Foi uma época boa”.

Ítalo diz se lembrar, ainda, dos caminhões que faziam entregas de mercadorias no prédio da fábrica. “Me lembro que vinham caminhões e caminhões da fruta do guaraná. Essências eram muito pouco usadas. Era quase tudo natural mesmo. A fábrica tinha um cheirinho gostoso. Lá eram produzidas outras bebidas como o licor de cacau, o conhaque de mel e a cachaça”, aponta ele.

O vai-e-vem de fornecedores e clientes era intenso. Carros se alinhavam na porta do estabelecimento diariamente e, entre eles, Ronaldo de Paula. Aos 74 anos ele fala sobre a época em que revendia as mercadorias no comércio.

“A fábrica Cascata começou aqui no Cascatinha. Meu pai teve um bar pertinho de onde ela ficava, por volta de 1945, e depois teve um armazém. Nós vendíamos todos os produtos Móra e também consumíamos em casa. Aquela cerveja Cascata Preta era uma delícia. Meu pai levava pra casa e ficávamos juntos bebendo. A Soda era um dos produtos mais gostosos, era fantástica”.

E não só o gosto dos produtos Cascata ficou na memória dos petropolitanos, como a própria sensação de realização pessoal que era comprar sua bebida preferida. Nazira Calda, de 69 anos, é exemplo disso.

“Eu trabalhava na Casa do Alemão e consegui comprar, aos meus 15 anos, uma caixa, naquela época de madeira, com 24 garrafinhas de Guaraná Cascata. Me senti poderosa. Fiquei toda boba, me achando. Fiz pipoca, cachorro-quente. O bolinho ficou por conta dos meus patrões. Nesse dia meu namorado foi lá em casa pela primeira vez”, diz rindo.

A Cascata foi desativada na década de 80, mas as lembranças sobre ela permanecem mais vivas do que nunca. Elas arrancam sorrisos e invadem o coração delas, eternas crianças cujas caixinhas de recordações são reabertas sempre que a simplicidade e o gosto de suas infâncias vêm à tona.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 24/06/2018)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

4 Comments

  1. Meu avô Carneiro tinha uma vendinha em casa no Valparaíso, nas férias sempre passávamos lá na casa dele, das muitas artes que fazíamos a mais gostosa era “furtar” algumas garrafas de guaraná e soda Cascata, a gente bebia quente mesmo, escondido no quintal. Bons tempos…

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