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Sapataria Moderna: onde clássico e moderno andavam lado a lado

A partir da confecção de calçados ortopédicos foi montada uma oficina de calçados e consertos que, mais tarde, viria a se tornar a Moderna

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As ambições eram mutáveis, mas unidas por um respeito inabalável pelo fabricar e consertar de calçados. Inerente à família Borzino, o amor pela profissão era certo de perdurar. Dentro da Sapataria Moderna, a dedicação de uma vida era a prova de que bom atendimento e qualidade nunca saem de linha.

Fotos: Arquivo pessoal Suely Borzino – Bruno Avellar, em fevereiro de 2019

A fórmula era impassível de erro. E para a família da aposentada Sandra Luzia Ferreira Reis, a sapataria era a primeira em novidades. Isso porque sua mãe ainda lhe conta a história de quando as Havaianas chegaram ao mercado.

“Minha mãe conta que nos anos 60 minha família ia numa excursão para o Rio e meu pai, que trabalhava no Quitandinha e sempre sabia das novidades, pediu para minha mãe correr para comprar as sandálias Havaianas para todos usarem no passeio. Como era lançamento na cidade, só tinha na Sapataria Moderna”.

E não é que as sandálias de borracha fizeram o maior sucesso na viagem? Carminda de Lima Reis, de 94 anos, mãe de Sandra, vive para contar a história e afirma: “vendeu tudo. Não sobrou uma, então foi todo mundo de sandália igual. Quase todo mundo tinha problemas nos pés”.

Se por um lado Carminda atravessou a porta da sapataria carregando os pares como se fossem troféus, a aposentada Eliana Hartmann, de 61 anos, não pode dizer o mesmo. Hoje motivo de riso, sua frustração de querer sapatos coloridos e, ao invés disso, ter de comprar os temidos vulcabrás para a escola era motivo suficiente para lhe fazer chorar.

“Início de ano era a oportunidade de ganhar um sapato novo. Meu sonho era um sapato baixinho, tipo boneca, de verniz, que amarrava na canela. Até hoje eu o usaria porque era muito bonito, mas não podia. Minha mãe e meu pai tinham que comprar um que durasse: o vulcabrás. Eu ficava muito mal humorada. Eu não queria experimentar, eu chorava”.

No caso de Eliana, havia um agravante: seu pé parou de crescer no 33, o que significava que, às vezes, mais de um ano se passava e ela continuava com o mesmo vulcabrás. “Os sapatos de sair a gente ganhava de primo; passava da minha irmã mais velha para mim, e como meu pé não crescia, eu herdava até da minha irmã mais nova”.

Uma herança valiosa

De valor incalculável, o patrimônio construído pela família Borzino tem como seu edificador o italiano Ângelo Borzino, que foi quem deu início à Sapataria Moderna. Os Borzino contam, inclusive, que as raízes da família se devem a ele e ao irmão, Battista. Enquanto que o primeiro calçou “gente”, o segundo calçou animais, chegando a fazer ferraduras para os cavalos de Dom Pedro.

O engenheiro Marco Antônio Borzino, de 67 anos, conta que foi unindo forças que, pouco a pouco, o império foi construído. A partir do avô, que confeccionava calçados ortopédicos, foi montada uma oficina de calçados e consertos que, depois, passou a contar com a ajuda de seu pai, José Pedro Borzino. Dali entraram na empreitada seu tio, Amadeu, seu irmão José Roberto e seu primo Paulo César.

“Meu avô confeccionava os calçados um a um com suas ferramentas, facas de corte de couro, agulhas, linhas e o famoso ferro de sapateiro. Acompanhei a sapataria desde os meus seis anos, e gostava de ir na oficina, que ficava na parte de trás da loja, ver os reparos serem feitos”.

Por trás do balcão: Amedeu Borzino (à esquerda), seguido de José Borzino (direita). Foto: Arquivo pessoal Suely Borzino

Tida como a vida da família, a sapataria lançava seu encanto aos colaboradores e clientes. Marco explica que houve funcionários com mais de 30 anos de casa e que, se não fosse pela engenharia, sua grande paixão, ele mesmo teria trabalhado lá de forma integral. Afinal, vez ou outra, o caçula dava um jeitinho de ajudar no negócio.

“Para meu pai e meu tio ali não era um trabalho, era uma vida. Eu gostava de ver como era o clima da loja. Era tudo muito respeitoso, amigável. Como o mais novo dos irmãos, eu entregava os sapatos para os atendentes, ajudava nos embrulhos ou anotava no caderninho as compras que os filhos faziam e que, depois, os pais passavam para pagar”.

O encanto era de enfeitiçar e cativar. Fosse para os clientes, ou para a família, não havia escapatória. O aposentado Luiz Eduardo Borzino, de 69 anos, irmão de Marco, é prova disso: trabalhou na loja por 10 anos, de 1966 a 1975. Segundo ele, foi graças à ela que aprendeu a lidar com os clientes e que foi motivado a se formar em administração.

“Tomei gosto pela coisa porque eu via que meu pai tinha o maior prazer em fazer o que ele fazia. Ele era muito simpático, educado e tinha toda a paciência do mundo. E apesar de ser filho do dono, nunca tive regalia. A primeira coisa que fiz quando fui para a loja foi limpar tudo, caixas, prateleiras, sapatos, e arrumar tudo por numeração e cor”.

A lição, de se dominar o que se tem e de conhecer o que se quer fazer, para depois o fazer bem, Luiz carrega para a vida. Afinal, foi nas épocas festivas, como o Natal, em que conhecer as mercadorias de cor e salteado era essencial. Naqueles dias, o movimento era tanto que o espaço sediava a ceia tanto dos funcionários, quanto dos Borzino.

“Por dez anos passei o Natal na loja. Quando fui para o Rio, depois de me formar na faculdade, ainda vinha para Petrópolis todo fim de semana e sempre ia para a loja. É algo muito forte. Minha ideia era que, quando eu me aposentasse, eu voltasse para a loja, mas, infelizmente, a loja acabou e meu sonho não se realizou. Sinto falta de tudo”.

Laços resistentes ao tempo

Uma das aguardadas remarcações da Moderna. Foto: Arquivo pessoal Suely Borzino

Algumas das emoções vividas na Moderna, nem mesmo o tempo é capaz de apagar. A comerciante Elizabeth Varejão, de 66 anos, relembra os dias de remarcação, em que os sapatos, sapatilhas e sandálias entravam em promoção; mais especificamente, das filas que tomavam conta da rua.

“Acho que Petrópolis vivia aquele momento, contava com aquilo. A liquidação da sapataria era muito esperada. Uma coisa bem fantástica e fora do comum. Quem comprava, na época, era minha mãe, e eu a acompanhava. Tinha que chegar cedo porque eles iam limitando a entrada. O primeiro dia era uma festa na cidade”.

Também em clima de festa foram as aquisições feitas pela artesã Vera Bauer, de 85 anos. Ela se orgulha em dizer que mandou fabricar com os irmãos Borzino, sob medida, seu sapato e bolsa para o casamento do filho.

“Ah, a minha sapataria! Existiam outras, mas ela era a melhor, do tempo em que Petrópolis era uma cidade elegante. Ainda tenho o conjunto que mandei fazer. E como ele fez sucesso!”.

A Sapataria Moderna seguia modas, mas, antes de qualquer coisa, as ditava de forma que nunca saísse de linha. Sua qualidade se mantinha em alta, assim como sua própria existência, que continua a ser lembrada e contada com o mesmo carinho e atenção de quem lá era atendido.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 17/02/2019)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

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