Foto: Arquivo pessoal Francisco Daudt
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Salão Paris: miragem ou realidade?

Nem mesmo os ex-presidentes João Figueiredo e Juscelino Kubitschek resistiram à tradição mantida entre aquelas quatro paredes do salão

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Os espelhos deixavam transparecer a certeza que o magnificente ambiente fazia inflar. Dentro do Salão Paris, os pontos do relógio moviam-se para trás e faziam dos visitantes, inquestionáveis viajantes. Porta para um novo mundo, o salão fazia propagar, com tanta naturalidade quanto o vapor que aquecia as toalhas, nostalgia por dias não vividos.

“Foi uma espécie de vislumbre de um universo novo e diferente do meu”. Para o psicanalista Francisco Daudt, de 71 anos, conhecer o salão foi um divisor de águas. Suntuoso, como ele mesmo descreve, o ambiente chamava atenção. Fosse pelos barbeiros, personificações da elegância, ou pela decoração, o estabelecimento cativava.

Fotos: Reprodução Internet – Bruno Avellar

“Nos anos 50, a decoração mourisca já havia mudado, mas o salão, construído para atender os nobres veranistas da época, continuava esplêndido. O visitei com um amigo e fiquei de queixo caído com os amplos espelhos, a iluminação elegante amarelada, e o que mais me impressionou: o aquecedor-umidificador de toalhas cromado”.

Se imóveis já causavam fascínio, quando estavam em ação, os utensílios eram um espetáculo à parte. Segundo Francisco, observar o ritual dos barbeiros era “uma experiência de luxo”. E ele vai além: “era como se você estivesse em Paris, na Belle Époque. O nome do lugar já dizia”.

Com cerca de 15 anos à época, o rapaz cresceu com os detalhes daquele dia, vivos na memória. E ainda mais marcante foi sua surpresa quando, dez anos depois, se deparou com o salão num novo endereço, reduzido, mas ainda regido pelas tradicionais cadeiras estofadas de couro, feitas na Filadélfia, no século XIX.

“Três delas não cabiam no novo espaço, então perguntei se eles estariam dispostos a vender. Certeza de que eu queria a cadeira eu tinha, o que eu não sabia era se minha esposa gostaria. De fato, ela não gostou nem um pouco, mas bati o pé porque aquilo fazia parte da minha infância. O fato é que a mulher foi embora e a cadeira ficou”.

Objeto de decoração para Francisco há 42 anos, o item já “faz parte do espírito da casa”. Localizado próximo à escada da residência, praticamente simboliza as idas e vindas da vida e suas muitas surpresas. Quantas histórias e personalidades já não passaram por ela? Confundida com uma cadeira de dentista por alguns, não demora a se tornar o xodózinho de quem a conhece a fundo.

Foto: Arquivo pessoal Francisco Daudt

Classe, do barbeiro ao cliente

Foto: Arquivo Histórico Biblioteca Municipal

Uma vez no ambiente, o retorno era garantido. O publicitário e antiquário Cláudio Castro, de 53 anos, aponta gerações de sua família que foram marcadas pelos funcionários e pela qualidade do salão. “Fiz meu primeiro corte de cabelo lá. Antes de mim, meu avô e bisavô já iam no Paris. Mantive o mesmo corte por cerca de dez anos”.

Cláudio faz questão de ressaltar a figura de um dos funcionários, que até cadeira cativa de atendimento tinha. “A pessoa mais influente lá dentro era o ‘seu Mello’. Ele era totalmente careca e tinha pinta de grand seigneur, um grande senhor. A cada 15 dias, vovô cortava o cabelo com ele”.

Tão tradicionais quanto o atendimento, eram os ‘uniformes’ e as inesquecíveis toalhas do Salão Paris. O cabeleireiro Edmundo da Motta, de 63 anos, se orgulha em dizer que contribuiu com a história do local. Ele conta que nem mesmo os ex-presidentes João Figueiredo e Juscelino Kubitschek resistiram à tradição mantida entre quatro paredes.

“No Salão Paris se trabalhava de terno de tergal, gravata borboleta, jaleco e sapato engraxadinho. Eles tinham uma estufa de esterilização, onde colocavam as toalhas para aquecê-las, então na hora de fazer a barba do cliente, os poros eram amolecidos”.

Da Avenida XV de Novembro, número 832, à galeria do Edifício Esperanto, o Salão Paris teve como último proprietário o senhor Nilton Dias de Oliveira. Sua filha, Maria da Aparecida Oliveira Rodrigues, de 71 anos, relembra os 46 anos em que seu pai ajudou a escrever a história do estabelecimento e os 20 em que trabalhou com ele.

“Meu pai comprou o salão por volta de 1969. Ele era muito requisitado no salão porque só fazia barba com navalha: colocava as compressas quentes para a barba ficar lisinha e demorar a crescer. Meu maior orgulho é ter o pai que eu tive. Veio de Paraíba do Sul, chegou aqui e manteve o salão”.

Nostálgicos, os ex-frequentadores do Salão Paris se sentem conectados tanto aos devaneios de um passado distante; quanto ao que, de fato, foi vivido e armazenado de forma carinhosa, saudosa e valiosa.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 16/12/2018)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

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