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No lugar das escadas, o relógio das flores: conheça a história do prédio ocupado pela UCP

A construção foi sede de dois hotéis, o Hotel Orleans e o Palace Hotel, e de incontáveis histórias

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Analisar o passado de um edifício através de sua arquitetura é uma missão destinada àqueles cuja curiosidade é aguçada pelo mistério. Como peças de um quebra-cabeça, os detalhes de um prédio traduzem a lógica cultural de determinada época. Na Rua Barão do Amazonas, percebe-se que a imponente construção onde funciona a Universidade Católica de Petrópolis resguarda traços do tempo em que foi ocupada por dois dos mais luxuosos hotéis que a cidade conheceu: Hotel Orleans e Palace Hotel.

Fotos: Museu Imperial/Ibram/MinC – Bruno Avellar

Por volta de 1872 a Cidade Imperial vivia um momento de grandes transformações urbanísticas. Capital de verão do país, Petrópolis estava prestes a receber o início das obras que trariam para cá os trens de ferro e se via diante da necessidade de investir em acomodações. Fruto disso foi o Hotel Orleans, pertencente ao empresário Antônio Pereira Campos, também dono do Hotel Bragança.

O estabelecimento teve suas portas abertas ao público em janeiro de 1883, mas já antes da inauguração os veículos da época tinham sua atenção voltada para ele. ‘O Sr. Pereira Campos prepara com luxuoso estilo um esplêndido palacete com setenta quartos espaçosos e outros cômodos apropriados para famílias’, noticiou ‘O Mercantil’ em dezembro do ano anterior.

De acordo com o professor Jeronymo Ferreira Alves Netto, o sucesso do empreendimento foi imediato. “O hotel logo se destacou pelo conforto que proporcionava aos seus hóspedes, pessoas de grande destaque da sociedade brasileira como o desembargador Avelino Gavião Peixoto e a condessa de Barral, preceptora da princesa Isabel”.

Fotos: Museu Imperial/Ibram/MinC – Bruno Avellar

O hotel foi descrito nos guias da cidade como ‘um belo edifício de majestosas proporções’ que possuía, além das comodidades hoteleiras, banhos de ducha e de cachoeira, passeios pela floresta que ficava localizada atrás do prédio, além de uma rede telefônica. Nele eram realizados concertos, bailes, festas e reuniões sociais. Na praça fronteira, atual Praça da Liberdade, eram realizadas batalhas de flores para angariar fundos para a emancipação dos escravos.

Com a queda da monarquia, o Hotel Orleans entrou em declínio e, de acordo com o professor Jeronymo, é como se o prédio estivesse fadado à ocupação educacional desde o começo. ‘Em 1893 a Secretaria de Fazenda do Governo se instala no espaço por conta da Revolta da Armada, mas com o retorno da Capital do Estado para Niterói em 1903, passa a abrigar a Escola Normal Livre de Petrópolis e, posteriormente, o Ginásio de Petrópolis’.

Antes de ser adquirida pelas Faculdades Católicas Petropolitanas em 1956, a construção é antes comprada por Vitório Falcone, que lá inaugura o Palace Hotel. ‘Alguns pontos importantes sobre o hotel são a obra complementar anexa que foi realizada no lado direito de quem chega em 1937 para abrigar um cassino; e o fato de que acredita-se que Santos Dumont, ao construir sua casa, ‘a Encantada’, não instalou nela uma cozinha justamente porque fazia suas refeições no hotel, que ficava do outro lado da rua’, revela o professor.

A evolução da arquitetura ao longo dos anos

Ao longo de mais de um século de existência, diferentes usos e proprietários, é inegável que o prédio hoje ocupado pela Universidade Católica de Petrópolis tenha sofrido alterações. Uma delas foi a inauguração do relógio das flores no local onde antes havia uma escada. De acordo com Jeronymo, a inauguração aconteceu no dia 7 de setembro de 1972, como marco comemorativo do sesquicentenário da Independência do Brasil, às 16 horas, considerada a hora histórica da Independência. A iniciativa partiu da Secretaria de Serviços Públicos da Prefeitura.

A coordenadora e professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da instituição, Erika Machado, aponta que as principais mudanças ocorridas ao longo dos anos foram externas.

‘Pelas fotos antigas a que tivemos acesso e com o que ainda temos hoje na instituição, percebemos principalmente alterações externas. O imóvel passou por mudanças de fachada, substituindo as características mais marcantes do estilo eclético por uma composição de estilo neoclássico. Aparentemente também foram realizadas intervenções de reforço estrutural; supressão de escadas externas e das varandas em ferro fundido tanto das laterais quanto da frente no segundo pavimento, voltada para o que é atualmente o auditório 1’, diz Erika.

A coordenadora explica que, principalmente na época do Palace Hotel, o prédio assumiu um estilo eclético marcante, ou seja, que aborda diferentes estilos arquitetônicos na criação de uma nova linguagem, semelhante à Ágência Central dos Correios. Já quando a fachada é alterada para o que se vê hoje, adota o estilo neoclássico. Segundo ela, os movimentos ‘neo’ eram construções que remetiam ao antigo, com influências principalmente da arquitetura greco-romana, mas a partir de novas tecnologias na virada do século XIX para o XX.

‘Em linhas cronológicas os movimentos ‘neo’ estão dentro do grande movimento eclético, mas no Brasil a tendência é que o neoclássico aconteça antes e o eclético depois. Por exemplo, o Museu Imperial, a Casa da Princesa Isabel e Palácio de Grão Pará são claramente neoclássicos. E aí os prédios que vieram depois como o conjunto remanescente da Rua do Imperador e o prédio dos Correios são ecléticos. A cidade cresceu eclética então é como se o prédio hoje ocupado pela UCP tivesse ‘voltado’ no tempo. Provavelmente porque, em uma análise arquitetônica, o estilo neoclássico remetia a usos institucionais’, explica a professora.

Segundo Erika, o espaço que abrigava o cassino na época do Palace Hotel é hoje a biblioteca da instituição. Analisando registros antigos, ela também identificou que, na fase do Hotel Orleans, havia um extenso gramado com o nome do hotel escrito em vegetação no terreno aclive que fica atrás do prédio.

Fotos: Museu Imperial/Ibram/MinC

‘Algo que eu sempre falo com os meus alunos é que os prédios se comunicam conosco. Quanto mais atenção nós prestamos, mais indícios encontramos; vãos e marcas na parede que indicam locais em que antes havia portas; pistas que nos auxiliam a entender se o ambiente foi ou não projetado da maneira como vemos’.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 22/04/2018)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

3 Comments

  1. Excelente matéria. É realmente encantador entrar hoje em dia no prédio da UCP e imaginar todo esse contexto histórico. Muito interessante… adorei!

    • Boa noite, Natália! Fiquei muito feliz em ler seu comentário. Saber que fui capaz de te remeter àqueles tempos por meio de minhas palavras não tem preço!

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