Quando os termômetros despencavam, era a um chalé localizado no coração da cidade que muitos recorriam. A melodia do piano se fundia ao calor emanado pela lareira e ao sabor inigualável dos pratos que eram servidos. Na antiga Rua João Pessoa, o restaurante Bauernstube conduzia seus clientes a viagens regidas por sabores, harmonias e emoções.
O estabelecimento era distinto. O aposentado Alexandre Almeida, de 59 anos, conta que suas idas ao restaurante eram verdadeiros investimentos, mas que, no fim das contas, valia cada centavo.
“Eu juntava dinheiro o mês todo para levar minha namorada para jantar lá. Não tenho dúvida de que o Bauernstube foi palco importante para nosso relacionamento. Entre namoro e casamento, eu e Tânia estamos juntos há 45 anos. Ali muitas declarações de amor aconteceram, regadas a vinho e coelho à caçadora”.
Ah, o coelho à caçadora. Especialidade da casa, a iguaria não saiu da boca dos clientes, literalmente. A professora Sheila Guerra Peixe diz que nunca se esqueceu do gostinho do prato. “Eu tenho o paladar do fantástico coelho à caçadora até hoje. Nunca mais comi um igual. Na verdade, nem peço”.
Nascido em Petrópolis e morador de Niterói, Alexandre conta que, além do coelho que, segundo ele era “um manjar dos Deuses para se comer ajoelhado”, um outro fator que o motivava a pegar a estrada e vir a Petrópolis eram os pianistas que tocavam no Bauernstube, em especial o Oceano ‘Coruba’ Menezes.
“O Coruba foi meu professor de geografia no Cenip. Nas horas vagas tocava piano em restaurantes e casamentos. Uma vez fomos jantar lá, a energia elétrica caiu e o Coruba continuou tocando piano, mesmo sem enxergar o teclado. Eu achei aquilo fantástico e puxei uma salva de palmas, só que ninguém me acompanhou. Quando a luz voltou estavam todos olhando pra mim. Foi um mico enorme que eu paguei, mas por uma boa causa”, relembra rindo.
No jornal Tribuna da Imprensa, de 1973, Coruba foi descrito como ‘o cara que sabia das coisas em se falando de teclados’. O pianista se apresentava nas noites de sexta e sábado, e nos almoços de domingo, sem couvert artístico. Não era preciso ir longe para encontrar um admirador.
Sheila, que há muitos anos mora no prédio em frente ao antigo restaurante, revela que não eram poucas as vezes em que atravessava a rua para comer alguma coisa e se deliciar com a música do Bauernstube.
“Janela aberta e eu ouvia o piano do Kolling, Móra ou Coruba. Eu escutava as músicas daqui de casa e convidava meu marido a ir lá comigo. Às vezes um frio terrível, mas a gente ia de qualquer forma porque tinha, inclusive, lareira funcionando lá. Era uma delícia. Saudades de um belo tempo”.
Em nota publicada no Jornal do Brasil de 1969, o Bauernstube era descrito como um restaurante tipicamente alemão que servia sopa de lentilhas com salsicha, gulasch húngaro, e os rollmops (sardinha curtida no vinagre) com salada russa.
Como explica Andréa Diego, filha do senhor Jésus Diego Nunes, sócio que ficou a frente do negócio de 1969 a 2002, ao lado de Benito Pereira Castro, apesar da especialidade alemã, também eram servidos outros pratos internacionais.
“Havia pratos franceses e suíços, por exemplo. O movimento maior era no inverno, época em que eles serviam fondue. Vinham muitos artistas e personalidades. Ainda hoje tem gente que fala sobre o restaurante comigo no Rio”.
Tendo crescido naquele chalé, Andréa guarda tesouros como camisetas, chaveiros, canetas e canecas com a logomarca do restaurante estampada. Além dos itens, restam as memórias de quando brincava de pique-esconde na adega ou das deliciosas batatinhas prussianas.
“Eu, minha irmã e os dois filhos do senhor Benito ficávamos lá. Tinha uma saladeira de frutas que era arrumada todos os dias. Desde o começo, até fechar o restaurante. Lembro também de buscar os struddels de maçã que eram feitos por um senhor alemão”.
E como falar sobre o Bauernstube sem citar o tradicional struddel de maçã? Ele fazia a alegria dos frequentadores. No caso do professor Ernani Abad, de 79 anos, o simples ato de estar no restaurante já era motivo de felicidade. Cliente assíduo, ele estava presente, inclusive, em sua inauguração.
“Foi uma inauguração muito boa e festiva, como sempre foi tudo lá. Trabalho aqui em Petrópolis há mais de 50 anos, conhecia o Jésus e fui convidado. Presidi uma associação de legistas e sempre levava os visitantes para almoçarem e jantarem lá. Os temperos do Bauernstube levavam muita ameixa. A gente até comentava que esse gostinho era um sabor muito característico deles”.
O tapete vermelho, o ambiente intimista. Foi naquele cenário que por quase meio século emoções eram despertadas. Com alguns quilinhos a mais, um sorriso no rosto e, quem sabe um anel no dedo, antes que pudesse se perceber, boas histórias eram concebidas.
(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 08/07/2018)