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De volta à Pedra do Tigre: como uma pedra se tornou o point de verão da juventude petropolitana

Nem a Xuxa resistiu aos encantos da Pedra do Tigre!

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Nunca se ouviu falar em nenhum canto da sereia no poço do Pinheiral, no Bonfim, mas é fato que, desde que o tigre foi pintado numa de suas pedras, a área parece encantar quem passa pela região. Point de verão da juventude petropolitana entre os anos 80 e 90, é difícil quem, além de uma foto no local, não guarde também memórias das tardes desfrutadas na companhia do Bar do Tchê e, é claro, do famoso tigre que, há quase 40 anos, dá nome ao trecho.

Foi em novembro de 1985 que o desenhista e projetista petropolitano Álvaro Cestari, de 66 anos, teve a ideia de pintar uma das pedras do poço. Ciclista, ele conta que o insight aconteceu em um de seus passeios pela região. Numa parceria com Deus, como Álvaro mesmo descreve, veio a percepção de que a obra já havia sido esculpida e que só faltava quem acrescentasse tinta a ela.

Foto: Arquivo pessoal/Álvaro Cestari

“Minha ideia era pintar um beija-flor na pedra do meio. Depois olhei para a esquerda e pensei num elefante, mas quando virei para a direita eu vi que o gato já estava pronto. O formato do felino já estava ali, então eu só coloquei a tinta”, recorda Álvaro que, entre o estudo da pedra, a retirada do limo de sua superfície e a pintura propriamente dita, levou três meses para a conclusão daquela que se tornaria uma atração local.

Foto: Arquivo pessoal/Álvaro Cestari

Ocupado durante a semana, eram os sábados e domingos que lhe restavam para se dedicar à criação pela qual é reconhecido até hoje. “Eu sempre tive vontade de trabalhar em algo externo que marcasse, e o tigre virou uma marca. Tanto que mudou o nome do poço para Poço do Tigre. Em todos os lugares que eu vou, desde 1985, tem alguém que me pergunta se fui eu que pintei a pedra”, diz satisfeito.

E se, por um lado, o laço afetivo da cidade junto à pedra resiste ao tempo; por outro estão refletidos na tinta os efeitos do passar dos ponteiros. Tanto que, desde a inauguração da pedra, o tigre já foi “domado” por alguns artistas. Sob a manutenção do já falecido Netinho, nos anos 90, a obra também passou pelas mãos de Dunga Constantino, nos anos 2000, e, em 2020, foi renovada pelos amigos Leandro Lopes, Rafael Wallygator e André Vales.

Foto: Rafael Wallygator

Nascido e criado em Corrêas, o artista gráfico Rafael Frazão – conhecido no segmento como Wallygator – fala sobre a satisfação que foi poder se reaproximar de um elemento que, desde a infância, faz parte de seu imaginário. Frequentador do Bar do Tchê e do local, ele explica que, a exemplo de Álvaro, foi com o pincel na mão que contribuiu para a continuação de uma história que faz parte da trajetória dele e de tantos outros.

Fotos: Arquivo pessoal Rafael Wallygator. Na última imagem estão André Vales, Leandro Lopes, Rafael Frazão (Wallyagtor) e o Tchê.

“O tigre sempre foi um ponto turístico da região. Quando o nível da água sobe, as pessoas falam que ele está bebendo água. Escuto isso desde que eu era criança. Poder participar de algo tão simbólico e forte para mim me faz sentir realizado”, afirma Rafael, que comenta também sobre o fiel escudeiro do tigre: o Tchê. Gaúcho, ele habita o Bonfim há tanto tempo quanto habita as recordações dos petropolitanos sobre o poço.

Proprietário da antiga boate Aceso, em frente à ponte de Corrêas, a história que se conta é a de que, tendo adquirido o terreno do poço, Tchê (hoje temporariamente afastado das atividades do bar) levava os clientes que fechavam a casa noturna junto dele aos domingos de manhã para tomar banho de cachoeira na região. Sucesso entre o público, em determinado momento ele teria decidido encerrar as atividades da Aceso e manter apenas um bar, com alguns quartos para hospedagem, no Pinheiral.

Uma terra, de fato, prometida

Chegando a ser sede das gravações da faixa “Terra Prometida”, do Especial de Natal de 1989 da Xuxa, o poço do Tigre, no Bonfim, guarda, até hoje, o registro de Tchê junto da “Rainha dos Baixinhos”. Mas não é preciso ir longe para comprovar a importância do local no estímulo à realização de apresentações musicais capazes de unir a juventude da época. É o que recorda o músico petropolitano Valério Trucci, o “Vê”, de 44 anos.

Foto: Reprodução/Internet

Tendo participado do festival Pinheiral Fest, em meados dos anos 90, ele relembra uma “época linda e inesquecível” em que as melhores memórias eram feitas em meio à natureza. “Íamos para o Bonfim com um grupo muito grande de pessoas: 15, 20 amigos. Era um evento e tanto ir lá. A galera combinava de se encontrar dias antes na rodoviária porque não havia telefones celulares e nem redes sociais”, diz.

Ao som de Alma Reggae com Bira Rasta, Montana Blues e a banda de rock “Tumulto”, Vê relembra que fizeram parte do repertório do dia Black Sabbath, Ratos de Porão, Sepultura e Deep Purple. Numa estrutura bastante simples, em que os grupos se apresentaram no trecho ao lado do bar, além de porta de entrada para novos estilos, o evento representou as boas-vindas a, de fato, uma terra prometida, com cachoeiras, o poço do Tigre e o próprio Açu.

Registros do Pinheiral Fest. Na primeira foto, Vê é o que aparece com o microfone. Fotos: Arquivo pessoal Vê Trucci

O evento foi idealizado por um grupo de frequentadores do Bonfim: a Maria Lucia Corrales, o próprio Tchê e o Claudio, da famosa loja de discos e CDs Dead Zone. Muita gente que esteve lá na ocasião passou, depois a frequentar toda a região. Não só para curtir o bar, mas as cachoeiras e caminhadas que iam além do Tchê, chegando até ao Açu”, explica Vê.

Point do verão, é fato que, independente do número de vezes em que se tenha ido ao Poço do Tigre, os petropolitanos, inevitavelmente, guardam recordações do local: das tentativas de foto junto ao felino às porções de aipim com linguiça servidas no Bar do Tchê e conversas/lembranças que, tal qual a tradição de frequentar o poço, resistem à passagem do tempo.

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

3 Comments

  1. QUE BACANA – ME FEZ LEMBRAR A DECADA DE 90 ONDE TOQUEI LÁ COM MINHA BANDA NOS FESTIVAIS DE ROCK, PASSEI MUITAS TARDES E NOITES LÁ, MUITOS AMIGOS E MUITA CERVEJA. QUE TEMPOS! NUNCA MAIS VOLTAM…ÚNICOS. A JUVENTUDE DOS ANOS 80 E 90 FORAM REALMENTE DE OURO.

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