A princípio um disfarce, nos movimentos e sentimentos do artista, os traços viravam realce. Longe de acobertar defeitos, os retoques levavam novos enfoques à arte inacabada. Preservados e eternizados, os momentos no City Foto tinham na figura do senhor Clodomir o responsável por fazer valer o frescor do amor.
E por falar em amor, foi exatamente esse o ponto de partida para a inserção do senhor Clodomir Mussel Baitelli na fotografia. Se por um lado ele se apaixonou pela arte da profissão; por outro, seu amigo Olivera, então proprietário do City Foto, se apaixonou e foi em busca da amada, deixando a loja aos cuidados de Clodomir.
“Em 1949 o Olivera foi para Salvador atrás da mulher que havia conhecido e papai, que trabalhava no banco, assumiu a loja. Mesmo antes disso ele já se interessava pelo trabalho. Nós morávamos na Vila Macedo e, às vezes, antes de ir para casa, ele passava no Foto – que funcionava ali onde é o Edifício Profissional – para ver como se fazia tudo”.
Arrebatadora, a paixão pela câmera foi um caminho sem volta. É o que explica a petropolitana Sandra Baitelli, de 69 anos, filha do senhor Clodomir. Descrito por ela como alguém sério, correto e empreendedor, foi capaz de levar novos ares ao campo a partir, por exemplo, dos retoques feitos a lápis: sucesso nas fotografias 3×4.
Na imagem, Sandra Baitelli, filha do senhor Clodomir. Fotos: Arquivo pessoal Sandra Baitelli
“Quando surgiu o Photoshop eu costumava brincar e dizer que meu pai já o fazia há mais de 50 anos. Papai era muito habilidoso e montou uma caixa de madeira com uma lâmpada embutida para que ele pudesse inserir os negativos e retocar os defeitos. Fotos de documento costumam ser horríveis, mas as dele ficavam maravilhosas. Todos queriam”.
Extasiado pelas várias opções que a fotografia oferecia, Clodomir passou a brincar e inovar. Conhecido por trabalhar com jogos de luz, fazia sucesso entre as noivas já que, segundo Sandra, havia dias da fila reunir até 20 delas na rua para serem fotografadas por ele. Ela relembra, ainda, a época em que o City passou a oferecer imagens coloridas a mão.
“Papai as tirava em preto e branco, fazia uma revelação em sépia, e minha mãe, Léa Carneiro Baitelli, as coloria; passava a tinta no algodão enrolado no palito. Era um trabalho muito artístico mesmo, fruto de uma parceria muito grande entre eles. Levava horas e horas, mas ficava um negócio super diferente”.
Memorável pelas promoções que promovia, Sandra explica que não raras eram as vezes em que o cliente, a partir da compra de meia dúzia de postais, levava para casa, de cortesia, uma fotografia colorida. Também sucesso eram “as carinhas”, montagem feita a partir de sete retratos da criança, cada um com uma expressão diferente.
Revelado o filme da vida
Contagiante, a dedicação com que era conduzida a profissão foi também, pouco a pouco, transmitida e sentida por aqueles que compunham o quadro de funcionários do estúdio. Foi esse o caso da petropolitana Verginia Quintella Gurgel, de 75 anos. Contratada aos 13, ela relembra a década que passou na loja.
“Comecei a trabalhar lá novinha, então tanto ele, quanto a esposa, foram como família para mim. O senhor Clodomir gostava e se dedicava muito ao que ele fazia. Era muito serviço. Me lembro que em época de eleição as pessoas iam lá para fazer a foto do título de eleitor, então o estúdio ia até de madrugada”.
Cercado por ‘aprendizes’, o senhor Clodomir deixou sua marca por onde passou, fosse ela em registros fotográficos ou em valores adquiridos nos bastidores. É o que conta a também petropolitana e ex-funcionária Márcia Maria Teixeira, de 59 anos. Segundo ela, além de amizades, a rotina trouxe aprendizados.
“Eu adorava trabalhar nos retoques porque fazíamos verdadeiras obras de arte. Lidar com esses procedimentos minuciosos me fez aprender a observar os detalhes, a ser paciente e a ter esmero. Isso levo para a minha vida toda: o trato com as pessoas. Mais tarde o senhor Clodomir veio a ser meu padastro. Era uma pessoa que transmitia conhecimento”.
Também atento aos pormenores foi o comerciante e gráfico aposentado Carlos Montes, de 59 anos. Foi ele quem, através da Recol Carimbos, produziu lembrancinhas de aniversário para estúdios como o City Foto. Segundo ele, às quintas chegavam os retratos dos pequenos, pronto para serem decorados com dizeres em purpurina dourada.
“Quando entrei para a Recol, o City Foto já era tradicional, então dei continuidade a esse serviço de lembrancinhas que já era feito. E assim o fiz por 26 anos. Principalmente em época de Primeira Comunhão, houve dias de recebermos mais de 100 pacotes de fotografias”.
Retratos e agrados
Enquanto para uns, a fotografia impressa não passa de um fragmento do passado; para outros, é ela a evidência de pensamentos e sentimentos. Capaz de gravar e guardar o momento, como bem aponta a aposentada Marcia de Carvalho Guerra, de 58 anos, era o City Foto o destino garantido de quem ‘queria ter uma boa lembrança’.
“Tenho fotos do meu primeiro aniversário, primeira comunhão e do casamento dos meus pais. Me lembro que o estúdio não era muito grande, mas que se montava tudo ali dentro. Havia uma bancadinha aveludada para as fotos de Primeira Comunhão e, nas de casamento, uma cortina. Qualquer acontecimento era registrado na City Foto”.
Para o aposentado Luiz Carlos da Silva Machado, de 63 anos, ter a foto impressa da então namorada, a bioquímica Olga Lima Tavares Guerra, com quem está casado há 41 anos, era a confirmação do carinho envolvido na relação. Mais ainda, carregar o retrato era a certeza de que não estava sozinho.
“Na época, por incrível que pareça, eu trabalhava com uma pessoa que tinha um laboratório de fotografia, mas ainda assim eu optava pelo City Foto pela qualidade que eles ofereciam. É aquele negócio, existe uma relação de amizade e amor muito grande, e aquelas fotos ajudaram a reafirmar isso. Era uma maneira de você olhar e lembrar”.
Comprovação do que havia de melhor numa relação, os retratos do City Foto eram tratados como sagrados; fragmentos de sentimentos cujo frescor era o amor.
(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 09/06/2019)