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Casa Reis: onde as frutas e amizades reinaram

Tão chamativa quanto a aparência de dar água na boca da Casa Reis era o perfume característico da então Avenida XV de Novembro, 335

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Impregnado, o perfume exalado pelas frutas indicava o amadurecimento, ora das mercadorias, ora da freguesia que, nos expositores da Casa Reis, escolhia frutos revestidos por saudosas recordações. No lugar dos frascos, há muito consumidos, aromas cuja essência invade memórias e, na alma, escreve histórias.

Fotos: Arquivo Pessoal Hilda Anny Bokermann Reis – Bruno Avellar

Numa paleta cativante de cores, as frutas disputavam a atenção da clientela. Apetitosas, davam a impressão de terem sido polidas, uma a uma. E tão chamativa quanto a aparência de dar água na boca era o perfume característico da então Avenida XV de Novembro, 335. A professora Ana Cristina Hartmann relembra os cheirinhos que a atraíam à banca.

“Me lembro do cheiro, de como aquilo era bonito e me encantava, aos olhos de menina. É algo mais sentimental do que físico, tanto que as lembranças de lá estão associadas à saudade da minha mãe, falecida há muitos anos. Ficou guardado o aroma do Natal, quando ela comprava, com o 13º do meu pai, os figos que tanto amava, as nozes e avelãs”.

Mágico, o período que antecedia a ceia era, como ela mesma descreve, sinal de que “coisa boa estava por vir”. “Aquilo para mim era maravilhoso: ver aquelas caixas todas, aquelas frutas que a gente não tinha acesso durante o ano. Tínhamos um Natal muito simples em que o figo era luxo!”.

Rudimentar, a organização do armazém partia de algumas prateleiras, caixotes de madeira e sacos, que abrigavam desde bacalhau, a laticínios, sementes e, é claro, as frutas. O ginecologista e obstetra William Robson Mattos, de 65 anos, destaca o encanto que os produtos importados carregavam.

“Ainda lembro daquelas maçãs argentinas na entrada da loja. Eu estudava no Werneck e, quando passava por ali, vinha aquele cheiro. O aroma as tornava especiais. Fora o fato de que era uma fruta que a gente não estava acostumado a ver na década de 60. Também chamavam atenção aquelas caixas com a palavra manzana escrita em espanhol”.

Foto: Arquivo Pessoal Hilda Anny Bokermann Reis

Uma colheita festiva

Considerada simpática, a loja traz capítulos alegres de histórias em andamento. Muitos deles dizem respeito à Hilda Anny Bokermann Reis, de 88 anos, com quem um dos sócios do negócio, Nelson Cardoso Reis, foi casado. Ela relembra a época em que o primeiro parágrafo da narrativa dos dois foi escrito.

“Eu ainda era estudante e morava no Itamarati, onde também morava o sócio dele, Theófilo Martins. E foi justamente por causa dessa amizade que eu já tinha com o sócio que tive a oportunidade de conhecer meu marido. Eu tinha 15 anos e ele 23”.

Nelson Cardoso Reis em ação na Casa Reis. Foto: Arquivo Pessoal Hilda Anny Bokermann Reis

Por 30 anos, Hilda conta que Nelson e Theófilo trabalharam em parceria. Fundada em 1944, a Casa Reis, que funcionava diariamente das sete horas da manhã, às dez da noite, garantia os festejos dos petropolitanos e veranistas. Segundo ela, era a época de safra da uva que fazia das vendas “uma loucura” e, do marido, uma uva ambulante.

O aposentado Abelardo Bretas Junior, de 66 anos, se lembra com clareza da época e dos “tiragostinhos” que garantia quando acompanhava a mãe ao estabelecimento. “Eu era pequenininho e sempre pegava uma uva escondido do dono. Ele via, mas não brigava não!”, relembra ainda surpreso.

Brincalhões e alegres, os sócios eram cordiais e festeiros. A viúva Hilda explica que, anualmente, no dia 1º de dezembro, data de inauguração do empreendimento, os dois faziam questão de comemorar em alto estilo, junto dos fregueses.

“Eles festejavam com uma banda, daquelas de coreto. Ela tocava na rua, em frente à loja, porque lá dentro não tinha espaço. O que mais me lembro é da alegria do povo porque eram feitas promoções de mercadorias também”.

Fotos: Arquivo Pessoal Hilda Anny Bokermann Reis

Filha da dona Hilda, Luciany Teresa Reis Garcia Perez, de 69 anos, faz questão de enfatizar o espírito alegre e contagiante de um local em que simples gatos siameses se tornavam verdadeiras atrações para os transeuntes e em que amizades eram recompensadas com cachinhos de uva.

“A receptividade dos dois atraía as pessoas, nem que fosse para bater papo, conversar. Me lembro que os dois tinham até a hora do cafézinho com os amigos”. Somado ao perfume da Casa Reis estava o alto astral de quem, assim como as frutas, garantia sua beleza ao fazer transparecer uma essência pura e cativante.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 06/01/2019)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

1 Comment

  1. Linda reportagem e muita saudade daqueles dias de ir dar um beijo no meu pai ao passar por la …e de quebra ganhar uma frutinha!!! Emoção pura ver estas fotos e lembranças do coraçao!!!

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