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Café Gerhardt: autêntico na cor e no sabor

Até hoje o aroma de café moído é lembrado com saudade pelos moradores

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A linha ferroviária fazia caminho por trás do sobrado, então bastava o trem se aproximar para o baile das xícaras começar. Movendo-se de um lado para o outro, era naquele momento que o recipiente era segurado como se fosse presente. Embaixador do bom sabor, o Café Gerhardt fazia a vizinhança vibrar tanto quanto a locomotiva.

Do verde ao vermelho; do grão ao pó. Dourado aos olhos dos Gerhardt do início ao fim, era no café que a família tinha seu bem mais saboroso e valioso. A aposentada Sônia Regina Rabottini, de 72 anos, relembra como foi crescer no sobrado da Rua Padre Feijó em que, em 1898, seu bisavô, Henrique Gerhardt, fundou a produção.

“Eu nasci naquele sobrado, assim como minha mãe e minha avó. Era um negócio bem familiar. Me lembro de acompanhar a produção, de ver os sacos de café de 60 quilos chegarem para serem torrados. Era uma delícia. Todo mundo gostava. Vendíamos os pacotinhos de um e meio quilo tanto lá mesmo, quanto para o comércio da cidade”.

Contagiante, o aroma, que religiosamente percorria as ruas numa base diária, cativou os moradores e passou a integrar a rotina da rua. Reconhecido de longe, convergia as atenções para o comprido casarão em que, como num passe de mágica, as sementes se tornavam essência da querida bebida.

“O cheiro que dava na rua era uma maravilha. Fico procurando um café que tenha aquele gosto e aquele cheiro da minha infância. Era um espetáculo. Pelo menos para a gente, que era criança, o café era uma festa, realmente especial. Também era uma farra quando o trem passava atrás da casa e balançava as xícaras quando a gente tomava café”.

E se para quem ingere o líquido os benefícios são muitos e incluem a melhora do metabolismo e da memória, quais são os efeitos para quem com seu aroma se deleita? No caso de Jussara Rodrigues Pinto, de 61 anos, foi o cheiro do Café Gerhardt o responsável por estimular algumas de suas mais afetuosas lembranças.

“Nasci no Alto da Serra e o Café Gerhardt ficava ali na Padre Feijó. Eu estudava no Externato São Judas Tadeu, na Batista de Castro e, como meu pai trabalhava na Ferraria Petrópolis, me lembro de ficar na alfaiataria do meu tio, na mesma rua, esperando por ele. Então acaba que, com o cheirinho, fica a lembrança da infância”.

Nas imagens, o casarão, à direita, em que funcionou a produção do café. Fotos: Arquivo pessoal Sônia Gerhardt – Google Maps

Da torrefação ao empacotamento

Etapa mais afável e agradável da vida, o advogado Paulo Roberto Fernandes, de 63 anos, primo de Sônia, relembra os dias de criança vividos sob o mesmo teto em que o café era torrado, moído e empacotado manualmente pela família. Fundado pelo senhor Henrique, o negócio passou, depois, pelas mãos de Leonel e Waldemiro Gerhardt, e Alcindo Marchiori.

Foto: Arquivo pessoal Paulo Roberto Fernandes

“Você recebia o grão do café e a primeira etapa era a torrefação. Depois ele era colocado numa esteira para ser esfriado e separado da casca para, então, ser moído e armazenado em sacos numa sala onde era pesado. Acompanhei todas as etapas e cheguei a atuar nesse processo fazendo o básico, que era colocar o selo na embalagem”.

Irmão de sua mãe, ele conta que era o tio Alcindo o responsável por fazer entregas e por, vez ou outra, lhe oferecer uma vaga no cotado carro da marca. “Muitas vezes eu ia junto aos armazéns, bares. Na parte da manhã a gente ficava no processo de empacotamento e, à tarde, saía para entrega. Deveriam sair uns 100 ou 150 quilos de café por dia, calculo eu”. 

Embaixador e representante do bom sabor nos bairros, não raras eram as vezes em que os moradores se deparavam com o carro do Café Gerhardt. “Já faz muito tempo, mas me lembro de ver o carro de entregas passar aqui na Mosela. Ele era mais puxado pro marrom e tinha, nas laterais, o nome da marca escrito. Fazia esse trajeto quase todo dia”.

Apesar de não se recordar de tê-lo experimentado, o morador da Mosela, Orlando Silva, de 64 anos, garante que o produto era sucesso por onde passava. E não é necessário ir longe para que o diagnóstico seja feito. Basta perguntar a quem morou próximo à Padre Feijó, onde tudo começou, como é o caso da petropolitana Vilma Fiorini Sarmento, de 81 anos.

“Meus pais eram amigos do senhor Waldemiro Gerhardt, então dono do café! Morávamos perto da casa dele, no Morin, e, pra nossa família, não tinha café mais gostoso. Para mim não tinha igual. Eu devia ter uns 16 ou 17 anos e adorava o café deles, que era puro mesmo”.

Resultado de menções e ligações quase tão puras quanto o produto, tendo percorrido a cidade e se tornado reconhecido, o Café Gerhardt se fez autêntico na cor e no sabor.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 08/09/2019)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

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