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Os irresistíveis encantos do Tarrafa’s

Descrito como o primeiro estabelecimento com música ao vivo da cidade, o Tarrafa’s atestava a ideia de que, quem sabe, de fato, faz ao vivo

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A venda não era de pescados, mas uma vez entregue aos encantos do Tarrafa’s, dificilmente escapava-se da rede. Palco de apresentações, imitações e boas recordações, o ambiente fazia jus ao título de casa dos grandes espetáculos. Afinal, mesmo quando os shows eram tidos como concluídos, as amizades que deles surgiam, permaneciam.

Fotos: Arquivo pessoal Telmo Otero – Google Maps

Descrito como o primeiro estabelecimento com música ao vivo da cidade, o Tarrafa’s atestava a ideia de que, quem sabe, de fato, faz ao vivo. O comerciante Egidio Silva, de 58 anos, ex-frequentador assíduo do restaurante, recorda alguns dos artistas que compunham a aguardada e aclamada ‘hora da canja’.

“Na hora da canja, quem quisesse, subia ao palco para cantar. Me lembro da Sônia – que cantava MPB – e do marido Almir; do professor d’Arinos, que falava inglês e cantava Frank Sinatra; do Luiz da Portela, e do garçom magrinho e desdentado que imitava o Tim Maia. Poderiam se passar 10 ou 15 anos que não nos enjoaríamos das atrações”.

Onde a noite e, às vezes, madrugada de Petrópolis acontecia, o Tarrafa’s era ponto de encontro de amigos, tais quais os de Egidio que, religiosamente, se reuniam no local aos sábados. E se a hora de chegada estava prevista para às nove da noite, a de saída, ah, essa era ditada pelo momento em que fechavam-se as portas.

“Tinha vezes da gente só sair às seis da manhã. Já tínhamos nossa mesa cativa. Até porque o Tarrafa’s não tinha clientes. Tinha amigos. Para você ter uma ideia de como ele foi importante para mim, depois que me casei com minha esposa, Alessandra, há 28 anos, foi no Tarrafa’s que jantamos”.

Como descreve a advogada Marly Teixeira de Macêdo, de 56 anos, ainda que o ambiente recebesse turistas e visitantes, a aconchegante atmosfera era construída pelos amigos que, em sua maioria, eram sempre os mesmos. E se na platéia os rostos eram familiares, no palco não poderia ser diferente.

“Vários artistas foram lá: Cauby Peixoto, Sidney Magal. Você os via de perto, então era muito legal. Me deixou muitas saudades porque eu ia muito com meu falecido marido, Roberto Macêdo. Depois do falecimento dele voltar lá era doloroso. Não tinha como não chorar ao ouvir aquelas músicas e lembrar daquilo tudo”. 

No cardápio, artistas de A a Z

Foto: arquivo pessoal Telmo Otero

Casa de shows com bom cardápio ou restaurante com música de qualidade? Tênue, a linha entre o que estruturava o Tarrafa’s tornava difícil categorizá-lo, mas talvez fosse esse o charme do estabelecimento: o conjunto da ópera. A frente das melhores apresentações musicais da Serra entre os anos de 1972 e 2002, o cardápio de artistas ia de A a Z.

“Quando começou era um negócio bem simplesinho. Puxa daqui, puxa dali, fui aumentando e cheguei a ter 800 lugares. Era o Canecão da Serra. Em dia de show eu enchia os salões de cabeleireiro. Tinha gente que fazia vestido só para ir no Tarrafa’s. O pessoal vinha de Teresópolis, Três Rios, Juiz de Fora, da região toda”.

A fala é do anfitrião Telmo Otero, de 73 anos. Era ele quem, ao lado da esposa Regina Andrade Otero e das filhas Karina e Telminha, fazia dos salões do negócio uma extensão dos aposentos de casa. Nas idas e vindas da programação do Tarrafa’s, Telmo relembra os eventos que mais fizeram sucesso entre os fregueses.

“Fazíamos festas juninas, italianas, espanholas, portuguesas, árabes. Também foram 30 anos fazendo Réveillon. A gente sempre trazia uma boa orquestra, aí mesclava com os passistas das escolas de samba porque, no final, tem que virar Carnaval. Tive gente ali que foi no Réveillon do Tarrafa’s até morrer”.

Entre desfiles promovidos pelo cantor Titto Santos e festas organizadas pelo jornalista Célio Thomaz, constavam na agenda do Tarrafa’s shows da nata musical nacional e internacional. Agepê, Altamiro Carrilho, Beth Carvalho, Cauby Peixoto, Elizeth Cardoso, Silvio Caldas, Wando e The Platters são apenas alguns dos mais de 50 nomes que Telmo lista com orgulho.

Foto: arquivo pessoal Telmo Otero

“O Cauby eu trouxe 40 vezes. Foi recorde porque era sinônimo de casa cheia. O Ronnie Von, na época, era mais ídolo do que o Roberto Carlos. Eu tinha seis seguranças e o Ronnie tinha que segurar as mulheres, que queriam cortar o cabelo dele para levar de recordação”.

As vozes e os sabores mais famosos

O churrasco era sem igual, mas é seguro dizer que a refeição só se dava por completa quando os microfones estavam ligados. A jornalista e psicóloga Solange Brasil d’Arinos Silva, de 69 anos, revive os finais de semana em que vinha à cidade para ver o pai, o professor Luiz Victor d’Arinos Silva, se transformar no Frank Sinatra da Serra.

“Quando jovem meu pai chegou até a lançar um disco, o primeiro e último, com o nome artístico de Fred Lester. Ele nunca estudou canto, mas tinha uma voz linda, natural mesmo. E meu filho, João Brasil, é músico, né? O lado da família do meu pai tinha esse lado musical. Minha bisavó tocava piano; minha avó tocava piano e violino”. 

Solange ao lado do pai, o professor d’Arinos, na década de 80. Foto: Arquivo pessoal Solange Brasil

E se de um lado era o professor d’Arinos que se divertia, do outro era a plateia que se deleitava ao transitar por sabores e amores, como as já tradicionais no repertório ‘New York, New Work’ e ‘My Way’ – a favorita de Solange. Realização pessoal, cantar e lá estar era sinônimo de uma noite bem vivida para o pai.

“Eu o prestigiava e via que ele estava sempre feliz ali. Às vezes eu subia no palco para cantar com ele Strangers In The Night, mas o que eu gostava mesmo era de dançar. E ele dançava muito bem também. Final de semana se ele não cantasse, explodia. Era uma realização para ele”.

Também realização foi, para a fisioterapeuta e amiga da família de Telmo, Ana Maria von Seehausen de Rezende, de 66 anos, ter sido agraciada com um lugar à mesa do anfitrião. ‘Regados à muita alegria’, como ela mesma descreve, os agradáveis almoços os faziam se sentir em casa.

“O ambiente era super familiar. Me lembro perfeitamente da gente almoçar numa mesa comprida. Era como se estivéssemos em família, em casa, e eu fazia parte dessa mesa. Meus filhos lembram até hoje que no Tarrafa’s o sorvete era liberado à vontade! Era um ambiente muito gostoso”. 

Onde amizade e música ecoavam, era o Tarrafa’s recanto de irresistíveis encantos.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 11/08/2019)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

7 Comments

  1. Que máximo ficou esta matéria, Carolina! Parabéns ???
    Mais uma vez muito obrigada por eu ter podido rememorar momentos tão alegres junto ao meu querido pai !
    O Tarrafa’s , nós sentados na mesa da Regina e do Telmo conversando, jantando juntos ao som do delicioso conjunto , ouvindo meu pai Luiz Victor cantar ?.. me fez ter mais paixão ainda pela Serra de Petrópolis! ? para todos vcs! Gratidão!??

  2. Nossa, ótimas recordações. Eu fui em alguns shows do Cauby no Tarrafas, era muito legal. Point de ir com a família todo final de semana!
    Parabéns pelo blog, amei de verdade! Também sou fotógrafo e registro a cidade e toda sua evolução.
    Um forte abraço!

    • Boa noite, Roberto! Puxa, que bacana saber que meu trabalho chegou até você. Admiro muito os fotógrafos que retratam nossa cidade através das lentes. Como aponto aqui no blog, vocês são fundamentais na construção e na representação da nossa história.

  3. Parabéns pela reportagem! Amava o Tarrafa’s. Curti muitos shows. Tratamento de primeira. Saudades. Hoje não se tem um lugar como esse.

  4. Parabéns pela matéria! Telminho só esqueceu de mencionar Nelson Gonçalves, que deve ter se apresentado umas 4 vezes…..esqueceu das canjas do Ari de Carvalho, dono do Jornal O Dia. Telminho um anfitrião ímpar. Saudades do Tarrafa’s!

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