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Leiteria Central e o legado perpetuado por dona Mazza

E se tem um sabor que ficou marcado no paladar dos petropolitanos, esse sorvete foi o de queijo!

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Tempo e sorvete escorrem pelas mãos. Com densidades diferentes, alguns fatores levam a crer, contudo, que, tanto num caso, quanto no outro, é a naturalidade com que o processo é conduzido que determina sua consistência. Suaves, sem perder a solidez, eram tempo e sorvete dentro da Leiteria Central.

Os ponteiros do relógio da petropolitana Maria Dulce Viard, de 72 anos, parecem ter parado naquela tarde de 1965 em que, na companhia de duas amigas, mais do que um intervalo no caminho de volta para casa, ela encontrou, na Leiteria Central, o destino. 

O trio havia acabado de sair do auditório da Petrópolis Rádio Difusora quando as meninas decidiram fazer, na loja, uma breve pausa no itinerário. Dona Dulce já sabia o que iria comprar: um pacote da bala “Boneco”. O que ela não esperava era receber, de brinde, um rapaz.

“Nesse meio tempo entraram dois rapazes na loja. Um deles eu já conhecia. Era meu vizinho e muito bonito. Ficamos conversando e eles decidiram nos dar carona”. Todos devidamente acomodados, era hora, então, de abrir a bala que havia sido comprada na Leiteria Central. 

Cada um pegou a sua, até que, na vez de Miguel, o ‘Boneco’ tomou um rumo inesperado:

“ele disse que só iria querer a que eu já tinha colocado na boca! Acabei dando aquela pra ele e aí começou nosso namoro”.

Namoro que, dois anos depois, deu casamento! Juntos eles tiveram uma filha, três netas e dois bisnetos.

São lembranças doces e consistentes como o sorvete da casa, que atraía não só o paladar, mas também – e por que não – o olhar do público. O arquiteto Alexandre Vieira, de 63 anos, recorda o prazer de saborear os sorvetes da loja – o de queijo era sempre uma boa pedida – e, ainda, desfrutar da decoração do local.

Com destaque para um item: o abridor de garrafas da Coca-Cola, que ficava afixado na parede. Item esse que nem na época da demolição da loja Alexandre foi capaz de tirar os olhos. “Eu vi, da calçada, que o abridor ainda estava na parede. Daí entrei, perguntei ao pessoal da obra se poderia ficar e me deram na hora!”. 

Passados 50 anos desde o referido episódio, o arquiteto – adolescente na época – explica que, a exemplo do item, que o acompanha em todas as mudanças que faz, as recordações da Leiteria Central também caminham junto dele. “Eu ia muito na leiteria com meus pais. Estávamos sempre juntos”.

O descongelamento da Leiteria Central

Fotos: Arquivo pessoal Giselle Levi – Google Maps

Sediada onde hoje opera o Centro Comercial Quartier, a Leiteria Central – a exemplo do que disseram a senhora Dulce e Alexandre – era peça inevitável no caminho da clientela. Centro das atenções, se tornou conhecida por seus sorvetes, decoração, balas e até por seus torneios de iô-iô.

A promoção era da Coca-Cola e, enquanto ponto de venda, a loja não só promovia a troca de tampinhas pelos acessórios – estilizados de acordo com o refrigerante, como promovia as competições. É o que lembra o petropolitano Hélio Vilarino, de 45 anos. “Era bacana demais. Os iô-iôs eram da Coca, Sprite, Fanta, Taí. Tive todos.”

E foi assim, praticamente seguindo os conceitos de preservação de energia com que operam os iô-iôs, que a paulista Giselle Levi, de 28 anos, teve a ideia, em 2014, de abrir a própria fábrica de sorvete. O que Giselle não sabia é que o mesmo caminho havia sido trilhado 80 anos antes por sua bisavó em Petrópolis.

Giselle estava na feirinha da Praça Benedito Calixto (SP) quando reparou no sucesso que o sorvete fazia entre os frequentadores da feira e, tal qual a senhora Dulce, que mirou na bala ‘Boneco’ e ganhou um rapaz; mais do que a ideia para o próprio negócio, deu, sem saber, o primeiro passo rumo ao passado da matriarca.

“Comentei com meu avô sobre meus planos e nisso ele me contou que a mãe dele, Aida Cavanelas Mazza, tinha fundado a Leiteria Central. Foi surreal”. A história estava adormecida, mas longe de ser esquecida pelo senhor Almir, de 83 anos. Junto dele, havia, segundo Giselle, um arsenal de marketing:

Foto: Arquivo pessoal Giselle Levi

A colher de sorvete usada, já em 1935 por dona Aida, livros de receitas e fotografias, que hoje recebem os visitantes do site da ‘Dona Mazza’, marca de picolés de Giselle. “Parecia que todo o material tinha sido preparado para o meu negócio”.

Presente em quase cem pontos de venda de São Paulo, os sorvetes ainda não têm previsão de retornar a Petrópolis, onde a leiteria funcionou de 1935 a 1976 sob direção da senhora Aida. Por ora, o jeito será preservar as referidas lembranças na esperança de que, um dia, voltem a ser acordadas pelos sabores de dona Mazza.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 31/05/2020)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

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