Inicial comum a Carlos, Carina, Caetano e Carolina, nos anos 80 e 90, contudo, só havia lugar para um ‘C’ no coração dos jovens: o de Company. Termômetro social da juventude, a marca era vestida com a mesma devoção de quem, num pingente com a letra do amado, carrega junto ao peito o lembrete de uma conquista.
É fato: nos primeiros estágios de paquera e namoro, quanto mais se busca impressionar a pessoa de quem se gosta, maiores são as chances de passar vergonha. E com a Company não foi diferente. O desejo de estar na companhia da marca era o suficiente para os jovens perderem a cabeça e agirem como se estivessem fora de si.
Supervisora de vendas, Ana Paula da Silva Gonçalves, de 49 anos, se formou da escola há algumas décadas, mas uma imagem em particular não saiu de sua cabeça desde então: a de uma estudante que, numa tentativa de replicar a calça carpinteiro da Company, costurou a etiqueta da referida marca num modelo semelhante produzido por outra fábrica.
De acordo com Ana Paula, não bastasse a nítida diferença entre as costuras, a menina se esqueceu de remover a etiqueta da loja em que havia comprado a calça.
“Ela andava com as duas: a da Company e a da outra marca. Aquilo me incomodava e eu não podia falar nada. Nem intimidade com ela eu tinha”, aponta enquanto se diverte com o episódio.
Pautada por uma linha de produtos com cores chamativas, os preços da Company lamentavelmente também faziam os olhos saltarem. É de se imaginar, portanto, a agonia em que ficou o petropolitano Douglas de Almeida Barboza, de 47 anos, após ter a calça – fruto de três meses de economia – rasgada após um desentendimento de baile.
Douglas trabalhava como repositor de supermercado e conta que foi graças às entregas que fazia nas casas dos clientes que foi capaz de reunir o montante suficiente para comprar uma calça azul da Company em promoção. O evento escolhido para estrear o item foi um baile ocorrido na Caempe que, por sinal, não causou o efeito que Douglas imaginava.
“Me lembro que começou uma briga lá no fundo da quadra e aquilo foi generalizando até chegar no bar, que era onde eu estava. E eu com a calça novinha. Achando que estava bonito!”.
Douglas não se recorda do trecho em que a calça rasgou, mas garante que naquela noite o estrago foi feito e o investimento de meses lamentado.
“Na época me deu raiva, mas depois passou a ser uma história engraçada”, admite. Possibilitado pelo passar do tempo, o aspecto cômico dos furos de ‘namoro’ vividos com a Company também se faz presente hoje, ao menos em parte, na história da aposentada Patricia Louzada Ribeiro, de 53 anos.
Adolescente à época, Patricia viu numa lavagem não só a sujeira de sua mochila vermelha ir embora, como a emblemática inicial ‘C’ em branco e um sonho de consumo. “Minha mãe decidiu deixar ela de molho e o detalhe do ‘C’ que ficava no bolso da frente saiu. Era a moda do momento. Sei que até parei de usar a mochila depois disso”.
Inaugurada em Petrópolis no ano de 1982 por João Donato D’Angelo, a loja da Company operou até 1995 no Centro Comercial Marchese. Aos 64 anos, João, que também foi proprietário da filial da ‘Cia. dos Pés’ na cidade – fundada pelo mesmo grupo – relembra alguns dos fatores que fizeram da Company sucesso absoluto entre os jovens.
Fundada pelos sócios Mauro Taubman e Luiz de Freitas Machado, a Company trazia roupas modernas desenhadas por Mauro e que, de acordo com João, revolucionaram o mercado do vestuário. “A calça carpinteira era o tipo de calça vendida nas lojas de ferragens lá de fora. Foi uma febre causada pelo Mauro”.
Consolidada, principalmente, pelas vendas de camisetas, calças e mochilas, a marca, segundo João, chegou a ter 900 funcionários na fábrica no Rio e outros 300 empregados espalhados por lojas do país. Em Petrópolis, até desfiles promovidos pelo gerente Marzio Fiorini a empresa, cuja legião de admiradores não era pequena, chegou a ter.
A curiosidade atraía os estudantes, que as escadas do Marchese subiam quase que numa base diária para conversar com outros jovens e paquerar, sobretudo as novidades da moderna e ‘bem transada’ loja. Um dos referidos estudantes era o empresário e apresentador de televisão Henrique Moter, de 45 anos.
Admirador assumido da Company, Henrique fala sobre o ‘naipe’ da empresa e sobre um divertido episódio vivido por ele num de seus aniversários na adolescência. “Me lembro de estar procurando alguma coisa para ganhar de presente quando vi a mochila em promoção. Nem olhei qual era. Só vi que o valor dava e fui pedir para a minha mãe”.
O que Henrique, que já namorava o produto há tempos, não esperava era se deparar com uma mochila rosa choque em liquidação. “Lembro que eu entrei na loja com aquele poder, decidido de que naquele dia compraria quando a vendedora colocou a mochila rosa no balcão. Já comecei a imaginar a molecada implicando comigo”.
Mas a vontade era tanta que Henrique convenceu a ele mesmo e aos colegas, de que a mochila era, na verdade, “um lilás moderno” que havia acabado de ser lançado.
“Virei pra moça e perguntei pra ela se não era lilás. Ela, como boa vendedora, me respondeu que achava que era sim. E na escola quando eu dizia a marca os meninos logo elogiavam”.
Mais até do que a representação de uma conquista, talvez a inicial ‘C’ seja símbolo do coração de quem aferiu no termômetro da marca a emoção de toda uma geração.
(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 12/07/2020)