Com exceção dos tecidos, que facilmente poderiam virar capa, o senhor Carlos Luiz Pereira não usava cartola e nem dela tirava um coelho, mas ainda assim era tido como mágico. Longe, porém, de ser descrito como ilusionista, enfeitiçava o público pela realização do que, até então, era tido apenas como ficção.
Cercado por olhos curiosos, o ambiente fazia reinar a imaginação: de quais modelos e peças aqueles tecidos serviriam como inspiração? Para além das portas de vidro e, como num passe de mágica, as cores e texturas se comunicavam com ideias, até então, inexploradas.
“Lembro das lindas vitrines de vidro que papai fazia nos finais de semana com arranjos de tecidos combinando cores e estampas. Eram vitrines de pouca profundidade, mas que ele fazia flores com o tecido retorcido. Ele só mantinha a porta de vidro fechada, assim as pessoas passavam e comentavam. Era muito elogiado”.
Admirável, a originalidade do mágico fazia jus à experiência adquirida em mais de 50 anos de loja. A filha mais velha do senhor Carlos, Vera Cecília Pinto Pereira, de 69 anos, relembra as variáveis que iam desde a postura do feiticeiro à abordagem ao público e, junto da vitrine, regiam o desempenho do show.
“Papai tinha um gosto incrível. As sedas vinham da Werner, as lãs da Covilhã, e o linho da Braspérola. Ele tinha muito linho 100%, o que, naquela época, era muito valorizado. E quando a São Pedro de Alcântara ainda funcionava também fornecia pra Aloysio. Ele também importava muito tecido tropical inglês para a confecção de ternos”.
Fundado por dona Mina – prima de “seu Carlos” – o empreendimento foi, logo cedo, porta de entrada para a atuação do aprendiz de feiticeiro. Foi lá que aperfeiçoou seu desempenho, passou a promover desfiles de moda em parceria com fábricas de São Paulo no Clube Petropolitano e desenvolveu os próprios truques.
“Quem comprasse tecidos pro vestido de noiva ganhava um croqui feito por ele com dicas simples, mas que davam sugestões de como aproveitar o tecido pelo caimento e corte que tinha. Uma outra curiosidade é que os tecidos brancos eram embrulhados em papel, assim não corriam risco de ter a tonalidade modificada pela luz”, acrescenta Vera.
Truques revelados
Perseguidos, na antiguidade, por associação à bruxaria; os mágicos de carisma hipnotizante se tornaram queridos no comércio. Irmã mais nova de Vera, a aposentada Regina Maria Pereira Mendes da Silva, de 66 anos, aponta a presença constante e também cativante de sua mãe, Nair Pereira, no estabelecimento.
“No início a mamãe costurava para fora, fazia vestidos de noiva, mas depois do nascimento do meu irmão, Carlos Aloysio, ajudava mais meu pai na loja mesmo”. A poucas semanas de completar os 95 anos, dona Nair, que agora mora no Piauí, é herança da loja que conquistou o respeito do público e a admiração dos funcionários.
Ex-balconista da Casa Aloysio, o administrador Flavio Fiuza, de 56 anos, descreve a rotina da Casa em que obteve sua primeira experiência profissional. Ponta-pé inicial em sua carreira, foi lá que viu, assim como o patrão – que mais via como paizão, a oportunidade de aprender e conhecer pessoas.
E ainda que Houdini tenha dito que um bom mágico não revela seus truques, pode ser que, entre mágicos, a regra seja outra. Flavio recorda os primeiros dias como observador da loja e os demais como um dos pupilos do senhor Carlos. Lado a lado com o proprietário, desvendava o corte dos tecidos e a arte de dobrar as peças.
“O próprio senhor Carlos fazia questão de, junto do Eduardo, que já trabalhava lá há mais de 30 anos, de me passar todo o procedimento. Até hoje quando toco no tecido eu sei diferenciar se é puramente de algodão ou não. É o tipo de coisa que você nunca esquece e leva pro resto da vida”.
Fiel, Flavio conta que difícil era o público não retornar para novas apresentações. “Estavam sempre lá. E mesmo que não comprassem nada, davam uma passadinha para saber se estava para chegar alguma novidade”. Dispostos de forma que o cliente visualizasse as peças de roupa que passariam a compor, os tecidos eram principal chamariz da Aloysio.
Performático, o mágico era assim denominado não por lidar com a ilusão, mas pelo deslumbramento proporcionado ao dar vida a tecidos que, até então, só existiam no imaginário. E se não havia coelho para fazer desaparecer, o senhor Carlos o substituía pelo ‘dindin’ dos fregueses que, num piscar de olhos, o viam sumir.
“De lá saíam as roupas mais bonitas que a gente tinha. Em época de formatura era um gasto tremendo com roupas porque tinha a missa, a colação de grau no Cinema Petrópolis e o baile no Quitandinha. Era tudo muito requintado. Arrepia só de lembrar. Tinham outras lojas, mas nada se igualava à qualidade da Casa Aloysio”.
‘Época de ouro’ para a aposentada de 72 anos Marta Costa Riggo, que viu na Casa Aloysio ponto de partida para a confecção de seus trajes de formatura, o referido tempo é zelado com carinho pela também aposentada Alciana Maria Mattos de Andrade Guerra, de 65 anos. Afinal, foi no local que ela pegou atalho para impressionar o agora marido.
“Eu ainda tenho um vestido e um macaquinho cujos tecidos foram comprados lá na Casa Aloysio. Fiquei guardando e ainda tenho os dois até hoje. E olha que já se passaram 40 anos! Meu marido, Artur Guerra, fala que eu tinha que dar destino, que não podia guardar tanto entulho, mas é aquela coisa, né? Guardo por causa das lembranças boas”.
Capaz de trazer de volta dias dos quais se sente falta, pode-se dizer que a Casa Aloysio continua a enfeitiçar e a fazer mágica.
(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 13/10/2019)