Usado na definição daquilo que vai além, foi no emprego do prefixo ultra que, mais do que um complexo de lojas, a Ultralar se tornou uma rede de histórias. São relatos com diferentes épocas de pano de fundo, mas que, sobretudo, se completam e reafirmam a ideia de que, mais do que gás, o grupo Ultra forneceu energia às vidas dos clientes.
Pelas cidades e estados por onde passou, pode-se dizer que a consolidação da Ultralar se deu em razão do casamento. Não necessariamente do matrimônio – apesar de que a união impulsionasse consideravelmente as vendas, mas do casamento de ideias. Quem faz a metáfora é o ex-funcionário da filial Petrópolis, Antonio Carlos de Mello, de 75 anos.
‘Seu’ Antônio colaborou com a empresa por dois anos: 1963 e 1964. Vindo de uma família de seis irmãos – sendo ele o único a concluir os estudos, foi na Ultralar que deu início a sua carreira que, aliás, dali passou para a multinacional – e também distribuidora de gases – White Martins, onde trabalhou por 25 anos.
Bem humorado e detentor de bom papo, foi, segundo ele próprio, um funcionário de “uma presença interessante”. E, ao que tudo indica, também atento. O senhor Antônio se recorda de sua passagem pela casa, dos demais empregados (os vendedores Célio, Beto, Marilene, Gessy e o gerente Brandão) e, principalmente, das estratégias de crescimento da rede.
“O negócio do grupo teve início com a Ultragaz. Acontece que a pessoa só consumia o gás se tivesse o fogão, então eles montaram a Ultralar e a venda dos eletrodomésticos”. Precursora também nas vendas externas de mercadorias, a Ultralar foi sucesso absoluto: sinônimo do casamento ideal entre o que se buscava pela firma e pelo povo.
Contratado para atuar no departamento de discos do magazine, conta o aposentado que foi graças à loja que “descobriu tudo quanto era música”; viu Roberto Carlos se apresentar em frente à Ultralar em cima de um caminhão de gás – “é uma imagem complicada, mas me lembro disso”, diz; e teve seu primeiro contato com os Beatles.
Tendo presenciado a chegada da primeira leva de discos do grupo na loja, ‘seu’ Antônio viu também sua sensação de surpresa perante o estilo dos britânicos se transformar em respeito.
“Quando chegaram os LPs deles e vi aqueles cabelos imensos fiquei um pouco assustado, mas depois fomos nos acostumando. Eles foram indescritíveis”.
E, sobretudo, inesquecíveis. Ainda que passados mais de 50 anos desde que adquiriu sua cópia do álbum ‘Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band’, Antonio Carlos Carneiro Gomes, de 66 anos, o ‘Carneiro’, se lembra dos detalhes que fizeram da compra tão significativa. A obra havia acabado de sair e, ao que tudo indica, sua sorte também.
“Eu fazia datilografia na Floriano Peixoto, olhei pro chão e encontrei uma nota de dinheiro. Pisei em cima dela e fiquei quietinho”.
Tão valioso quanto um bilhete de loteria, o prêmio com que o menino de 13 anos se deparou lhe garantiu a satisfação de ir até a Ultralar e comprar o disco. Ato que nem sempre o bolso permitia.
“Eu vivia nas lojas. Escuto música todo dia desde os 10 anos de idade. Não sei o que eu almocei, mas lembro das letras das canções da década de 60 que eu gostava”. Habituado a interpretar as composições, Carneiro acabou por fazer o mesmo com a Ultralar e com aquele poderia ter sido apenas mais um dia de sua juventude.
Na Ultralar dá pé
Conhecida pelo slogan e pela ideia de “dar pé”, foi a Ultralar a responsável por promover a realização de sonhos de consumo às vezes tidos pelo público como inatingíveis. A professora aposentada Yvonne Varanda, de 83 anos, confirma o privilégio que era ter, em casa, um fogão a gás.
Com recordações que a remetem ao cenário do final da Segunda Guerra Mundial, dona Yvonne descreve as transformações ocorridas dos anos 40 para cá. Se nas ruas era com gasogênio que se movimentavam os veículos, nas casas era a lenha ou com querosene que se cozinhava.
“Lembro que o gás de cozinha era coisa rara. Minha mãe passou a usar o fogão a gás eu já era adolescente, talvez estivesse até na faculdade”. Já na década de 60, raridade era que a família de Luiz Antônio Cantú Nunes, agora aos 65 anos, abrisse mão do grupo Ultra, fosse na compra do gás ou dos eletrodomésticos.
Praticamente graduado na mesma turma de ‘fanáticos por música’ que Carneiro, Luiz também cresceu como frequentador da loja a que, na primeira oportunidade, recorria fosse nas compras em família ou sozinho. Bastava ouvir uma música de que gostasse na Rádio Musical que corria em direção à Ultralar em busca do LP que a tivesse.
“Às vezes você dava azar porque chegava na loja e aquela que você tinha gostado era a única música boa. Isso aconteceu com Time of the Season, dos Zombies. Comprei mesmo assim”. Fornecedora de gás e, além de tudo, energia para viver, foi a Ultralar casamento de ideias, épocas, histórias e, agora, memórias.
(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 10/05/2020)