Os ponteiros do relógio avançaram, as portas da fábrica se fecharam e as mais belas recordações reverberaram. Carismático e emblemático, pode-se dizer que o negócio perpetuou os produtos James como sinônimo da época em que o comércio petropolitano, de tanto que escoava, ambicionava e emocionava.
E se por um lado a fábrica nomeia a saudade proporcionada pela contemporaneidade, é ela a também responsável por identificar a região da Avenida Portugal onde funcionou a produção como o ‘Morro da Batata Frita’. O motorista Antônio Carlos Dethtlusst, de 44 anos – o Ninho – relembra os 18 anos em que acompanhou de perto o dia a dia da James.
“Petrópolis não tinha e nem tem uma fábrica igual àquela, com um forno de 35 metros. Era a melhor produção da cidade, com tudo automatizado. Quem trouxe a batata frita foram eles, mas também tinha torrada canapé, biscoito amanteigado – 360 toneladas por mês, farinha de rosca e o grissini italiano, que a gente vendia muito nas comissárias aéreas”.
Tendo dado início à sua trajetória na fábrica enquanto membro da produção, ‘Ninho’ explica que, em dado momento, passou a trabalhar como motorista e, mais tarde, vendedor. Ele relembra a demanda ‘fora de série’ e os produtos ‘top de linha’ que fizeram da empresa conhecida em todo o Brasil.
“Comprávamos toda semana 300 sacos de batata para depois cortá-las e fazer os pedidos. No Rio a gente trabalhava com praticamente todos os mercados. Vendíamos muito amanteigado para lá. Também chegamos a fabricar um biscoito especificamente para merenda escolar a nível nacional. Até para o Acre chegamos a mandar”, diz ele.
De acordo com Antônio, sobrinho dos fundadores do empreendimento, diferente do que muita gente pensa, o negócio teria tido início com a produção de balas de coco, e não com as batatas. “Quem começou foi o Jimmye, meu tio, na Rua Rockfeller. Se eu ganho na Mega-Sena volto a colocar a fábrica para funcionar. Era muito bom”.
E por falar em doce, a aposentada Ana Maria Borges, de 55 anos, recorda a afetuosa relação que se construiu entre sua família a partir da prestação de serviços domésticos aos empreendedores por trás da fábrica James. Segundo ela, somente sua mãe, Maiza, teria acumulado mais de 50 anos de serviços para o senhor Jimmye e a esposa, dona Emir.
“Antes da minha mãe, minha avó, Benedita, já trabalhava para eles como doméstica. Eles sempre nos trataram muito bem. Minha mãe chegou a trabalhar na fábrica, na época em que faziam aquela bala de coco. Acho que tinha um cômodo ou algo assim. Depois ela ajudou a cuidar dos filhos do senhor Jimmye: o James, o Wagner e a Eliane”.
Ana Maria, que foi apadrinhada pelo senhor Jimmye e a esposa, relembra a proximidade entre as duas famílias, a começar pelo seu próprio nascimento. “A dona Emir contava que nasci de sete meses e que, como eu era pequenininha, a Eliane, que é um pouco mais velha do que eu, me pegava e me fazia de boneca”, conta rindo.
Histórias regidas por batata frita
Quando se fala nos Produtos Alimentícios James, mais especificamente, nas histórias regidas por eles, o papel das batatas é indispensável. A museóloga Vera Bulgarelli, de 59 anos, conta que estudou com Eliane – filha do senhor Jimmye – na infância, e que, inevitavelmente, associava as festinhas às batatinhas que eram levadas pela amiga.
“Eu adorava quando ela fazia aniversário no colégio porque sempre levava aquelas batatinhas maravilhosas. Eram aqueles sacos imensos, quase do tamanho de um travesseiro. Apesar de ser industrializado, a gente notava que era um processo mais natural. Foi, realmente, uma fábrica que levou a família para a memória de Petrópolis”.
Familiar, o negócio se destacou não apenas pela qualidade dos produtos, mas pelo relacionamento firmado com os empregados. A professora Sonia Maria Demori, de 59 anos, relembra aquele que foi seu primeiro emprego de carteira assinada num ambiente em que os patrões eram ‘humanos, humildes e amigos dos funcionários’.
“Trabalhar lá fez com que eu percebesse que com a base de uma família unida se constrói muita coisa. As receitas eram deles. Me lembro que, às vezes, eles lançavam biscoitos novos e nos davam para experimentar. Era assim que eles trabalhavam. E acho que a parceria entre funcionário e patrão sempre se faz válida para uma empresa dar certo”.
Se entre diferentes escalões os relacionamentos demonstravam embasamento, que dirá dentro de um mesmo setor. “Quando os motoristas saíam, era comigo que eles prestavam conta do que estavam levando. Quem mais entregava no Rio era o senhor Fernando. Sempre que ele ia para lá eu encontrava um pacote de biscoito Globo na mesa”, diz Sonia.
Produtos nutridos por afeto discreto
Idealizado, desenvolvido e distribuído em família, já era de se esperar que esta mesma união fosse transmitida e sentida pelos consumidores finais, como é o caso da pedagoga Claudia Regina Braz de Sousa, de 49 anos. Criança, à época, ela diz que a relação com a marca hoje é extremamente afetiva.
“Eu tinha uns oito ou nove anos, e ia até a fábrica comprar os biscoitos ainda quentinhos com a minha tia-avó. Quando eu era pequena minha mãe trabalhava muito, então era minha tia-avó quem tomava conta da gente, e foram os hábitos dela que acabaram influenciando a mim e ao meu irmão. Era muito bacana comprar antes de todo mundo, direto da fonte”.
Tal qual Claudia, o cirurgião-dentista Cid da Cruz Loureiro Netto, de 51 anos, de tão emocionalmente ligado ao que a fábrica representou, conta que não resistiu e, há alguns anos, adquiriu um chaveiro da James: ‘joia petropolitana’, como ele mesmo aponta. O item pode até ter custado apenas R$ 3,00, mas não há preço que pague as memórias que traz.
“As batatas James fizeram parte da história de Petrópolis porque todo mundo a comia. Na verdade, do estado todo. Quando a gente viajava toda lanchonete tinha para vender, mercearia. Para a festinha era comprar o guaraná Cascata e os biscoitinhos e batatinhas James”.
Concedidas e difundidas em família, as mordidas e porções dos produtos James estavam sujeitas a fortes emoções. Hoje recordações, elas ecoam os áureos tempos do comércio petropolitano: emocionam e impressionam.
(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 28/07/2019)
Parabéns pelo belo trabalho de resgate da memória de nossa querida Petrópolis!!!
Impressionante como as coisas terminam de forma repentina. lembro que quando eu ia a Petrópolis com meus pais quando criança, era certo de passar na fabrica James, eles vendiam sacos enormes de biscoitos amanteigados com goiabada e batatas entre outros tipos de doces e biscoitos salgados, é realmente uma pena a fabrica ter fechado, é um lugar que faz falta, a mesma falta que faria se a fabrica de chocolates de Petrópolis tambem viesse a falir, mas acho que isso nunca vai ocorrer visto que mesmo depois de uma pandemia que durou 3 anos, ela e tantas outras se mantiveram, graças a Deus, de pé.
O nome correto da esposa do Sr. Jimmye era Enir, e não Emir.