Faça Sol ou faça chuva, entre os fornos de uma padaria a previsão é só uma: calor. Calor que independe do que diz a meteorologia e cujas temperaturas “máxima e mínima”, na verdade, mais têm a ver com a atmosfera do ambiente de trabalho do que com os ventos externos que, no caso da Padaria Francesa, ainda assim sempre sopraram a favor.
Da pressão atmosférica à umidade do ar, numa padaria nenhum dado meteorológico é tão preciso quanto o calor que emana de quem, entre uma fornada e outra, sente o coração palpitar mais forte. Era o caso do senhor Waldemiro Rossi, o ‘seu’ Rossi, que por quase 40 anos esteve à frente da Padaria Francesa.
Sobrinho de Waldemiro, Sérgio Rossi, de 66 anos, lembra da ligação do tio com o negócio que, mesmo nos anos que sucederam a aposentadoria do comerciante, se manteve tema de suas conversas. Ele conta ainda que antes de adquirir a padaria ‘seu’ Rossi chegou a ter uma alfaiataria, mas que foi entre massas, e não tecidos, que ele realmente se encontrou.
“No tempo em que meu tio foi dono da padaria ele morou em cima dela. Era trabalhador. Cedinho já estava na padaria e ficava até oito, nove horas da noite”. Tema de algumas das principais histórias contadas por ‘seu’ Rossi, a padaria, como aponta Sérgio, foi pano de fundo de um episódio vivido pelo tio durante a Ditadura e frequentemente contado por ele.
“A história é que apesar do trigo ter aumentado, eles não podiam cobrar a mais pelo pão. Sei que até a Niterói ele e outros donos de padaria chegaram a ir para depor”. Por um bom período munida de um forno a lenha, tão facilmente quanto a temperatura por lá subia, outros comerciantes se renderam aos encantos da Padaria Francesa.
Sucessores de ‘seu’ Rossi na gestão do negócio, os irmãos Benjamin e Miguel Teixeira, de 65 e 78 anos, respectivamente, recordam sua passagem pelo negócio e os desafios enfrentados. De família portuguesa, por mais que os Teixeira tivessem experiência com mercearias e restaurantes, de nada sabiam sobre a panificação.
A massa precisava ‘descansar’, e talvez o fizesse até mais que os irmãos, que chegavam na padaria às quatro para abri-la às cinco. ‘Antiquíssimo’, como descrevem, e alimentado por hastes de lenha, o referido forno era operado por três diferentes equipes, em três turnos – inclusive um noturno, que garantia os pães que abriam a casa no dia seguinte.
“O turno da noite começava às dez e de vez em quando algum padeiro, simplesmente, não ia. Aí era aquela correria pra trazer outro funcionário. Encarei isso várias vezes”, relembra Miguel.
Hoje proprietário de uma outra padaria na 16 de Março, ele se mostra grato pela criação das câmaras frigoríficas e, consequentemente, pelo fim do turno da noite.
No mesmo clima de gratidão, seu irmão, Benjamin, reflete sobre o papel desempenhado pela Padaria Francesa na permanência e consequente aceitação dos dois na cidade. “Imagina você recém-chegado, sem conhecer ninguém, estar a frente de uma padaria tradicional. Foi onde ficamos conhecidos e fizemos grandes amizades. O gatilho para tudo”.
Dos mais simples aos mais sofisticados, é principalmente pelos doces que a Padaria Francesa é lembrada pela antiga clientela. No caso da petropolitana Ruth Faria, de 76 anos, não há cuca que se compare a que era vendida por lá e dada de lembrança aos seus parentes sempre que a família os visitava em Volta Redonda.
“Levávamos três, quatro cucas pra eles e como fazia sucesso! Meu pai adorava e eu e meus irmãos também. Tinha a com farofa e aquela de coco também. Uma delícia”. Tendo morado em outras cidades como Barra Mansa, Volta Redonda e Ubatuba, Ruth confessa que, depois do que saboreou na Francesa, “igual àquela não se faz mais não”.
Sentimento do qual também compartilha o petropolitano Dínister Castro, de 59 anos. Com a padaria localizada entre sua casa, então situada na Floriano Peixoto, e o trabalho de seu pai, onde eventualmente ajudava, a parada no estabelecimento era certa e, quase sempre, acompanhada dos doces amanteigados da padaria.
Dínister diz ainda sentir o gosto dos doces que, segundo ele, motivavam suas idas ao local durante a infância. Acompanhado pela mãe ou pela avó ele se deleitava com o referido produto. “Me marcaram mais até que os biscoitos. A massa era de bolo e eles eram amanteigados por dentro e por fora. Normalmente tinham rosas desenhadas neles, folhas”.
Artesanais, as obras primas vinham do ambiente habitado pelos padeiros da casa que, na época, até na confeitaria atuavam. Aos 62 anos, o senhor Reinaldo Elias de Araújo recorda os mais de 45 em que atua na panificação. Seis deles na Padaria Francesa junto dos irmãos Teixeira.
“Ainda cheguei a pegar o forno a lenha. Pra trabalhar nessa área tem que gostar mesmo. É frio, é calor, e na padaria está sempre quente. É aquilo que eu amo e que me faz realizado”.
Hoje a frente do próprio negócio na Mosela, ‘seu’ Reinaldo fala sobre a sensação que desde os anos 80 o faz chegar e sair do trabalho com um sorriso estampado no rosto.
“É inexplicável como amor à primeira vista. Na Padaria Francesa a partir de uma mesma massa fazíamos o biscoito amanteigado de várias maneiras e saía muito”. A exemplo do preparo do biscoito, a Padaria Francesa também foi máxima de sucesso a partir de diferentes gestores que, cada qual a sua maneira, sentiu o coração pulsar mais forte.
(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 16/08/2020)