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Doces Guerra e a fórmula da felicidade

Produtos que são lembrados como a ‘trilha sonora’ da infância dos consumidores

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As medidas das receitas se assemelhavam às notas de uma partitura. Seguidas com precisão, integravam composições que conduziam as emoções da plateia. A obra regia experiências individuais que, enlaçadas por uma vivência única, levavam os clientes a pedir bis. Depois da primeira mordida, difícil era parar no primeiro doce Guerra.

Os produtos são lembrados como a ‘trilha sonora’ da infância dos consumidores. A aposentada Maria Tereza da Costa, de 69 anos, conta que cresceu ao lado da fábrica, na Rua Doutor Sá Earp, onde reside até hoje. Um dos tesouros que guarda daquela época é o perfume da produção que invadia sua casa.

“Quando faziam do lado de lá a goiabada, que tem um cheiro gostoso e forte, o cheiro vinha na minha casa. Mamãe logo falava: ‘Hm, eles estão fazendo goiabada fresca. Vai lá buscar’. Aí a gente levava uma vasilha de casa e eles vendiam por peso aquela goiabada líquida. Ela vinha quente e passávamos na torrada e no pão”.

Local onde, durante décadas, a mágica acontecia. Foto: Bruno Avellar

Maria Tereza, caçula de nove irmãos, lembra também dos carros verde musgo que faziam a entrega das mercadorias e da empatia dos funcionários que tornaram possível que ela provasse ‘de tudo um pouco’. “Quando tínhamos dinheiro, comprávamos, mas, quando não, ficávamos por ali e eles acabavam nos dando de graça. Sempre foi assim. Era uma benção”, relembra enquanto a nostalgia toma conta de sua voz.

O aroma dos doces era, de fato, reconfortante. A empresária Vera Lúcia Guerra Azevedo, neta do fundador da fábrica, conta que bastava passar as férias no Rio e ter de conviver com a falta do ‘cheirinho com que foi criada’, que a saudade a atingia num piscar de olhos.

“Quem fundou a fábrica foi meu avô, Anysio da Silva Guerra, em 1915. No tempo em que eu ficava fora de Petrópolis, eu comia mais doces Guerra do que quando eu estava em casa, onde o aroma parecia me satisfazer”.

Vera explica que a produção era dividida em duas áreas: a confeitaria, que incluía os bolos, rocamboles, brevidade, bombocado; e o carro-forte, que eram os doces feitos a partir de frutas: bananada, pessegada, marmelada, goiabada.

“As frutas chegavam de sítios e fazendas. Eu arrebentava a madeira da caixa e pegava goiabas pra comer. Era uma delícia. Em suas respectivas épocas do ano, eles transformavam as frutas em polpa e colocavam em latões de 20 quilos, armazenados para o ano todo”.

E quando o assunto envolve os Doces Guerra, é impossível deixar de fora o doce miss, que marcou gerações de famílias petropolitanas. Feito com ovos e coco, era vendido tanto a quilo para que as pessoas o manuseassem, quanto já pronto. De um jeito ou de outro, a felicidade era garantida.

Um quintal de aventuras

Outra pessoa que acompanhou bem de perto o funcionamento da fábrica é a filha de Vera Lúcia, a advogada Gabrielle Guerra Azevedo. Aos 43 anos, ela se orgulha em dizer que foi a única bisneta a conhecer o ‘bivô’, fundador do empreendimento que, para ela, se igualava à magia e grandiosidade do filme ‘A fantástica fábrica de chocolate’.

Na imagem, Anysio da Silva Guerra. Foto: Arquivo Pessoal Gabriela Guerra Azevedo

“Imagina chegar na fábrica de doces do avô. Dava aquele orgulho. Era o máximo. Logo que você entrava, no primeiro prédio ficava a administração e a cozinha onde eu via os funcionários fazerem bala de coco. Depois, ao lado direito, ficava o varejo e, à esquerda, as batedeiras que faziam os bolos. Tinha uma rampa e a fábrica de embalagens. Como era uma empresa familiar, todo mundo morava ali nos arredores”.

Para o comerciante Carlos Montes, de 58 anos, a magia estava nas receitas dos produtos inigualáveis. Seu preferido era o pão de mel que, segundo ele, é diferente de tudo que já experimentou. Quem lhe dera voltar a ter aqueles instantes de felicidade, mesmo que por mais uma única vez.

“Até 2015 trabalhei como carteiro na área da Rua Dr Sá Earp. Nesse período, tive a oportunidade de conhecer o senhor Rubens Guerra. Ele fazia bolos para serem vendidos nos quiosques do Terminal Rodoviário no Centro e, quando a fornada não vingava, ele deixava eu levar quantos quisesse. Era o lanche da tarde nos Correios e raramente chegavam em casa”.

Como toda canção, a da fábrica de Doces Guerra chegou ao fim. Com o tempo, a família diz que se perderam também as fotografias antigas do estabelecimento e as receitas que por tanto tempo representaram uma doce melodia. A partir das criações do senhor Anysio, os doces despertavam sorrisos e cores onde chegavam. Afinal, não é à toa que dizem que a vida depende de quem a tempera.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 29/07/2018)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

30 Comments

  1. Olá, hoje, dia 30 de outubro de 2018, comentava com a minha amiga e manicure Fabiana sobre docinhos de aniversário e lembrei do olho de sogra que eu gostava muito quando era mais jovem, era feito com o doce miss e ameixa preta. Daí lembrei do doce miss e dos doces Guerra. Ela não sabia do que se tratava, eu disse como era mais ou menos e depois vim buscar na web, assim acabei encontrando essa matéria nesse blog. Deu saudades! E eu gostaria de comer um doce miss. Será que encontro em algum lugar aqui na terrinha (Petrópolis). Abraços e muito obrigada por manter a história viva.

    • Oi, Rita! Que surpresa boa ter vc por aqui! Vou te enviar um e-mail para conversarmos melhor. Muito obrigada pelo apoio!!

      • Parabéns Carolina eu sou Wanderley, 65 anos moro em Jundiai SP voce me emocionou com essa reportagem. trabalhei la iniciei com 14 anos fis de tudo naquela fabrica e por fim sai como vendedor
        Hoje tenho uma fabrica de doces em Jundiai
        Meu principal produto e CAROLINAS RECHEADAS.
        visite facebook.com/petitfourecarolinas
        Wanderley WhatsApp 11 9 9604 6359

        • Bom dia, Wanderley! Que alegria saber que a matéria chegou até você. Fico sempre muito feliz quando o estabelecimento que eu resgatei teve um papel importante na vida de quem lê a reportagem, ainda mais como no seu caso – tantos anos de história lá dentro. Já comecei a seguir a página, na expectativa por um dia experimentar as delícias que você produz 😍

      • Carolina Parabéns eu sou Wanderley, 65 anos moro em Jundiai SP voce me emocionou com essa reportagem. trabalhei la iniciei com 14 anos fis de tudo naquela fabrica e por fim sai como vendedor
        Hoje tenho uma fabrica de doces em Jundiai – SP
        Meu principal produto e CAROLINAS RECHEADAS.
        visite facebook.com/petitfourecarolinas
        Wanderley WhatsApp 11 9 9604 6359

    • TENHO MUITAS LEMBRANÇAS ,DOS DONOS DOIS FILHOS E O CARINHO QUE TINHAM CO TODOS E OS DOCES,( MISS) PÃO DE MEL..

      GOSTARIA DE TER AS RECEITAS PARA PODER COMELOS NOVAMENTE..PURA MAGIA.

    • Hoje será difícil fiquei sabendo que as receitas originais se perderam e uma pena eu gostava muito do pão de mel guerra até hoje não comi nada igual

    • Oi Priscila! Infelizmente não. Tentei resgatar a fórmula secreta com a família, mas descobri que a receita se perdeu com o passar dos anos.

    • Sou Neide, casada com Edinho filho da D. Tita -Amabile. Filha do Sr. Raul Guerra e Irene Fuga. Fui com eles visitar vcs. Glorinha… Seria fantástico retomar contato convosco. Moramos em SP. Minha cunhada, Aglae Guerra mora em Mogi das Cruzes e a Dona Janete, esposa do Sr. Anísio Guerra mora em Jacareí. Foi a linda Daniela, filha da Evelyn que nos recordou com está maravilhosa reportagem.

  2. Quando fomos de Minas para Petrópolis, em 1963, a coincidência nos brindou sobremaneira. Fomos vizinhos e muitíssimos amigos da família Guerra, seu Anísio, dona Glória, sua esposa, Anisinho, que foi colega do meu irmão Marcos, no Werneck, seu Eduardo, e Rubens, irmãos do seu Anísio…muitas saudades daqueles maravilhosos dias… Foi naquela vizinhança, também, que conheci Joana D’Arc, minha esposa e tantos amigos, como a família Dr. Júlio Pinto Duarte, sua esposa, dona Ivette, seus filhos, Júlio Cesar, Luís Felipe e Maria Cristina. A querida família Scudezzi, do meu velho amigo Zeca…todos sentindo o aroma delicioso e saudoso dos Doces Guerra do indefectível doce de abóbora, que eu adorava…

    • Oiê bom dia
      Sou Filha do Artur Guerra filho da dona Glória.
      Infelizmente eles não estão mais com agente.
      Mais fico muito Feliz de ver as pessoas falando muito bem da minha avó
      Obrigada

      • oie eu sou Wanderley hoje com 65 anos que felicidade ver essa reportagem moro em Jundiai-SP nasci em Petrópolis Minha infancia no Morin e aos 14 anos de idade fui trabalhar na fabrica de Doces GUERRA fis carreira la entrei como auxiliar de produção embalava as brevidades roncamboles nos espetos fechei as caixinhas de goiabadas depois fui pra expedição onde liberava mercadorias para os carros de entregas saia nas kombis com artur fasiamos bagunça com aqueles carros eu e o Artur filho do Sr Anyzinho recordações maravilhosas lembro do Sr Eduardo na loja comia Miss de coco escondido deles ia com o Sr Neves pra Treis Rios vender Saia com Sr Antonio no carro Verde e depois fui promovido a vendedor no lugar do Carlinhos Nos Sm ABC, ENSA e no Sm MERCI eu abri esse cliente para o GUERRA trenei o Barbosa pra vender eu vendia na casa D’angelo Tradicional da Pç D Pedro.

      • Eu sou Wanderley hoje com 65 anos que felicidade ver essa reportagem moro em Jundiai-SP nasci em Petrópolis Minha infancia no Morin e aos 14 anos de idade fui trabalhar na fabrica de Doces GUERRA fis carreira la entrei como auxiliar de produção embalava as brevidades roncamboles nos espetos fechei as caixinhas de goiabadas depois fui pra expedição onde liberava mercadorias para os carros de entregas saia nas kombis com artur fasiamos bagunça com aqueles carros eu e o Artur filho do Sr Anyzinho recordações maravilhosas lembro do Sr Eduardo na loja comia Miss de coco escondido deles ia com o Sr Neves pra Treis Rios vender Saia com Sr Antonio no carro Verde e depois fui promovido a vendedor no lugar do Carlinhos Nos Sm ABC, ENSA e no Sm MERCI eu abri esse cliente para o GUERRA trenei o Barbosa pra vender eu vendia na casa D’angelo Tradicional da Pç D Pedro.

  3. TENHO MUITAS LEMBRANÇAS ,DOS DONOS DOIS FILHOS E O CARINHO QUE TINHAM CO TODOS E OS DOCES,( MISS) PÃO DE MEL..

    GOSTARIA DE TER AS RECEITAS PARA PODER COMELOS NOVAMENTE..PURA MAGIA.

  4. Oi!
    Sou Clara de Castro da Silva Guerra!
    Não Conheci meu avô mais meus pais me falaram que era uma pessoa maravilhosa!
    Muito Obrigada pela reportagem !!
    me faz participar um poquinho dessa epoca Maravilhosa!

  5. Minha filhas, estão com 35 e 37 anos e sempre nos deliciamos com os doces de sua família. Gostaria de saber se ainda tem algum ponto de venda dos doces?

    • Boa tarde, Marlene! Infelizmente não. A fábrica fechou e, com ela, a produção, o que é uma pena porque não conheço um petropolitano que não sinta falta dos produtos Guerra!

  6. Fui aluno de Mário Guerra no Colégio Comercial Nossa Senhora de Piabetá. Lembro-me que ele, ainda jovem de vinte e poucos anos (meados da década de 70), descia a Serra de Petrópolis para dar aulas. Pergunto: ele é membro dessa família? O que é feito dele hoje?

  7. Sou neta de Raul GUERRA, irmao de Anysio da Silva Guerra, Em visita conheci a fabrica, qdo passava alguns dias lá, acordava com o perfume doces feito com muito carinho. Tia Jacumina preparava um belo café da manhã. Tempo bom. Pena que teve continuidade a fabrica de doces

  8. Que bacana essa reportagem.
    Morei por dois anos em Petrópolis, cerca de 44 anos passados.
    Morador do Rio, sempre que posso visito Petrópolis, para sentir aquela nostalgia e comento sobre o doce miss, simplesmente inesquecível.
    Que triste a receita ter se perdido.
    Apesar dos pesares o doce sempre estará presente em minha memória, como também o colégio EPA ( amigo de cadeira do atual Prefeito, que tb estudou lá), Clube Coral Concórdia, o Matadouro, o Rio no Vale dos Esquilos ( eu morava do outro lado do Rio), a construção do Estádio do Serrano ( soltei pipa lá, na época da terra planagem), Padaria na Av do Imperador, Doceira em frente a antiga Rodoviária… entre tantas outras recordações.
    Valeu muito a reportagem, obrigado.

  9. ah que legal esse artigo!! quando estava grávida morava em Mato Grosso do Sul e tive desejo imenso dos maravilhosos “Peitinho de Moça” e minha mãe foi até a fábrica, comprou uma caixa inteira e mandou pra mim de Sedex!

  10. Hoje em dia tem a Fábrica Doces Vizani, eles fazem o antigo Miss. É também uma experiência bem legal conhecer a fábrica!

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