A tradição da loja em liderar as vendas se assemelhava ao infalível canto de um galo. No atacado ou a varejo, a Casa tomava a dianteira. Assim como a ave, símbolo do despertar do dia, o estabelecimento representou a luz de quem lá encontrou soluções e motivos para comemorar.
A variedade de cores e tamanhos das mercadorias, que iam desde ferramentas e itens domésticos a roupas e calçados, fazia da Casa Galo uma festa. Pelo menos é essa a impressão que a advogada Heloísa Helena Weber Vaz tinha aos 4 anos de idade. Hoje aos 53, ela descreve o dia em que ‘fez compras’ pela primeira vez.
“Numa manhã de sábado, eu e minha mãe entramos naquele paraíso. Ela escolhendo o que achava necessário e eu encantada como sempre! Sem imaginar que era preciso pagar eu também escolhi uma leiterinha e saí com ela na mão. Descíamos a Rua do Imperador quando minha mãe percebeu e voltamos para devolver o objeto”, relembra.
Helena explica que o desfecho foi melhor do que imaginava: “O dono disse que sabia que minha mãe voltaria pois a conhecia bem. Todos riram, menos eu, que fiquei sem a leiteirinha amarela. Apesar disso, aprendi uma boa lição de honestidade e amizade. Continuamos indo às compras na Casa Galo, mas agora eu era responsável pelo pagamento, direto no caixa”.
Para a professora Ana Bailune, de 53 anos, acompanhar a família nas idas à loja era oportunidade para admirar as mercadorias. Ela confessa que eram os brinquedos que despertavam sua atenção, em especial o boneco ‘Joaquim’, que ficava pendurado no teto do estabelecimento.
“Ganhei dois. Um chamei de José Cláudio e o outro de Cláudio José. Eram iguais e muito feios, mas eu os achava lindos. Acho que eu gostava porque meu sonho era ter um Beto para a minha Susi. Meu pai não podia pagar por ele, mas pôde comprar o Joaquim. Eram brinquedos acessíveis para famílias com menos condições como a nossa”.
De acordo com Ana, a Casa era destino certo no Natal, Ano Novo e Carnaval. “Serpentina, confete, era tudo ali. A gente comprava pacotes e enfeitava a frente da casa toda. Minha mãe ficava louca”.
Garantia de festa e folia
‘A Casa Galo foi dona do Carnaval em Petrópolis’, afirma o ex-funcionário da loja, José Fernandes de Oliveira, de 83 anos. Ele, que trabalhou no negócio por 8 anos entre as décadas de 40 e 50, conta que a loja fornecia confete, serpentina e lança-perfume para clubes como o Serrano, Petropolitano, Magnólia, Internacional e Cruzeiro do Sul.
“A quantidade de confete, na Avenida, se igualava ao meio-fio. Chegava a afundar o pé. O sujeito comprava um saco de vinte quilos e, na própria porta da loja, gastava aquilo tudo”, diz fascinado.
José lembra ainda de uma oferta promovida pela Casa em parceria com o programa de calouros ‘Hora do Galo’, transmitido pela Rádio Difusora. Os ouvintes preenchiam um cupom antes da transmissão e ele explica o porquê:
“Quando um candidato cantava mal, o galo cantava, então o palpite era adivinhar quantas vezes ele cantaria. Aliás, minha mãe foi uma das vencedoras e ganhou um ferro elétrico de presente”, relata empolgado.
Com ele trabalhou a aposentada Léa Ferreira da Silva Fernandes, de 76 anos. Questionados sobre a relação entre funcionário e patrão, eles afirmam sem titubear: ‘era muito diferente’. Léa acrescenta: “No Natal e Ano Novo a gente jantava na casa deles, na Rua Floriano Peixoto, porque não dava tempo de ir em casa. Era muito movimento”.
José diz que foi numa dessas refeições que teve o primeiro contato com comida árabe. “Nunca tinha experimentado e hoje gosto muito”. Há 64 anos, ele está à frente da Casa do Povo, na Montecaseros. Ele a descreve com uma loja semelhante à Casa Galo, em menores proporções e afirma: “foi na Casa Galo que minha vida comercial teve início. Foi lá que aprendi a lidar com o público”.
Por trás dos balcões
Fundado em 1912, o empreendimento foi fruto da criação do libanês Eusébio Nassif. A família revela a história por trás do nome ‘Casa Galo’. “Em sua terra natal, o senhor Elias, pai do Eusébio, foi apelidado de ‘Dic’, por ser uma pessoa respeitada e com experiência de vida, o que traduzido do árabe significa Galo”, explica o senhor Juarez Nassif, neto do fundador da loja, hoje aos 87 anos.
O negócio, que chegou a ter três endereços: um no Itamarati, outro na Rua do Imperador e, por fim, na Praça da Inconfidência, funcionou até 1998 e chegou a se desmembrar na ‘Sentinela’, loja de ferragens pela qual Juarez ficou responsável até 2004.
Fotos: Arquivo pessoal Juarez Nassif
“A Sentinela foi fundada em 1954 e, quando o controle de mercadorias ainda não era informatizado, existiam quatro livros de preços, chegando a ultrapassar os 4 mil itens”, aponta ele.
Habituados a vê-la de portas abertas, funcionários e clientes precisaram se acostumar com a ausência da Casa Galo. Semelhante ao animal, tido por alguns povos como símbolo da esperança, a loja ensinava que para ser feliz, basta buscar a felicidade na simplicidade.
(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 19/08/2018)