Um século de turfe em Petrópolis: de pista no Alto da Serra ao Prado de Correas

Esporte teve uma longa – embora inconstante – história na Cidade Imperial

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No Brasil da primeira metade do século XIX não havia esporte. Mas, por volta de 1850, o turfe se tornou a primeira modalidade que conquistou os brasileiros. Corridas de cavalo, claro, já aconteciam desde os tempos da colônia. Mas nos anos 1850 incontáveis modismos chegavam da Europa e, dentre eles, as “corridas à inglesa” – isto é, o turf, com regras e penalidades claramente definidas, critérios para definir o traçado das pistas, juízes, cronometragem, animais selecionados e incontáveis termos em inglês. As corridas iriam se tornar um passatempo importante para as classes abastadas, transformando os páreos, para além de uma disputa esportiva, em um evento social. O turfe se propagou a partir do Rio, com a criação do Prado Fluminense, em 1853. E Petrópolis, destino de veraneio das elites, não ficaria imune à moda.

Foto: Reprodução/Fon fon – 1917

Em julho de 1856, o Correio Mercantil publicou o comunicado de uma certa Sociedade de Corridas de Petrópolis, informando os páreos programados para aquele mês. Não se informava os locais das disputas – mas há registros de época sobre corridas em estradas de Itaipava, Retiro e ruas no Centro, como na Avenida de Dom Afonso (a atual avenida Koeler). Em setembro, o mesmo jornal registrava a existência de um Jockey Club Petropolitano, que já teria promovido pelo menos duas corridas. No ano seguinte, sob a presidência de Thomás Porciúncula, a associação empreendeu a construção de um hipódromo em Fragoso (que à época, como Petrópolis, integrava o município da Estrela), próximo à fábrica de pólvora e ao lado da estação da Estrada de Ferro de Petrópolis.

Para chegar ao prado de Fragoso, vindos do Rio, os aficionados tinham de tomar a barca para Mauá e, de lá, embarcar no trem da Estrada de Ferro de Petrópolis. Inaugurada em 1854, a primeira ferrovia do Brasil ainda era uma novidade e, por isso mesmo, a breve viagem nos 14 quilômetros entre Mauá e Fragoso era uma “diversão” à parte. Restaurantes e hotéis ofereciam conforto aos visitantes. Ainda assim, a iniciativa não deu certo. Em artigo publicado no Diário do Rio de Janeiro, em agosto de 1857, um cronista observava que o turfe deveria ser, principalmente, “um divertimento oferecido à sociedade elegante” – mas, segundo ele, as inciativas dos petropolitanos em Fragoso ainda “estiveram muito longe das de um Jockey Club fashionable (“elegante”).

Promover uma corrida de cavalos não era uma tarefa fácil. Além de transportar os animais e torcer por dias de sol (se chovesse as corridas eram suspensas), os organizadores precisavam controlar as apostas e encontrar bons cavaleiros – o que nem sempre era simples. Havia, sim, quem entrasse na disputa pelos prêmios em dinheiro (assumindo o papel de jockey), mas não eram profissionais como hoje. E havia também os amadores, que concorriam apenas pelo prazer do esporte, motivo pelo qual eram denominados gentlemenriders (“cavaleiros cavalheiros”). No primeiro páreo disputado em Fragoso em 1857, por exemplo, o grande prêmio para os amadores era um singelo copo de prata – talvez uma modesta “prévia” das opulentas taças que ainda hoje são oferecidas aos vitoriosos. 

Nas décadas seguintes haveria outras disputas esporádicas nas ruas e estradas de Petrópolis, especialmente em Itaipava. Entre 1888 e 1891, uma pista de corrida funcionou no Alto da Serra, o Prado Villa Thereza – mas tratava-se “apenas” de uma reta com um quarto de milha (aproximadamente 400 metros) disposta no que hoje é a Avenida Coronel Albino Siqueira.

Foto: Reprodução/Gazeta de Petrópolis

Em abril de 1892, porém, a cidade imperial enfim teria um hipódromo: o Derby Petropolitano, inaugurado em Corrêas. O nome (que serviu e ainda serve a vários hipódromos) tinha origem em Edward Derby, conde de Stanley, que em 1780 deu início ao turfe na Inglaterra – nome que, com o tempo acabou se tornando sinônimo de disputa esportiva.

Foto: Reprodução/O Tempo – 1892

O Derby de Corrêas ocupava uma área de aproximadamente 6 mil metros quadrados, entre o rio Piabanha e a Estrada União e Indústria, na região até então conhecida como Engenhoca (e que hoje, não por acaso, é denominada Prado). De início, o hipódromo não atraiu um grande público e iria fechar em alguns meses. Mas, dois anos depois, e após uma severa reforma, o dérbi iria reabrir em grande estilo.

Foto: Reprodução/Sports – 1916

Em 1894, o presidente do Estado, José Porciúncula, e outras autoridades, bem como veranistas endinheirados, foram a Corrêas para a festa de reinauguração daquele que o jornal O Tempo iria definir como “o prado do high life” (“alta sociedade”, em uma tradução livre). À entrada do hipódromo, duas cabeças de cavalo, forjadas em ferro, enfeitavam o portão principal.

Foto: Reprodução/Revista Theatro & Sport

Foi erguida uma arquibancada (com 111 metros de comprimento), feita de alvenaria e madeira trabalhada, com ornamentos de ferro e zinco feitos na fábrica Coutelier, de Paris. Além disso, havia um salão para refeições (ou “sala de lunch”) e asseados toilettes. Bem ao lado da pista foi erguido um pavilhão, com oito metros de largura, destinado a altas autoridades.

Foto: Reprodução/Revista da Semana – 1916

Nos meses seguintes, cronistas eventualmente comentavam, na Gazeta de Petrópolis, que os páreos haviam atraído “numerosa e brilhante sociedade ao poético prado”, ou sobre sua “animada e seleta” plateia. Notícias sobre as corridas também informavam sobre como estavam “repletas as arquibancadas e as tribunas dos convidados dos mais formosos representantes do belo sexo e cavalheiros dos mais distintos de Petrópolis e do Rio”, bem como sobre a presença de “muitas famílias da melhor sociedade”. Como neste exemplo:

“Foi, sem dúvida, a corrida de domingo último a mais brilhante e frequentada que esta sociedade tem realizado. As arquibancadas ofereceram um aspecto alegre e animado pela presença de grande número de senhoras, vestidas de belas e elegantes toilettes(Gazeta de Petrópolis, 24 de junho de 1896).

Foto: Reprodução/Fon fon – 1916
Foto: Reprodução/Fon fon – 1912

Mas, claro, não era só a high life que animava os domingos no Prado de Corrêas. Outro cronista da Gazeta, à época, também criticava: “O desvairamento pelas corridas tem se desenvolvido entre nós de uma maneira descomunal, mais pelo jogo desenfreado (…) A multidão aflita que enche as arquibancadas está ali do mesmo modo que num salão onde existisse uma grossa jogatina (…) Andar uma criatura às carreiras, botando os bofes pela boca, acotovelando-se na gare [estação ferroviária] para, afinal, voltar cheio de decepções e tristezas (…) Ah! Somente a paixão!”

Nos dois anos seguintes foram realizadas 22 corridas mas, em 1896, o público começava a escassear. Outro comentarista da Gazeta de Petrópolis avaliou os motivos: “A situação afastada do prado e a dificuldade de condução. Muitas pessoas deixam de ir lá por verem-se obrigadas a assistir às corridas até o final, que é quando passa o trem de ferro, ou alugar um carro, o que é caríssimo”. Além disso, a publicidade falhava: “A maior parte da população ignora totalmente os dias de corrida”. Para piorar, em fevereiro de 1897 um forte temporal de verão fez o Piabanha transbordar, alagando o prado: “No Derby Petropolitano as águas atingiram a altura de dois metros”, registrou a Gazeta.

Foto: Reprodução/O Tempo – 1916

Fosse por estes ou por outros motivos, o fato é que o Derby Petropolitano nos anos seguintes iria fechar e reabrir suas portas algumas vezes até janeiro de 1916, quando o Prado de Corrêas teve mais uma reinauguração. Além dos trens em horários extras, o público já podia contar com os bondes. A “sala de lunch” foi ampliada: “O serviço de bar e restaurante pode ser considerado superior ao serviço feito nos prados da capital”, assinalou a revista Theatro & Sport. A reabertura foi marcada pela presença de Nilo Peçanha, presidente do Estado e ex-presidente da República, além de várias autoridades e representantes do corpo diplomático. 

Por isso, para os cariocas dos anos 1910, poucos programas de domingo seriam mais “elegantes” do que assistir às corridas de cavalos no Derby Petropolitano. Os entusiastas embarcavam de manhã no trem para Petrópolis, na estação da Praia Formosa (perto da atual Rodoviária Novo Rio), e saltavam no prado de Corrêas. Figurões do mundo da política e damas da alta sociedade passavam o dia torcendo, nas arquibancadas, ao lado de populares. Após o último páreo, no fim da tarde, podiam embarcar em Corrêas no trem de volta ao Rio.  

Foto: Reprodução/Fon fon – 1916
Foto: Reprodução/Fon fon – 1916
Foto: Reprodução/Fon fon – 1916

Nos anos 1920 o prado foi o local das primeiras partidas de um novo esporte no Brasil: “O pólo foi iniciado entre nós mais ou menos em 1923. Jogava-se em Petrópolis, no prado de Corrêas”, informou O Jornal, em 1930. Nos anos 30, houve alguma decadência, mas o dérbi ainda prosseguiu alguns anos como uma referência do turfe no Rio: “O prado de Corrêas regurgitou de aficionados do hipismo. Pena é que ainda não se conseguisse elementos para a reorganização total daquele centro de diversões que tanta animação e movimento teve em tempos passados”, observou o Jornal do Brasil em novembro de 1934. No fim da década, o Derby Petropolitano fechou novamente – e, desta vez, durante 10 anos.

Em 31 de dezembro de 1949 começava o último capítulo da história do turfe na cidade imperial, quando o prado de Corrêas foi mais uma vez reinaugurado, agora como sede do Jockey Club de Petrópolis. Considerado como pista “auxiliar” do Hipódromo da Gávea (inaugurado em 1937), o circuito de Corrêas também foi bastante frequentado por representantes da elite política e econômica. Na pista era possível assistir ao desempenho de animais e cavaleiros, brasileiros e estrangeiros, de grande fama – dentre os quais o legendário jóquei Luiz Rigoni. Mas problemas administrativos, querelas judiciais e políticas (em que até o presidente Getulio Vargas iria intervir) fizeram o JCP ter uma vida bastante inconstante – abrindo e fechando suas portas por três vezes em apenas seis anos. Em 1956, exatamente um século após as primeiras corridas promovidas pela Sociedade de Corridas de Petrópolis, a cidade imperial, enfim, assistiria a seu último páreo.

Fotos: Museu Imperial/Ibram/MinC – Reprodução/Beatriz Tallon

Eduardo de Oliveira

Eduardo de Oliveira iniciou sua carreira na “Tribuna de Petrópolis” em 1987. Depois, trabalhou nos jornais “O Dia”, “O Globo” e na sucursal carioca da revista “Veja”. Desde 2002 é professor universitário, na graduação em Jornalismo. É mestre em Ciência Política pela UFRJ e doutor em História pela Fundação Getúlio Vargas.

3 Comments

  1. Eduardo, parabens pela sua pesquisa e narrativa.
    Tive informações via meu velho pai q. Getulio Vargas veio ao Prado em avião especial ( Teco-teco) assistir a uma prova especial.
    Quanto a enchentes , assisti a uma no local( não era mais Hipódromo) em 1961 q foi muito intensa, obstruindo a passagem da União Industria.

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