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O coração em emoção na Papelaria Petrópolis

Como tinta em papel, o ambiente familiar deixava sua marca em seus frequentadores e funcionários

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Sem indicação, a embalagem provocava reação. Listrado, o papel fazia ecoar um coração em emoção. Verdes e brancas, as linhas do embrulho traduziam o orgulho de quem, com ele em mãos, fazia barulho. Causada pela Papelaria Petrópolis, a sensação provocada pela compra era revigorante e eletrizante.

A essência do pacote estava em sua aparência. Indispensável, se tornou indício confiável de que uma fina camada de papel separava o comprador de sua ambição. A empresária Ariane Ferreira, de 56 anos, relembra os pormenores que faziam da aquisição tão especial, como o cheiro característico do local.

“Eu gostava tanto daquele cheiro da papelaria que nem me importava se ela estava lotada. Trabalhei minha vida toda em gráfica, então acabou que atraí aquele aroma. Lembro também da máquina de puxar durex que existia na papelaria. Ela era grande, prateada e tinha uma alavanca. Eu achava aquilo um máximo”.

Como aponta Ariane, a oferta da época não chegava nem a 10% do que se vê hoje, mas ainda assim fazia a alegria da criançada. No início do ano letivo, então, nem se fala. Ou melhor, era justamente nessa época que os pedidos da meninada falavam alto. Só não mais que as contas dos pais.

“Meu pai tinha um escritório de contabilidade, então tinha conta lá na Papelaria Petrópolis, mas eu não podia abusar. Sei que eu saía de lá e passava na loja do meu avô, que era a Casa do Sapateiro, na 16 de março, para pedir uma pasta nova para o colégio, mas não adiantava. Ele só me dava de dois em dois anos”.

Recheado de novidades, o pacote listrado da Papelaria Petrópolis era de fazer perder o sono. A clínica geral Marcia Maria Gazineu Machada, de 65 anos, volta à noite em que, aos seis anos de idade, estava prestes a ter seu primeiro dia de aula e, ansiosa para ter seu próprio material escolar, mal pregou os olhos.

“Eu era a filha mais nova de cinco irmãs, então quando entrei na escola, todas as minhas irmãs já estavam estudando. A ansiedade foi tamanha que houve um episódio de sonambulismo. Me arrumei toda e fui pega de manhã pela minha mãe no portão, dormindo em pé. Eu de uniforminho segurando minha pastinha”.

Num tempo em que os materiais a que se tinha acesso eram padrão, por mais simples que fossem, eram eles as distrações dos pequenos. A professora Lucia Maria Marques Corrêa, de 73 anos, relembra suas compras com o senhor Davi e a forma como, num período em que praticamente não havia tecnologia, era papel e caneta que os mantinha entretidos.

“Lecionei por dez anos e frequentei a papelaria entre as décadas de 60 e 70. Sou do tempo em que as professoras faziam todo o material didático, colavam, remendavam, então eu sempre tinha muita coisa para comprar e fazer: lembrancinhas para ocasiões especiais, fantoches, murais. O senhor Davi era meu grande fornecedor”.

Simpático e cortês, era também no atendimento de seu proprietário que a papelaria conquistava e mantinha a clientela: “Quando eu chegava, ele já vinha com aquela simpatia de sempre, me falando das novidades. Era uma atenção constante. Eu dava aula em bairros, mas como morava no Bingen, ia para a avenida e aproveitava para passar lá”.

Fotos: Reprodução Internet – Bruno Avellar

Duradouro, como tinta em papel

Como tinta em papel, o ambiente familiar deixava sua marca em seus frequentadores e funcionários. O historiador e empresário Ailton Alves Soares Junior, de 46 anos, recorda os 11 anos em que trabalhou no negócio do avô. Como ele mesmo descreve, “polido, dinâmico e educado”, o saudoso senhor Davi era quem dava vida ao empreendimento.

“Meu avô era de São José do Vale do Rio Preto. Ele foi sócio da Papelaria Dom Pedro, saiu da sociedade e montou a Papelaria Petrópolis. Abriu em 1949 e funcionou até 1994. Foram três gerações: a do meu avô, meu pai, Ailton, e eu. Nós também tínhamos a Gráfica Petrópolis, que fabricava grande parte dos impressos vendidos na papelaria”.

Completa e diversificada, a oferta de produtos da papelaria, que funcionava também como livraria, englobava, segundo ele, desde material de escritório, desenho, engenharia, arquitetura e pintura, a livros de culinária, direito, contabilidade e dicionários de termos técnicos.

“Vendíamos muito no Dia das Mães e no Natal. Eram outros tempos, então presenteava-se a pessoa com canetas, livros, papel de carta. Algo curioso é que até 1990 nós fechávamos para almoço, de meio dia às 13h30, algo inimaginável nos dias de hoje”.

Concorridos, os livros saíam das prateleiras e iam direto para as estantes de renomados advogados petropolitanos, por exemplo. É o que explica o empresário Sérgio Luiz Maiworm, de 67 anos. Tendo trabalhado na Papelaria Petrópolis dos 16 aos 39 anos, ele reaviva sua trajetória de vendedor a gerente de loja.

“Aprendi muito lá. Eu não almejava e nem sonhava em abrir uma papelaria, mas aconteceu e, graças a Deus, deu certo. Saí da Papelaria Petrópolis no final da década de 80 e abri uma lojinha que foi se desenvolvendo e se tornou o que é hoje: a Semadri. Seu Davi foi sempre uma pessoa gentil. Um patrão rígido, mas hiper gentil com todo mundo”.

Sem logomarca, a embalagem da papelaria falava por si só. De acordo com Sérgio, de tão tradicionais, as listras verdes e brancas eram associadas ao negócio. Também natural, pelo menos para o servidor público federal Luiz Otávio Pereira, de 56 anos, era o hábito de arrumar as mercadorias sempre que passava por lá com seu pai, Arthur Pereira.

“Meu pai era muito amigo do doutor Davi. Uma vez ao mês ele fazia uma visita à papelaria. Eu ia pro estoque e arrumava tudo quanto era borracha e lápis. Se me deixassem eu ficava naquilo o dia todo e na saída sempre tinha o presente pela arrumação. Me lembro também que o senhor Davi era careca e colocava os óculos bem no final da testa”, diz rindo.

Divertidas, as idas à Papelaria Petrópolis eram sentidas. Transmitidas, no papel adquirido ou no coração em emoção, as compras repercutiam e envolviam o cliente.

(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 31/03/2019)

Carolina Freitas

Jornalista e escritora, Carolina Freitas se dedica ao resgate e à valorização da memória petropolitana a partir da produção de reportagens e curtas-metragens sobre a história, o comércio, e a vida da cidade.

2 Comments

  1. Ótimas lembranças da Papelaria Petrópolis. Ansiava quando chegavam os meus livros da escola e eu ia lá buscar. O cheiro de papel, os livros – alguns tenho até hoje, as canetas e lapiseiras.
    Lembro também quando meu tio encomendou a coleção completa do TinTin. Fiquei uma semana inteira devorando ansiosamente cada fascículo.
    Que saudade!

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