Em 1934, Petrópolis se mobilizou para fazer da cidade capital do Brasil: ideia foi recebida com euforia pelos petropolitanos

As sedes dos três poderes estariam em Petrópolis – e é tentador imaginar onde, na Cidade Imperial, poderiam ser instaladas a presidência da República, o Congresso ou o STF

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O conteúdo a seguir é de autoria do jornalista Eduardo de Oliveira. Ele iniciou sua carreira na “Tribuna de Petrópolis” em 1987. Depois, trabalhou nos jornais “O Dia”, “O Globo” e na sucursal carioca da revista “Veja” no Rio de Janeiro. Desde 2002 é professor universitário, na graduação em Jornalismo. É mestre em Ciência Política pela UFRJ e doutor em História pela Fundação Getúlio Vargas.

Em maio deste ano Eduardo colaborou com o Petrópolis Sob Lentes pela primeira vez na condução da pesquisa e escrita do artigo “Na Primeira Guerra Mundial, desconfiança perante alemães levou a saques e vandalismo em Petrópolis”. Sucesso, a parceria já rende novos frutos. Desta vez, o jornalista, que foi meu professor na universidade, nos presenteia com detalhes do projeto que buscou tornar Petrópolis a capital do Brasil em 1934.


Há 90 anos, Petrópolis viveu, por algumas semanas, o sonho de se tornar a capital do Brasil. Era essa a proposta do deputado federal Francisco Solano da Cunha, de Pernambuco, que em 1934 atuava na comissão de Estados, Territórios e Distrito Federal, da assembleia constituinte. A proposta gerou alguma polêmica e, como se sabe, não foi adiante. Mas, até que fosse votada, criou para os petropolitanos a esperança de que sua cidade seria a sede do governo federal.

A ideia de transferir a capital da cidade do Rio para o interior não era nova. Durante os trabalhos para a elaboração primeira Constituição brasileira, José Bonifácio já havia proposto, em 1823, que a sede do poder fosse instalada no interior do país. A proposta foi retomada na segunda assembleia constituinte, de 1890, e a Constituição de 1891 previu a transferência, para Minas ou Goiás. E, em 1934, ela era mais uma vez discutida, na terceira assembleia, momento em que o deputado Solano apresentou sua ideia através de um projeto substitutivo.

Foto: Revista da Semana

Este substitutivo previa a reformulação do território do Distrito Federal: além do município do Rio, ele iria englobar Petrópolis e a faixa de terra, entre as duas cidades, limitada pelas estradas Rio-Petrópolis e Leopoldina Railway, acrescida de duas faixas laterais de 150 metros. As sedes dos três poderes, no entanto, estariam em Petrópolis – e é tentador imaginar onde, na cidade imperial, poderiam ser instaladas a presidência da República, o Congresso ou o STF. A ideia tinha apoio de uma parcela da classe política, mas também contrariava representantes de Minas e Goiás (que usavam a Constituição de 1891 como argumento) e até do Estado do Rio, onde o interventor (exercendo o papel de governador) criticava: “Não seria razoável que o Estado do Rio perdesse um de seus mais ricos e encantadores municípios”, observou Ary Parreiras.

Solano, porém, lembrava a inconveniência de se construir ou mesmo transferir a capital do Brasil para um interior ainda desprovido de estradas e infraestrutura – ao passo que Petrópolis já dispunha de um considerável patrimônio arquitetônico, fácil acesso e comunicações regulares. Sem contar o fato de a cidade transformar-se, anualmente, no virtual centro do poder nacional, durante os veraneios presidenciais. O clima e a beleza natural, segundo o deputado, eram outros fatores que fariam a cidade ser uma capital ideal: “Petrópolis é, no Brasil, a cidade privilegiada para os homens de gabinete e para os trabalhos de pensamento”, acreditava Solano, que criticava a proposta de uma nova capital muito distante do Rio:

“Imagine a visita de um chefe de Estado estrangeiro, a reunião de um congresso científico ou de uma conferência internacional no centro de Goiás: uma viagem de quatro dias por serras e grotões, viajantes cobertos de poeira e por um sol ardente, almoçando e jantando poeira, poeira e poeira”, avaliava Solano.

Nos primeiros meses de 1934, ele acreditava que seu projeto da capital em Petrópolis teria os votos da maioria dos parlamentares, “a menos que tivessem enlouquecido”. Figuras de relevo no governo, como o influente ministro Oswaldo Aranha, também manifestaram apoio à proposta.

A ideia foi recebida com euforia na cidade imperial. Figuras notáveis da sociedade local rapidamente formaram um “Comitê Pró-capital em Petrópolis”, constituído de representantes do comércio e indústria, além de jornalistas e políticos. Desejando criar pressão para que a proposta fosse aprovada na assembleia constituinte, o comitê convidou o deputado Solano para uma visita à cidade, na qual os petropolitanos iriam tentar arrebatar um poderoso aliado para a causa: o chefe do governo provisório, Getulio Vargas, então instalado do Palácio Rio Negro para o veraneio. 

Foto: Noite Ilustrada

No dia 28 de fevereiro de 1934, Petrópolis parou: comércio, indústria e escolas não funcionaram para que o deputado Solano fosse recebido em grande estilo. Uma multidão aguardava sua chegada na estação da Leopoldina: jornais da época estimaram de 6 a 8 mil pessoas – contingente considerável para um município que tinha em torno de 70 mil habitantes. O parlamentar viajou em trem especial e, ao desembarcar, às 15h15, foi recebido com uma chuva de pétalas de rosas, banda de música e, claro, com discursos protocolares e efusivas manifestações do público.

Foto: Diário de Notícias, 1 de março de 1934

Outra chuva, agora de verdade, atrasou um pouco a programação da visita, que inicialmente consistiu em conduzir o deputado Solano ao Palácio Amarelo (sede da prefeitura e da Câmara dos Vereadores) para um encontro com o então prefeito, Yêdo Fiúza. Dali a comitiva partiu para o Palácio Rio Negro, onde Solano, Fiúza e representantes do Comitê Pró-capital em Petrópolis se encontraram com Vargas. O resultado talvez não tenha sido o esperado: Vargas elogiou Petrópolis e louvou o projeto de transferência, mas lembrou que a decisão era da assembleia constituinte, na qual (ou, ao menos neste caso) ele não pretendia interferir.

Solano e sua comitiva deixaram o Rio Negro em direção à Rua João Pessoa (atual Nélson Sá Earp) e, depois, à Avenida Quinze de Novembro (Rua do Imperador), onde seria oferecido um jantar ao deputado, no Hotel Central (perto da estação, onde hoje estão a travessa Vereador Prudente Aguiar e o Edifício Vitrine). Também aí houve mais discursos e homenagens, encerrando um dia que testemunhou a maior das manifestações populares de Petrópolis até então. Semanas depois, no entanto, a proposta de Solano foi derrotada na assembleia constituinte. E a inauguração de Brasília, 25 anos depois, iria sepultar de vez o sonho, tão intenso quanto breve. 

Eduardo de Oliveira

Eduardo de Oliveira iniciou sua carreira na “Tribuna de Petrópolis” em 1987. Depois, trabalhou nos jornais “O Dia”, “O Globo” e na sucursal carioca da revista “Veja”. Desde 2002 é professor universitário, na graduação em Jornalismo. É mestre em Ciência Política pela UFRJ e doutor em História pela Fundação Getúlio Vargas.

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