Como os antigos petropolitanos se divertiam? Embora criada como uma colônia agrícola, Petrópolis desenvolveu-se, principalmente, como um lugar de lazer – devido aos veranistas. E, para além do clima e das belezas naturais, inúmeras opções de entretenimento iriam surgir, entre os primeiros anos da “imperial colônia” e as primeiras décadas do século XX. Algumas delas hoje talvez pareçam prosaicas ou inusitadas. Ainda assim, cada uma em seu tempo refletiu modos de ser e pensar e marcou a memória de gerações.
Os primeiros teatros e os salões
Em 1857, ano em que Petrópolis foi elevada à condição de cidade, um ufanista cronista do jornal local O Mercantil avaliava: “O que nos faltará, pois? Temos uma estrada de ferro e duas companhias de carros para o trânsito na serra. Temos um telégrafo; temos duas tipografias; temos sociedades de baile; temos um clube de corridas; e, finalmente, um teatro”. Ele se referia ao Theatro Progresso Petropolitano que, embora aberto em dezembro de 1857, teve uma inauguração de gala em 14 de março de 1858, aniversário da imperatriz Teresa Cristina, que compareceu ao evento ao lado de Pedro II.

As cortinas se abriram e duas comédias e um número musical marcaram a inauguração. Um outro cronista de O Mercantil descreveu: “Petrópolis sente a mais completa carência de divertimentos durante a noite (…) Examinei o teatro. É realmente pequeno, todas suas proporções são extremamente acanhadas. Entretanto, para um teatro provisório e improvisado, está muito bom”.
Ainda assim, no fim do ano, O Mercantil observaria que mesmo “Niterói, que é a capital da província do Rio, não tem hoje seu teatro dramático tão concorrido como o de Petrópolis”. As aglomerações, porém, despertavam preocupações para a polícia, a ponto de o comissário local mandar publicar, em jornais, que no Progresso Petropolitano estava proibida a entrada “com bengalas e chapéus de sol” (as atuais “sombrinhas”). Ele também recomendou aos frequentadores “a ordem, decência e silêncio necessários”.
O Progresso Petropolitano funcionou até 1866, ano em que foi vendido e rebatizado como Theatro Petropolitano. Não há imagens conhecidas da sede. Mas, ao menos, sabe-se sua localização aproximada: segundo o pesquisador Guilherme Auler, o imóvel situava-se no prazo 103, fronteiro à rua do Imperador – aproximadamente onde hoje se situam os números 1034 e 1044. Um sobrado, fotografado nos anos 1930 neste local, talvez ilustre um pouco da aparência do primeiro teatro de Petrópolis.

O Theatro Petropolitano encerrou suas atividades em 1878. Enquanto isso, apresentações artísticas seguiram acontecendo no Hotel Bragança, o maior e um dos mais antigos de Petrópolis, Tratava-se, porém, de um espaço limitado. Em 1880, também na rua do Imperador (no número 98, onde hoje existe uma loja de bijuterias), seria criado o Theatro da Floresta – que iria sobreviver por pouco mais de 30 anos como a mais popular casa de entretenimento da cidade. Quase vizinho ao Floresta, surgiria, em 1889, o Cassino Dona Isabel (no número 122), onde também aconteciam apresentações teatrais.

Ambos iriam sobreviver até meados da década de 1910. Em 1914, um incêndio atingiu algumas edificações no quarteirão, incluindo o Floresta e o Dona Isabel, já então rebatizado como Cassino Fluminense. Coincidência ou não, em 1894 já havia sido criado, também na rua do Imperador (número 970) o Theatro Fluminense, localizado onde hoje está o edifício Profissional – e que, ao fim do século, anunciava-se como o “mais vasto do Estado”.
É natural imaginar que teatros tivessem comédias e dramas como suas principais atrações. Mas, como também funcionavam como salões, houve muito mais: números de canto, de dança, instrumentistas, bandas, corais, concertos, declamação de poesia, quermesses, ventriloquismo, mágica, tiro ao alvo, acrobacias, pantomimas, malabarismo, ginástica, bailes, leilões, saraus, prestidigitação, taumaturgia, ilusionismo, hipnotismo e até uma tournée de esgrima também constituíram os programas até as primeiras décadas do século XX.
E ainda havia espaço para algumas atrações bizarras. Em 1876 foi anunciada em O Mercantil a “aparição da cabeça de uma menina” em uma “caixinha de 25 centímetros quadrados a qual come, bebe e fala com o espectador”. A atração, possivelmente resultado de algum jogo de espelhos, era exibida em uma casa particular e conduzida por um certo “professor Gris D’Apremmont”. Segundo o anúncio, “sendo sobretudo moral e decente este espetáculo” era particularmente interessante para as crianças.

Houve outras “atrações” inusitadas. O Cassino Dona Isabel, por exemplo, em 1890 anunciou a exibição de um “fenômeno”, uma “raridade nunca vista”: um anão de 55 anos e 80 centímetros de altura, que ficava exposto à curiosidade dos visitantes antes do início dos bailes. Os anões parecem ter sido especialmente interessantes naquele fim de século, porque em 1900 uma “família de pigmeus” (na verdade, anões, que teriam vindo do Norte do Brasil), composta por três casais, apresentou-se no Salão da Floresta: “O espetáculo será dos mais curiosos possíveis”, informava anúncio da época.
Embora os artistas brasileiros – profissionais e amadores, de cantoras líricas e atores a palhaços e mágicos – tivessem grande destaque, dividiam a atenção do público estrangeiros, notadamente companhias europeias que, em geral, já haviam se apresentado no Rio. O nome mais marcante naquele fin de siécle provavelmente foi o do francês Faure Nicolay, famoso em seu tempo, que já havia mostrado seus números para várias cabeças coroadas na Europa e que também se apresentou em Petrópolis, em 1876 e 1891.

A popularidade dos teatros prosseguirá ao longo do século XX, embora haja alguma redução de público em paralelo à popularização dos cinemas. Os salões, que desde o século XIX eram tradicionais espaços de festas, bailes e apresentações artísticas, por sua vez, pouco a pouco perderam a razão de ser devido ao surgimento de grandes salas de cinema e grandes clubes, como o Serrano, com sedes próprias para seus eventos.
‘Brinquedos’, ‘geringonças’ e os primeiros cinemas
Mas nem só de artistas vivia o lazer dos petropolitanos de antigamente: aparelhos óticos, alguns com nomes bem pitorescos, também chamavam a atenção do público. Houve, por exemplo, um megascope (projetor de imagens estáticas em uma tela) no Progresso Petropolitano em 1859. Ele exibiu imagens dos “principais rios, monumentos, castelos, posto de mar e cascatas da Europa e da América; mudando-se do dia para a noite, do verão para o inverno com caída de neve, moinhos em movimento, correnteza de água, sendo obras das melhores pinturas de França, Itália e Inglaterra”. Similares ao megascope, embora mais antigos, também foram apresentados em Petrópolis o silforama e a “lanterna mágica”, surgida em fins do século XVIII na Europa e que, mesmo na década de 1880, ainda tinha público nos teatros petropolitanos.

Em 1872, um cosmorama funcionou na rua do Imperador. Tratava-se de uma grande caixa, com orifícios, por onde o visitante poderia ver imagens estáticas, através de uma lente. O proprietário do aparelho informava que ele exibia “vistas das principais cidades da Europa e da América, ditas das últimas vitórias da guerra entre Prússia e França, bem como campanhas da Itália, Sebastopol, naufrágios e combates navais”.
Quatro anos depois, anunciava-se a chegada, no Theatro Petropolitano, de um poliorama – isto é, uma câmera portátil, com uma lente através da qual eram exibidas imagens de cartões impressos e pintados. Os cartões eram elaborados de forma a mudar de aparência, dependendo da incidência luz e do ângulo de abertura, criando a ilusão de mudança de cena (por exemplo, de dia para noite). Um anúncio sobre o poliorama no Theatro Petrópolis informava que ele era iluminado por uma geringonça com “gás hidrogênio”, que criava uma “luz quase igual ao sol”.

No Theatro Petropolitano foi apresentado, em 1877, um diorama – representação tridimensional em miniatura, tal como uma maquete, que recria cenas ou paisagens, com objetos, “pessoas” e “animais”, muitas vezes em movimento.
No ano de sua inauguração, em 1880, o Floresta abriu espaço para “a celebrizada máquina de falar denominada fonógrafo”, que “reproduz fiel e claramente a voz humana” e que havia sido patenteado por Thomas Edison, apenas dois anos antes. O proprietário do aparelho, um certo Militão Olympo, autointitulado professor de física e química, “além da exibição (…) diverte o auditório com experiências de química que instruem e deleitam”.
O fonógrafo, um antepassado dos gravadores, ainda era inacessível para a maioria das pessoas – mas, em 1898, o Salão Fluminense anunciava que “encarrega-se de levar este aparelho em casa das exmas. famílias”. As gravações eram feitas em cilindros de cera, e por isso era oferecida “grande quantidade de cilindro em branco para as pessoas que queiram reproduzir a voz”.
Em 1897 aconteceram no Theatro Fluminense as primeiras exibições do cinematógrafo – e, nelas, filmetes que teriam sido os primeiros feitos no Brasil. Tratava-se, segundo a Gazeta de Petrópolis, de um “estupendo aparelho que reproduz a fotografia animada com alternativas de nitidez”, e que “deu-nos alguns quadros verdadeiramente fantásticos, onde tudo concorre para a mais completa ilusão dos sentidos”. Em 1905, o Fluminense anunciaria ainda “a maior novidade do mundo”, que era o “cinematógrafo falado” – uma novidade de fato surpreendente, dado que o cinema falado só existiria ao final dos anos 1920.
Ao fim dos anos 1900, três espaços de exibição cinematográfica em Petrópolis se destacavam: o Cinema Paulicéia (rua do Imperador); o Cinema do Centro Católico (rua Barão de Teffé); e o maior de todos, o Rio Branco, no Teatro da Floresta (que seria, segundo seus proprietários, o único do Brasil que funcionava diariamente). De início, bem antes da existência das grandes redes de exibição, a partir dos anos 1940, o cinema acontecia em espaços pequenos, mas também transformava os teatros.
O maior exemplo da tendência foi o Theatro Xavier, surgido em 1914. A noite de inauguração reuniu uma multidão que fechou a rua do Imperador. O presidente Hermes da Fonseca compareceu, tal como várias outras autoridades. Com capacidade para 1.500 pessoas, tornou-se a maior casa de espetáculos da cidade. A respeito do “suntuoso e belo teatro”, o pesquisador Joaquim Eloy dos Santos, do Instituto Histórico de Petrópolis, informou:
O salão de espetáculos foi projetado e construído com 28 camarotes, 18 frisas, 620 cadeiras e 400 galerias, com bom palco e camarins confortáveis. A fachada compunha-se, no térreo junto a calçada, de três portas, com entrada central onde eram expostos os cartazes e fotografias dos espetáculos.
Inaugurado em 6 de fevereiro, o Theatro Xavier já seria anunciado, três semanas depois, como Cinema Theatro Xavier. E, em 1916, seria vendido e rebatizado como Theatro Petrópolis. Na década de 1940, momento em que outros teatros-cinemas já estavam estabelecidos (Capitólio, Glória, Dom Pedro), o prédio seria derrubado para a construção do Cinema Petrópolis, o maior da cidade, que se manteve em atividade até o fim do século XX.
Salões e bailes solidários
No século XIX, bem antes que os cinemas arrebatassem multidões, um outro entretenimento consolidava-se como a maior alternativa de lazer dos petropolitanos: os bailes e festas “familiares” e “populares”. Tais comemorações, cada vez mais numerosas a partir dos anos 1860, eram animadas por bandas locais ou outras entidades musicais, como, por exemplo, o clube Saengerbund Eintracht – o Coral Concórdia.
Os bailes muitas vezes eram motivados por uma comemoração específica – data cívica ou aniversário de algum membro da família imperial, por exemplo. Mas não era raro que tivessem fins humanitários, como levantar fundos para o sustento de uma viúva com filhos; ou para algum indivíduo que não podia trabalhar. Ou, ainda, para obras e serviços públicos (houve várias festas de arrecadação de fundos para as obras da catedral, para o Hospital Santa Teresa e para o Asilo do Amparo).
De início, estas festas aconteciam nas praças. Mas, pouco a pouco, os eventos em espaços fechados (embora amplos) foram ficando mais comuns. Algumas destas comemorações ocorreram em salões de bilhar, uma das poucas opções de entretenimento popular nos primeiros anos de vida de Petrópolis. Em 1858, pouco após ter sido elevada à condição de cidade, ela tinha em torno de 10 mil habitantes – e nada menos que 15 bilhares, segundo informação de O Parahyba. À guisa de comparação, vale observar que serviços bem mais necessários eram bem menos numerosos: havia, por exemplo, apenas seis padarias e dois açougues.
Os bilhares, porém, aparentemente não eram ambientes recomendáveis, segundo os padrões morais da época. E, menos ainda, para servirem de espaços para diversões públicas. O mesmo Parahyba noticiou, ainda naquele ano de 1858, que um baile ocorrido dias antes em um salão de bilhar, na rua do Imperador, “em certa hora deixou de ser um divertimento honesto para converter-se em completa orgia, em uma saturnal [festa pagã] repugnante e hedionda”. Seria mesmo nos salões (Bragança, Floresta e Dona Isabel, principalmente) que, a partir da década de 1860 e até princípios do século XX, os petropolitanos iriam dançar animadamente – e comportadamente, devido à infalível presença da polícia. O Floresta, conforme já observado, era a principal referência.
E foi também no Floresta ocorreram, a partir de 1881, bailes que tinham por meta arrecadar fundos para a compra da alforrias. Em 1888, o teatro-salão fez parte de uma campanha “pela abolição em Petrópolis”, isto é, pelo levantamento de fundos para alforriar todos os cativos da cidade. O baile de carnaval daquele ano estava no clima da campanha. Com a presença da princesa Isabel e do conde D’Eu, além de “muitos membros da mais fina sociedade”, a festa teve “danças animadíssimas”, conforme informou O Mercantil. Mas neste caso houve uma notável diferença em comparação às festas que até então a “fina sociedade” promovia – a presença de negros:
“Havia muito que alegrar os olhos com aquela mescla de raças, nas atitudes originais dos bailarinos e requebros indizíveis de alguns” libertos. Dentre eles, o cronista de O Mercantil observou um casal, “da cor da noite, que no delírio da valsa moía os ossos relembrando os desconjuntados movimentos do infrene [desenfreado] cateretê [dança popular do folclore brasileiro]”. Devido a este e outros eventos, os participantes do movimento levantaram fundos suficientes para comprar cartas de liberdade (foram 91; 98; 103 ou 127, segundo diferentes fontes), que foram entregues pela princesa em abril, em solenidade no Palácio de Cristal.
Até que surgissem os clubes com sedes próprias, nos primeiros anos do século XX, outras muitas festas e bailes, solidárias ou não, iriam acontecer no Salão da Floresta, no Bragança e no Cassino Dona Isabel, até a década de 1910. Incontáveis “associações recreativas”, filantrópicas, assistencialistas, de canto ou dança etc utilizariam os salões para arrecadar fundos ou, simplesmente, festejar em comemorações que só terminavam de madrugada.
Circos e politeamas
Em fins da década de 1850, Petrópolis entrou na rota dos circos. Inicialmente, eles se instalavam no largo de Dom Afonso (a atual praça da Liberdade) e suas principais atrações eram números equestres, acrobáticos e de clowns (palhaços). Eventualmente os circos também seriam montados no chamado morro da Igreja Nova (a área que, mais tarde, seria ocupada pela catedral) e, a partir da década de 1890, no Largo da Estação (a atual praça da Inconfidência) e adjacências.
Inicialmente, os circos não eram feitos apenas de lona mas, principalmente, de ferro e madeira, constituindo-se numa espécie de arena aberta. Não raro, nos anúncios de companhias circenses publicados em jornais locais, informava-se data e horário em que aconteceriam os espetáculos sob uma condição – “se não chover”. Quando a companhia partia para outra cidade, a estrutura do circo era desmontada e vendida. Em outros casos, os circos sequer erguiam qualquer estrutura, e se apresentavam, por exemplo, no Salão da Floresta.

Um dos maiores circos a se apresentarem em Petrópolis no século XIX foi o da Companhia Casali, que se instalou durante quatro meses na praça de Dom Afonso, no verão de 1876. A família imperial compareceu à estreia. O jornal O Mercantil denominou o circo Casali como “monstruoso” e informou que, em uma de suas apresentações, o circo lotou com aproximadamente duas mil pessoas – número expressivo para um município que então tinha pouco menos de 20 mil habitantes.
Eventualmente, as companhias também traziam outros animais além dos cavalos, como cães amestrados, macacos e até cabras. Os bichos poderiam ser meramente exibidos, como foi o caso da “grande jiboia do Amazonas”; ou executavam números, como o com um amestrado “urso dos Pirineus”, ambos trazidos pelo circo Bragazzi, que em 1891 instalou-se nos fundos da igreja do Rosário. O circo Europeu já havia anunciado nos jornais, em 1886, que “em breve” chegaria a Petrópolis trazendo “o inteligente elefante Zombo”. A ausência de registros, porém, não permite confirmar a informação – e é instigante imaginar como teria sido o transporte de um elefante, em um trem, serra acima.
Foram provavelmente as companhias equestres que inspiraram o surgimento de um outro tipo de circo – o “circo de cavalinhos” ou, ainda, o “circo mecânico”, uma espécie de precursor dos carrosséis. Ao longo da segunda metade do século XIX, e nos primeiros anos do século XX, os jornais frequentemente anunciavam o funcionamento deste tipo de entretenimento em diferentes pontos da cidade – como nas atuais praça Dom Pedro e rua Ipiranga. Os circos de cavalinhos, não raro, funcionavam ao lado de uma banca que oferecia o “jogo da argolinha” – ou, simplesmente, o jogo de argolas.
Em alguns momentos parecia não haver, tal como hoje, uma distinção muito clara entre “teatro” e “circo”, motivo pelo qual muitas vezes apresentações dramáticas, de companhias equestres ou números de acrobacia aconteciam em politeamas – um tipo de arena ou espaço projetado para apresentações variadas. O termo vem do grego “poly” (muitos) e “theama” (espetáculo), sugerindo sua versatilidade.
Houve ao menos três politeamas em Petrópolis, sendo o primeiro erguido nos fundos do Theatro Petropolitano. Em 1876, ali apresentou-se, por exemplo, a Companhia dos Fenômenos, cujos artistas principais eram o “homem borracha” e “homem flauta”. Em 1895, outro politeama surgia, anexo ao Cassino Dona Isabel; e, por fim, houve ainda o Polytheama Petropolitano, que funcionou provisoriamente no chamado “morro da Igreja Nova” (na área da catedral); e que, posteriormente, transferiu-se para largo da Estação (a atual praça da Inconfidência).
A ausência de imagens de época impede uma descrição acurada, mas algumas informações sugerem que eles poderiam ocupar espaços consideráveis. No Politeama Petropolitano, na praça da Inconfidência, por exemplo, aconteciam até touradas, promovidas pela Companhia Tauromáquica Espanhola, nos primeiros anos do século XX. Em contrapartida, no Politeama do Cassino Dona Isabel, construído em uma encosta na rua do Imperador, a situação era outra: “O diâmetro do picadeiro tem menos de 13 metros. Não há propriamente um camarim, apenas dois pequenos tabiques que podem comportar duas pessoas; as cocheiras são no morro, com uma subida bem íngreme”, informava a Gazeta de Petrópolis, pouco antes da inauguração do local, em 1894.
Os números teatrais ou circenses nos politeamas aparentemente poderiam ter também outros “atrativos”, especialmente no caso das dançarinas (que, não raro, usavam trajes considerados sumários ou insinuantes). Motivo pelo qual a Gazeta de Petrópolis, ao anunciar uma função de uma companhia no Politeama Petropolitano, em 1895, advertia: “As bailarinas que (aqui para nós) valem tudo quanto pesam, parece que vão fazendo água na boca de algumas pessoas circunspectas e de barbas brancas… Juízo, juízo”.


Cassinos
A palavra cassino tem origem no italiano casino, que significa “pequena casa”. Quando a moda dos cassinos chega da Europa, em meados do século XIX, esta designação referia-se a um local de divertimento com música, dança e jogos, mas sem apostas. Foi com este sentido que se inaugurou o Cassino de Petrópolis, em 1883, nos salões do Hotel Bragança. A imprensa da época exaltava o “ambiente apropriado para as famílias” de um local frequentado pelo imperador. O mesmo se pode dizer do já citado Cassino Dona Isabel (1889), cuja inauguração contou com a presença da homenageada. Com o advento da república, porém, a palavra cassino começou a designar a acepção contemporânea, ou seja, um lugar de jogos de azar e apostas – outro motivo de preocupação para os moralistas.
Os três primeiros anos do regime republicano foram marcados pela instabilidade política e pela crise econômica. Trata-se do período do “encilhamento”, o primeiro “crash” da economia nacional, que durou até 1891. E, em tempos de desemprego e inflação altos, o jogo de azar prosperou na cidade imperial: meio século antes do Quitandinha, a cidade tinha 11 “cassinos”, segundo descrição da Gazeta de Petrópolis, em 1894. Artigos do periódico referiam-se a uma “tristíssima e indecorosa época em que o abuso do vício buscou transformar nosso belo Petrópolis em principado de Mônaco, reino da roleta e do bacará”, um momento em que havia “desenfreada e criminosa jogatina nesta cidade, durante o período do encilhamento”
Entre nós contava-se se contavam nada menos que 11 ou mais casas de jogo, organizadas segundo plano metódico e sujeitas a uma direção central – vastíssima rede de arrastão que apanhava o dinheiro dos ricos e as economias das classes laboriosas (…) Havia, com efeito, em diversas ruas, antros de tavolagem para todos os gostos e hierarquias, criados, cozinheiros, operários.
Portanto, embora proibidas, as roletas proliferaram, inclusive em ambientes sofisticados, como o Cassino Petropolitano, na rua do Imperador. Entre 1892 e 1894, ele foi sede de diversos bailes elegantes e apresentações líricas, dentre elas uma série de matinês musicais conduzidas pelo maestro Paulo Carneiro, da Escola de Música Santa Cecília. Mas, pouco antes, no tempo do encilhamento, havia sido, segundo a Gazeta, um símbolo de “tempo vergonhosos que não devem mais voltar”.

Em 1892, quanto a roleta ainda funcionava, os proprietários do Cassino Petropolitano (localizado na região onde hoje está o shopping Pedro II) alegavam que o espaço era constituído por uma sociedade particular – e, por isso, solicitaram isenção de impostos, bem como a permissão para continuar oferecendo “jogos permitidos em clubs congêneres na Europa”. Em requerimento enviado à Câmara Municipal naquele ano, argumentaram que o cassino era exclusivo para os sócios – e apenas homens: “O jogo tem constituído o único passatempo e a única preocupação de seus associados, tanto assim que o artigo 15 veda terminantemente a entrada de senhoras em qualquer outra ocasião, a não ser em dias de bailes, concertos saraus etc”. O Cassino Petropolitano fechou suas portas e, em 1894, ano que Petrópolis tornou-se capital do Rio. O prédio foi adquirido pelo governo estadual, que transformou-o na secretaria da Assembleia Legislativa.

Embora não se possa dizer que foi erradicado, o jogo de azar em Petrópolis começou a ser seriamente combatido a partir de 1893 e até o fim do século. A Gazeta noticiou, por exemplo, que em 1895 a polícia “deu cerco” a uma roleta que funcionava em uma casa comercial na Ponte dos Fones: o proprietário do estabelecimento e quatro jogadores foram multados e presos. A polícia ainda iria encontrar outros dois pequenos cassinos nas ruas Marechal Deodoro e Souza Franco. Até o elegante Cassino Fluminense (ex-Cassino Dona Isabel, então recentemente rebatizado) seria alvo de operação policial semelhante, em 1896.
Mas, tal como nos anos 1880, o normal era que os autodenominados cassinos não oferecessem jogos de azar. O Cassino Hotel, fundado em 1896 para atender a uma clientela de veranistas grã-finos, funcionou nos verões a partir de 1896 no hotel Orleans (a atual sede da Universidade Católica, na rua Barão do Amazonas). Ele foi rebatizado em 1898 como Cassino de Petrópolis. Não há registros sobre apostas no local, mas, sim, de incontáveis banquetes e bailes elegantes.
Na virada do século, o Cassino de Petrópolis “fundiu-se” com o chic Club dos Diários e transferiu-se para uma sede própria – do outro lado da rua Monsenhor Bacellar. À mesma época, empresários encaminhavam solicitações à Câmara para criar cassinos-hotel em Petrópolis – e, provavelmente, com roletas e bacará. Houve proposta para transformar até o Palácio de Cristal em cassino. Mas não consta que algum destes projetos tenha saído do papel.
A partir de 1897 a imprensa local observava que, na então capital do Estado, o jogo de azar, reprimido pela polícia, vinha encontrando novos endereços em outros municípios fluminenses, especialmente Friburgo e Niterói. Mas àquela altura, para a Gazeta de Petrópolis, a “desenfreada e criminosa jogatina” na cidade imperial também já encontrava novos rumos. A partir de 1899, o jornal começa a denunciar a proliferação, “do Alto da Serra a Cascatinha”, de diversos pontos de apostas. Tratava-se, então, de um certo “jogo dos bichos”.
Skating-rink e velocipedia
Em fins da década de 1870, começou a se popularizar a “moda” da patinação, importada dos EUA e da Europa. De início, a prática restringia-se apenas a um salão (então denominado skating-rink) no Rio, com poucos praticantes. Pudera: grandes áreas com superfícies lisas não eram comuns e limitavam-se, quase sempre, aos salões ou teatros. A moda chegaria a Petrópolis nos anos seguintes e, nos anos 1890, os salões da Floresta e do Cassino Dona Isabel tornam-se também skating-rinks.
Segundo registros de jornais da época, os salões recebiam não apenas os patinadores, mas também uma considerável assistência, que se aglomerava nas arquibancadas (“varandas”) em volta da pista – possivelmente para admirar a habilidade dos mais experientes ou, quem sabe, para se divertir com a inabilidade dos iniciantes. A partir de 1893 começam em Petrópolis as corridas de patinadores, com considerável afluência de público.
Segundo descrições da época, o Salão da Floresta nestas ocasiões tornava-se uma pista circular, onde as disputas aconteciam em baterias de até 12 competidores. Uma informação (sobre uma corrida de 800 metros, em 10 voltas) sugere o tamanho do salão, de pelo menos 400 metros quadrados. O percurso tinha obstáculos, como cavaletes ou cordas. E os atletas podiam disputar em duas modalidades – de frente ou de costas. Eram, em sua maioria, jovens amadores que, quando venciam, recebiam prêmios simbólicos.
Com o tempo, a patinação saiu dos salões e ganhou novos espaços, com destaque para o Palácio de Cristal (onde ocorreram alguns eventos) e devido à criação, pouco após 1900, do primeiro rink público, na Praça da Liberdade, que seria uma referência para gerações de patinadores e até de jogadores de hóquei, ao longo de todo o século XX. A “pista”, bem como suas grades de ferro originais, ainda existe, conjugada ao bar Marowil.

Simultaneamente à patinação, nas últimas décadas do século XIX uma outra moda conquistou petropolitanos e veranistas: a bicicleta – ou velocípede, como inicialmente eram chamadas as “bicyclettes”.
E a prática poderia até ter um gosto de aventura: em 1893, Xavier Scherbauer tentou pedalar de Petrópolis a Três Rios, mas o “velocípede” quebrou no em Pedro do Rio, como informou a Gazeta de Petrópolis. Dois anos depois, ao lado de Otto Hees, ele conseguiu concluir a viagem entre Petrópolis e Juiz de Fora, em dois dias e meio.
A “novidade” também foi alvo de críticas. Como as ruas fossem de terra, em sua maioria, os ciclistas, assim como os patinadores, também procuravam por caminhos pavimentados, mesmo no Centro, onde a maioria das ruas ainda era de terra. Informou a Gazeta, em 1895: “Os senhores bicicletistas em sua maioria têm o péssimo hábito de passear pelas calçadas das principais avenidas desta cidade, atropelando senhoras e crianças”.
Com ou sem atropelamentos, os ciclistas em Petrópolis tornavam-se numerosos, especialmente no verão, a ponto de criarem um Cycle Club do Brasil, em 1898, com direito a uma pista de 200 metros para suas corridas (no local onde, 25 anos depois, seria erguido o Colégio Pedro II, na rua do Imperador). Em 1899 a Gazeta informava:
Realizou-se ontem, como estava anunciado, na sua pista na avenida 15 de Novembro, a bela festa deste (Cycle) Club. Com uma concorrência extraordinária de convidados, no meio dos quais achavam-se deputados, funcionários, negociantes, quase todo mundo elegante, veranistas e pessoas de outras classes da sociedade. Todos os páreos foram disputados com galhardia, provocando entusiasmo e grandes risadas por efeito das dificuldades que apresentavam (…) Terminou a festa com o desfilar dos ciclistas presentes, que produziu magnífico efeito, pela diversidade de trajos quer de cavalheiros quer das senhoras
As saias compridas eram item obrigatório no vestuário feminino e médicos ainda debatiam possíveis malefícios que a bicicleta poderia causar às mulheres. Por isso, a participação delas nas provas do Cycle Club denota um certo espírito “progressista” entre os associados.
Algumas provas de corrida mostram que, para além do esforço e da velocidade, o ciclismo era, principalmente, de uma inovadora diversão. Uma das disputas na pista do Cycle Club, por exemplo, foi a “corrida telegráfica”, exclusiva para mulheres, em 400 metros (duas voltas): na metade do percurso, as competidoras tinham de “desmontar” e escrever um telegrama de seis linhas, antes de retomar a disputa. Em outra prova, homens tinham de pedalar desviando de obstáculos e segurando guarda-chuvas abertos.
A belle époque petropolitana ainda iria testemunhar outros modismos – e outras formas de lazer – tal como a criação do primeiro clube tênis (ou low tennis, como se dizia a época) no Hotel Alexandra, então localizado nos terrenos do atual Colégio Nossa Senhora de Lourdes, na 7 de Abril. A iniciativa daria origem à criação, em 1918, do elegante Tennis Club, na avenida Roberto Silveira (no atual Petropolitano FC). Além disso, pesquisadores registram a prática do foot ball, no Colégio São Vicente (então sediado no antigo palácio imperial), nos últimos anos do século XIX, bem antes que o esporte se popularizasse em todo o país.
Tal como o futebol, porém, as definições de lazer e entretenimento (e, possivelmente, até o conceito de “diversão”) assumiriam outros significados ao longo do século XX – e também no XXI, como se sabe. Música, esportes, artes cênicas, curiosidades tecnológicas (…) são elementos que, em um século e meio, mudaram muito. Mas, ao mesmo tempo, podem até parecer “eternos”.
essa história do entretenimento em Petrópolis é muito interessante. Suponho que virão novos capítulos! tomara!
Muito completa a pesquisa E é muito difícil e maravilhoso poder comparar Petrópolis de hoje com essa Lírica e desenvolvida cidade nas artes . Acho que a cidade perdeu muito desse lirismo e ganhou muito com todo progresso que o mundo passou a nos trazer a partir dos tempos que chegaram . Lamento muito que os jovens que aqui nasceram e nascem não conheçam a história dessa cidade toa bonita ainda é tão aconchegante .
Pesquisa muito interessante. Pergunto ao autor se tem interesse em continuar adiante no século vinte. Essa prática do entretenimento popular em Petrópolis prosseguiu século adentro com circos, atrações bizarras, e números teatrais. Tenho lembranças disso nos anos 60, quando fui criança na cidade.