Há mais de 75 anos parte do trajeto de quem chega a Petrópolis, além de cartão de boas-vindas da cidade, a Casa do Alemão se tornou uma herança transmitida pelo paladar. Onde cada produto representa uma recordação diferente, não é de se surpreender saber que, da visão ao tato, não há sentido que não seja estimulado pelo empreendimento de raízes petropolitanas.
Fotos: Arquivo/Casa do Alemão – Petrópolis Sob Lentes
Fundada em Petrópolis no ano de 1945 por Joubert Fontaine, até 1977 a Casa do Alemão se chamava, na verdade, Panificação Quitandinha. Até hoje administrada pela mesma família, agora em sua terceira geração, a história que se conta é a de que, com a chegada de um casal europeu ao negócio – Stephan e Yulka Kern – o alemão teria se tornado a “cara” da loja.
Iniciada com a venda de pães e, sobretudo, biscoitos amanteigados, com a vinda do alemão Stephan e sua esposa, também passaram a fazer parte do catálogo de produtos do estabelecimento receitas de salsicharia e doces alemães. Onde semanalmente eram feitas degustações na porta da loja, não demorou até que o público se referisse à casa como “do alemão”.
É o que confirma Maria Inês Fontaine, de 70 anos. Sobrinha de Joubert, Inês teve sua história entrelaçada com a da Casa do Alemão ainda aos cinco anos de idade, quando passou a auxiliar no funcionamento do negócio. Chegando a morar em cima da loja, ela recorda o importante papel desempenhado pelo Sr. Kern e a esposa na panificação e a tradição, mantida até hoje, dos proprietários atenderem os clientes.
“Todo fim de semana o Sr. Stefan inventava um produto diferente. Ele colocava um avental branco alvejado e ficava na frente da loja fazendo degustação. As pessoas começaram a falar: ‘vamos na casa daquele alemão’, e aí a firma adotou o nome. Me lembro que a família tinha que chegar na cozinha às quatro da manhã para vir fabricar os produtos e depois ir para o balcão atender porque os próprios donos eram os atendentes”, aponta.
Formada em pedagogia, Inês lecionou até meados dos anos 90. Desde então dedicada de forma integral à Casa do Alemão, já é certo vê-la no balcão. Com o mesmo carinho de seu pai, Foch, e dos tios, é ela uma das responsáveis por garantir que as engrenagens do negócio continuem em movimento. “A gente viu eles se dedicarem tanto, que a gente tem essa vontade de continuar aquilo pelo qual eles tanto batalharam”, expressa.
Fotos: Arquivo/Casa do Alemão
E o mesmo vale para quem trabalha nos bastidores. É o caso, por exemplo, de Leila Fontaine, de 66 anos, e do filho, Thiago Fontaine, de 40. Viúva quando tinha a mesma idade do filho hoje, Leila, há 26 anos, é quem lidera a produção da Casa do Alemão. Depois do falecimento do marido, José Eduardo, coube a ela, que nunca havia trabalhado, monitorar o processo de fabricação dos doces e salgados da empresa.
Fotos: Divulgação/Casa do Alemão
Na época com os filhos de 12 e 14 anos para criar, não houve escolha a não ser lançar-se ao desafio que, diga-se de passagem, foi cumprido com excelência.
“A primeira sensação foi de medo, mas ao longo do tempo eu percebi que era a oportunidade de colocar em prática o sonho do meu marido. Levar aquilo adiante foi importante, é o que me impulsionou”, reflete.
Na liderança de cerca de cem funcionários na indústria ao lado da sobrinha Daniele Fontaine, também é por conta de Leila o gerenciamento do transporte e da manutenção do prédio, dos carros e das máquinas. Com o filho caçula Felipe à frente da filial da Barra da Tijuca e o mais velho, Thiago, como diretor-administrativo financeiro do grupo, é seguro dizer que o gosto pela atividade e a vontade em preservar o patrimônio da família e da cidade correm pelas veias da família Fontaine.
“No trajeto de coisa boa”, como descreve Thiago, o que mais existem são boas recordações ligadas à empresa – tanto por parte dos funcionários quanto, e sobretudo, pelos clientes. “A gente está no caminho das férias ou dos finais de semana das pessoas, então invariavelmente nós estamos atrelados aos bons momentos das famílias. Cada cliente tem uma memória com algum produto e isso é, realmente, gratificante”, diz.
Sonho antigo seu, Thiago explica que, há cinco anos, sentiu que estava preparado para contribuir com o negócio da família. Com experiência profissional na área, ele também traz, na bagagem, recordações que fazem do sonho do pai, da mãe, dos tios e primos, o dele também. “Eu vivia aqui dentro com o meu pai. Rodava a fábrica com ele pequeno, ainda no colo, e hoje quem vem para cá com o meu filho sou eu”.
Um cardápio e incontáveis memórias
Com oito lojas espalhadas pelo Estado, é da fábrica do Quitandinha que parte toda a produção da Casa do Alemão. Dos pães aos croquetes, linguiças e doces, é seguro dizer que a essência do negócio vive pelas mãos dos Fontaine e dos funcionários que, ainda que não de sangue, já são parte da família. Supervisor de produção da salsicharia, Michel Marchaleck, de 45 anos, é hoje o funcionário mais antigo da repartição.
Fotos: Divulgação/Casa do Alemão
Chegando a trabalhar nas obras de reforma da loja, no final dos anos 80, Michel tem satisfação em dizer que, onde coloca a mão, se alegra. “Comecei como ajudante e hoje domino uns 80% daquela área. Eles viram meu desempenho e me deram a oportunidade de aprender”, conta Michel que, além de supervisionar o setor, se dedica à produção de temperos e à limpeza da matéria-prima. Ao todo, já são mais de 30 anos de convivência.
Com mais de 40 anos de casa, quem também tem escrito a história da Casa do Alemão com excelência é Antônio Hammes, de 61 anos. Tendo se aposentado na firma, desde que foi contratado, em 1977, Antônio é um dos responsáveis por fabricar os biscoitos amanteigados da casa: sucesso em Petrópolis e fora dela. “O biscoito que eu mais gosto é o de canela, mas o que mais sai é o pérola. Nossa Senhora, sai muito!”, revela Antônio.
Fotos: Divulgação/Casa do Alemão
E ainda que nem todos os produtos tenham o título de pérola, é seguro dizer que algum item do cardápio, senão ele todo, vai se tornar o tesouro de alguém. Gerente da loja do Quitandinha, Paulo Luciano, de 48 anos, tem na Casa do Alemão seu primeiro emprego e – espera ele – único. Carinhosamente apelidado de Paulinho pelos colegas, uma vez que entrou na firma criança e nunca mais saiu, ele fala sobre o prazer que é ser da família.
“Eu comecei na empresa aos 13 lavando louça. Na época não tinha água quente. A gente tinha que acender o fogo. Trabalhei com os avós do Thiago, com o pai da Inês, conheci todos eles. Todas as mudanças, reformas, a loja ter aumentado, tudo que aconteceu eu estava presente. Da fábrica eu passei a balconista, assistente, supervisor e, hoje em dia, sou gerente. Conheço tudo da loja: os clientes, os produtos, os colegas de trabalho”.
E por falar em companheirismo, não é possível falar no balcão de atendimento da Casa do Alemão sem mencionar dona Cecília Simões Zauza, de 68 anos. Mais doce do que um mil folhas, ela chega a ser requisitada por fregueses que não querem outro atendimento a não ser o dela. Carismática, há 38 anos dona Cecília tem se dedicado à tarefa de servir e, principalmente, de criar incontáveis memórias junto aos clientes.
Fotos: Petrópolis Sob Lentes
“Hoje mesmo apareceu um cliente aqui que falou assim para mim: eu sentava minha filhinha aqui no balcão e você a tratava com o maior carinho. Eles trouxeram a foto dela para eu ver e ela já está com mais de 30 anos. Eles lembravam muito de mim e passaram aqui mais para me ver mesmo. Gosto muito de conversar, de agradar. É tão bom, né? Tenho uma paixão por esses patrões. Lembro deles pequenininhos. Peguei alguns deles no colo!”.
Ambiente em que se trabalha com amor, há mais de 75 anos a Casa do Alemão constrói um legado que é transmitido pelos sentidos. Seja pelo paladar de seu incomparável cardápio, pela visão de um ambiente construído por rostos amigos, pela audição e pelo olfato do lanche saindo da cozinha, ou então pelo tato, a verdade é que, a essa altura de sua história, mais do que seu cardápio, são as memórias que a envolvem que constroem a empresa.
Foto: Petrópolis Sob Lentes
Com três lojas somente em Petrópolis – no Quitandinha, na 16 de março e em Itaipava – a Casa do Alemão pode ser acompanhada na página @casadoalemaooficial, no Instagram.
Saudades desta época me lembro que o senhor damas asenou um documento para que eu podesse tirar minhá carteira de trabalho de menor eram umas pessoas maravilhosas. Tenho muinta gratidão por esta empresa.
Que matéria sensacional. Parabéns Carolina, realmente a Casa do Alemão esta no nosso imaginário. Todos têm alguma experiencia por lá. Parabéns…parabéns…parabéns!
Adorei a matéria q história linda.
Parabéns Carolina, excelente matéria ,percebe-se o carinho com que você escreveu ,ina verdade é sempre assim..Bj.
Amei essa reportagem, me arremessou no tempo quando era criança, e muitas das vezes eu passeava nas dependências do Alemão… Eu era filho de um simples funcionário… Mas o Sr. Joffre, Sully,, Gilbert, Foch e Nestor, me tratavam como se fosse da família…. Saudades enorme dos meus “tios” faziam questão que eu os chamassem assim….tio….
Estive com meu grupo de alunos do 2o ano ano do Ensino Fundamental, todos com idade entre 7/8 anos, em uma excursão ´por Petrópolis, e todos os balconistas atenderam, com muita paciência, os meus pequenos, esperando que cada um fizesse suas escolhas e contassem seus dinheirinhos para pagar. Ajudaram a calcular o troco, devolvendo a cada um, o que lhe era devido. Sozinha, não teria dado conta de auxiliar a cada um deles…
(Professora Andréia Machulis, da Escola Cri-Ação, do Rio de Janeiro)