De início, o carnaval brasileiro era protagonizado pelas camadas menos privilegiadas. Mas, com o passar do tempo, as classes médias e a “elite” também iriam aderir à folia, criando modismos e práticas. Petrópolis, destino de veraneio da “alta sociedade”, também refletiu esta tendência. Na belle époque, há pouco mais de um século, adotou suas próprias maneiras particulares para festejar o carnaval – seja na rua, nos clubes, nos teatros ou nos palacetes dos mais ricos.
Do entrudo ao corso
No tempo do império, o carnaval em Petrópolis reproduzia as práticas da capital, onde prevalecia o entrudo – festa de rua, com origens nos tempos coloniais, na qual a maior diversão dos foliões era jogar, uns nos outros, água e “limões de cheiro” (esferas ocas, de cera, preenchidas com água de cheiro). Nem Pedro II teria escapado da brincadeira. Conta o pesquisador José Kopke Fróes:
Houve tempo, como se sabe, em que o entrudo em Petrópolis era um caso muito sério. Raro era o morador da terra que podia vangloriar-se de haver passado os três dias de carnaval sem ter tomado um banho na via pública. E era no Hotel Bragança que se concentrava o grosso dos foliões do carnaval. (…) Os atacantes, a pé ou de carro, armados de bombas manuais, limões e vasilhames de toda a espécie, investiam contra os hóspedes (…) Em meio aos folguedos, aparecia, não raro, entre o povo, Sua Majestade o Imperador (…) Certa vez, quando o combate era intenso, D. Pedro II, de sobrecasaca e cartola, apareceu no Bragança e foi alvejado pelos hóspedes, sem dó nem piedade, com uma verdadeira saraivada de limões, ficando com as vestes ensopadas. O bom Imperador, molhado como um pinto, longe de se zangar, achou graça na brincadeira (…)
A comemoração em Petrópolis, tal como no Rio, também tinha “cordões”, que percorriam as ruas conduzindo carros alegóricos. E, claro, música e dança. Mas na cidade imperial algumas delas aconteciam ao som de valsa, já que “uma boa parte da população vinha de tradições germânicas, ainda mantendo certas manifestações folclóricas em suas festividades”, conforme assinala Norton Ribeiro, do Instituto Histórico de Petrópolis.
Eventualmente aconteciam “batalhas” de flores, no Centro, até que, na década de 1880, surgiu em Petrópolis a moda do corso – o desfile de carros (charretes, cabriolets, vitórias ,etc) nos quais foliões fantasiados envolviam-se em “batalhas” de confetti e serpentina. Multidões se formavam na rua do Imperador ou na praça da Liberdade para assistir à passagem do corso, conduzido, quase sempre, por membros das classes mais abastadas – donos ou locatários dos veículos, enfeitados com flores e papel crepon, nos quais levavam a família ou amigos. Desta vez foi a cidade imperial que lançou a moda para a capital, e o corso chegará ao Rio no início do século XX.

O corso foi o ponto alto do carnaval petropolitano até a década de 1930. E a praça da Liberdade tornou-se o endereço da festa, onde uma multidão se reunia todos os anos. A partir da década de 1910, automóveis foram incorporados ao desfile – e os carros da época, conversíveis e capazes de transportar até oito pessoas (ou até mais, de acordo com a boa vontade dos passageiros), pareciam feitos sob medida para o corso. Para animar a festa, uma banda ocupava o coreto da praça (geralmente a banda do 1º Batalhão de Caçadores), executando marchas e lundus.

“Índole pacífica”
Nestas primeiras décadas do século XX, não havia escolas de samba (que surgiriam no Rio somente nos anos 1930). Mas havia os préstitos – isto é, desfiles de carros alegóricos que traziam imagens significativas para o público e, principalmente, críticas aos costumes, a homens públicos ou ao governo. Os préstitos eram organizados pelas sociedades carnavalescas e, no Rio, três delas, todo ano, disputavam popularidade – os Tenentes do Diabo, os Fenianos e os Democráticos.
Em Petrópolis também havia préstitos, embora sem tanta opulência como no Rio. Um dos primeiros teria sido o Clube dos Terríveis, ainda na década de 1880. E, a partir de 1921, destacavam-se os Esponjas Carnavalescas. Em 1926, esta sociedade iria promover, na rua do Imperador, um préstito com 12 carros. Um repórter do Jornal do Brasil acompanhou o desfile e fez uma comparação pouco lisonjeira entre o desfile petropolitano e o carioca: “Nem uma palma e nem um viva! Como é diferente o carnaval no Rio!”
Talvez tenha sido uma circunstância isolada – porque outros repórteres registraram o sucesso do carnaval de rua em Petrópolis, animados por vários ranchos, cordões e blocos. Ainda naquele ano de 1926 percorreram as ruas da cidade o Recreio dos Amores (Alto da Serra), o Rancho dos Almofadinhas e dos Melindres (Centro), o Rancho Carnavalesco Triunfo da Infância (Morin), o Flor Mimosa (rua 24 de Maio), o Paraíso das Flores, o Rancho do Amor ao Público, o Não fales que é segredo; e o Parece que não despertaram.
O entrudo e, posteriormente, o carnaval de rua traziam uma preocupação para as autoridades: o ato de jogar água, limões de cheiro ou lança perfume em foliões desavisados poderia gerar conflitos e tumultos – brigas que, não raro, faziam os cronistas de época comentarem sobre a “selvageria” no carnaval. Em Petrópolis, porém, o cenário era outro, como atesta um registro (dentre vários outros, ainda no século XIX) no jornal petropolitano O Mercantil, a respeito do carnaval de 1881: “A ordem pública manteve-se na altura da índole pacífica da nossa população, pois não temos de registrar nem um só ato de desordem ou desacato dos foliões”
No final dos anos 1910, também houve “excessos” carnavalescos no Rio devido a personagens emblemáticos da época: os “moços bonitos”, também denominados “almofadinhas”. Eram rapazes que, sozinhos ou em grupo, promoviam algazarras nas ruas, com particular predileção por importunar mulheres. Em janeiro de 1921 já havia inúmeras reclamações de transeuntes que passaram pela Avenida Rio Branco e que foram abordados por “grupos de rapazes, com calção ao meio das pernas, pintados, sapatos de lona, cantando versos pornográficos”. A polícia carioca tentou reprimir a ação dos almofadinhas – mas, em Petrópolis, a situação era outra:
“As crianças, e sobretudo as senhoras e senhoritas, passeavam sem temer um gracejo de mau gosto, a mais ligeira agressão aos seus melindres, de qualquer descomedimento por parte dos rapazes que se divertiam”, informava a Gazeta de Notícias naquele ano: “A máxima liberdade que chegavam os rapazes em seus folguedos em relação ao sexo gentil não ia além dos esguichos de bisnaga, raramente insistentes, sempre com o cuidado de não lhes (das moças) tocar o rosto”, registrou um jornalista: “Pelos hábitos da terra ou simplesmente por educação, nenhum se excedia nem se desmandava em gracejos de mau gosto”.


Nos salões
Embora o carnaval Petropolitano fosse mais “ordeiro”, também delimitava espaços para as “boas famílias” e para a alta sociedade: “A festa, então, era principalmente das elites veranistas nos salões de baile que viam com desprezo a aglomeração nas ruas da anárquica turba, que se enfrentava em batalhas de esguichos com água, baldes e tinas, molhando uns aos outros”, explica Norton Ribeiro.
Os pioneiros foram, provavelmente, os já citados bailes no hotel Bragança, no século XIX. Já entre as décadas de 1900 e 1930 destacavam-se os clubes – tais como o Serrano F.C. (ainda com sede na rua do Imperador) e o Club Valparaíso. Havia ainda locais alugados, tal como no Palatinato, onde um salão abriu suas portas para o Grêmio das Violetas promover, em 1927, uma “batalha” – não de confeti ou serpentina, mas de hortênsias.
Porém, os eventos mais disputados eram aqueles promovidos pela “alta sociedade”. Nos tempos da primeira república, clubes grã-finos alugavam espaços para suas festas. O Club dos Diários, por exemplo, promoveu um primeiro grande baile no Palácio de Cristal, em 1911. Até a Câmara Municipal abriu suas portas para o carnaval, em 1919, em festa organizada por veranistas. Nos anos seguintes, eles promoveram ou participaram de festas no Palace Hotel (no atual prédio da Universidade Católica; na rua Barão do Amazonas); no Theatro Capitólio (rua do Imperador); ou no Tennis Club (na atual sede do Petropolitano F.C., na rua Roberto Silveira).
Nos bailes da hight society, em vez de batucada e cerveja, havia danças comportadas, comida e flores. Como se anuncia nesta nota, de 1923, sobre a festa do Bridge Clube no Theatro Capitólio:
“O palco assim como a entrada serão transformados em verdejantes bosques. Duas orquestras tocarão durante o baile, para que as danças não sofram grandes intervalos. O buffet será instalado no salão do clube, ornamentado com ricas corbeilles de flores naturais” (A Noite, 8 de fevereiro).
No ano seguinte, em nova edição do baile, nota publicada no Jornal do Brasil dá uma ideia de como a festa era concorrida: “Mais de 500 pares disputaram a glória de ser os mais destemidos foliões. Uma sociedade escolhida acorreu a esta festa de distinção, trajando ricas fantasias, assim como tivemos ocasião de ver um grande número de casacas”. Os casais não dançavam samba – mas tangos, marchas e até foxtrote, executados por bandas de clubes locais, com destaque para a participação do infalível Euterpe. As matinées infantis, segundo jornais da época, chegavam a reunir mais de mil pequenos foliões.
A “elite” se diverte
O uso de fantasias de carnaval parece obedecer a uma única regra – que é não ter regras. Nos carnavais do passado, porém, alguns padrões de fantasia se repetiam de tal maneira que é impossível não perceber uma tendência – senão algumas “regras” da moda. Além dos onipresentes pierrots (ou “dominós”) e colombinas (personagens da Commedia dell’Arte, popularizados no Rio a partir dos anos 1890), os carnavais de Petrópolis, nas primeiras décadas do século XX, foram povoados por alguns outros “personagens” recorrentes nos anos 1910 e 20, segundo imagens da época. As “holandesas”, “espanholas” e as “pastoras” eram particularmente populares. “Mexicanos”, “chineses”, “romanos” e “toureiros” também eram muito frequentes.

Mas, claro, a profusão de “personagens” recorrentes não eclipsava a criatividade individual – o que também se pode atestar em imagens de época. E também aí a “elite” surpreende, transformando figurões das finanças, da política e da high society, em inusitados personagens. Figura célebre na história nacional, o barão do Rio Branco participou da festa vestido de “mosqueteiro”, no baile do Palácio de Cristal de 1911 (um ano antes de sua morte). Em outra festa à fantasia no Palace Hotel, em 1920, “o doutor Bueno Brandão” interpretou “um bebê chorão”; o escritor Afrânio Peixoto, imortal da ABL, surgiu de “groenlandês”; o poeta petropolitano Raul de Leoni, de “sargento”. E até mesmo Santos Dumont, que morava ao lado do hotel, surgiu fantasiado de “gafanhoto”.
A elite endinheirada também promovia festas particulares em seus casarões e palacetes – e, não raro, eram festas temáticas. Marcou época a comemoração carnavalesca promovida por Hermínia Tavares Guerra de Souza, viúva do banqueiro Franklin Sampaio, que em 1927 abriu as portas de seu palacete, na praça da Liberdade, para um baile “ao estilo Luís XV”. O convidado de honra era o então presidente Washington Luís, então hospedado no Palácio Rio Negro, bem perto do palacete da viúva. Vestidos com casacas ou fantasiados como nobres da aristocracia francesa do século XVIII, os grã-finos participaram daquela que, provavelmente, foi a mais elegante festa da época. O carnaval de Petrópolis, iniciado nas ruas, com jatos d’água e limões de cheiro, chegou até mesmo aos salões aristocráticos, como um distinto e refinado convidado.
Muito boa e completa a matéria