Diante de uma tela a ser preenchida, o artista dava forma ao tecido. A tesoura e a fita métrica se moviam como um pincel e, dentro das singularidades do cliente, regiam o processo criativo. Como manda o figurino, a peça tomava forma e, juntamente dela, os vínculos que, pouco a pouco, eram firmados entre a equipe por trás da obra e o comprador.
Os trajes eram feitos sob medida e, o atendimento, também. Se com os fregueses a relação era boa, entre os funcionários e a família de Emmanuele De Carolis, fundador da alfaiataria, nem se fala. A mais velha dos seis irmãos, Elvira De Carolis, de 88 anos, a ‘Elvirinha’, se refere à equipe como uma extensão da família.
“Eu vivia lá e, praticamente, nasci ali. Nós ficamos nos números 544 e 548 da Avenida XV de Novembro, hoje Rua do Imperador, até 1989 e, depois, nos mudamos para a Irmãos D’Angelo. Quando fechamos, o funcionário que tinha menos tempo de casa, já trabalhava com a gente há 15 anos”.
Ah, e quando o assunto é o tempo de casa na alfaiataria, o senhor Moacyr Dossini, de 80 anos, é a pessoa indicada para abrir o baú de memórias. Muito querido pela família, teve, na loja, seu primeiro emprego, aos 15 anos. Ele entrou como faxineiro e de lá saiu como vitrinista.
“Minha mãe viu um anúncio no jornal, foi na alfaiataria e conversou com o senhor De Carolis. Ele pediu que eu fosse lá no dia seguinte para experimentar e acabei experimentando por 50 anos. Na verdade, quase isso. Trabalhei lá por 49 anos e seis meses”.
Moacyr chegou a ser eleito o melhor funcionário do comércio em 1997 e, segundo ele, muito do que aprendeu pode ser atribuído a Carlos Eugênio De Carolis, irmão de Elvira a quem se refere como alguém habilidoso e de bom gosto.
“A vitrine da loja era muito bem feita. Quando o Eugeninho fazia então, era espetacular, não desmerecendo meu trabalho. Sinto falta de tudo. A convivência era muito boa, tanto que a dona Iolanda e o senhor Emmanuele De Carolis foram meus padrinhos de casamento”.
A riqueza estava nos detalhes. Carlos Eugênio conta que não colocava um lenço na vitrine, sem passar a ferro. “Eu nasci na De Carolis. Não gosto de bagunça, então tinha vontade de arrumar tudo. Aí passei a arrumar a loja, a casa e, como me formei em arquitetura, as casas que eu fazia também. Minha vida foi arrumar”, diz rindo o aposentado de 81 anos.
De acordo com dona Elvira, Petrópolis, como capital social do país, atraía juízes, desembargadores, médicos e personalidades como a pintora Djanira, o ator Paulo Gracindo, a Condessa Pereira Carneiro e o autor Autran Dourado ao estabelecimento. Ela diz que, aos domingos, a porta de aço era levantada e clientes se reuniam para um cafézinho e um bom papo.
“Uma vez cheguei em casa e encontrei um ramo de rosas, junto de um cartão do calculista do Oscar Neimeyer, José Carlos Sussekind. Ele era um grande freguês. Também recebi dele um livro com a seguinte dedicatória: ‘Seus clientes certamente nunca tiveram atendimento igual em outro lugar. Eu, nunca tive’. Imagina, um homem que conheceu o mundo inteiro!”, exclama ela.
Entre linhas e agulhas: tradição
O atendimento era, de fato, especial e, tão tradicional quanto o estabelecimento, era a qualidade das mercadorias, descritas como elegantes e de perfeito caimento. Celeste Macedo de Carvalho, de 71 anos, conta que ainda guarda uma das peças.
“Guardo e uso uma calça que tem mais de quarenta anos. Ela era da minha mãe e passou para mim. Vira e mexe estávamos na alfaiataria. Me lembro do senhor José Mayo: muito sisudo, mas impecável”.
José Olimpyo Simões foi balconista da alfaiataria por 60 anos e, segundo sua filha, Eliana Mayo Simões, de 66 anos, o mais antigo que o negócio já teve. Ela ressalta a proximidade entre as duas famílias:
“O senhor De Carolis e a Dona Yolanda, donos da loja, foram padrinhos de casamento dos meus pais. Já os dois filhos mais velhos dele, Ferdinando e Elvira, foram padrinhos de batismo da minha irmã mais velha. Havia, realmente, uma ligação muito forte. Mesmo depois de se aposentar papai ia todo dia para o Centro tomar um café com a turma, com o Nando. Quando dava a hora de trabalhar, cada um ia para seu canto e ele voltava para casa”.
Se ainda estivesse aberta, a loja estaria à todo vapor nesse período de julho. Em agosto, a tradição era o ‘Mercadinho De Carolis’, grande liquidação que, com faixas que cobriam o letreiro e filas para entrar, relembrava a fundação da alfaiataria em 1º de agosto de 1928.
Saudade? Sim, mas, acima de tudo, gratidão. É esse o sentimento que une os seis irmãos: Elvira, Carlos Eugênio, Ferdinando, Maria Lucia, Maria Elisa e Liliana. Guardiões das recordações dos tempos da alfaiataria, eles fazem jus ao patriarca italiano de coração brasileiro: cativam e cultivam aqueles ao seu redor.
(Matéria publicada no jornal Tribuna de Petrópolis em 22/07/2018)
*Créditos da foto de capa: Arquivo pessoal Elvira De Carolis
A De Carolis foi mesmo tudo isso! Uma delícia lembrar deste tempo e da elegancia e carinho que cada um dos DeCarolis nos presenteia até hoje.
É verdade, Maria Aparecida! Difícil encontrar uma família tão acolhedora e atenciosa.
Porque fechou? gostava tanto da loja…