As modernizações de Agache
O arquiteto francês Alfred Agache ficou famoso no Brasil dos anos 1930 devido a planos de urbanização em cidades da Europa, em Porto Alegre, Curitiba e Recife. Mas ficou célebre especialmente devido a seus projetos concluídos no Rio, no chamado “plano Agache”. Consagrado, em 1941 foi convidado pelo prefeito Cardoso de Miranda para elaborar a reurbanização de Petrópolis. Agache topou a empreitada, trabalhando com o escritório de arquitetura dos irmãos Coimbra Bueno, tarefa que gerou um complexo projeto para modernizar e reorganizar a cidade imperial. O projeto deixaria algumas referências para o desenvolvimento urbano de Petrópolis. Mas não saiu do papel.
O Estado Novo (1937-45) tinha particular interesse no urbanismo. Amaral Peixoto, nomeado interventor do Estado do Rio, deu impulso aos planos de reurbanização em alguns municípios fluminenses, mas com especial interesse em Petrópolis que, em 1941, sediou o I Congresso Brasileiro de Urbanismo. Agache, após visitar a cidade imperial, acreditava que “após ser urbanizada e remodelada, Petrópolis poderia se colocar entre as mais belas cidades do Brasil, quiçá do mundo”. Dentre várias propostas de alterações no Centro e nos bairros, nos planos desenvolvidos pelo francês e pelo escritório Coimbra Bueno, restaram dois estudos sobre a remodelação da praça Dom Pedro II – e que, em alguma medida, dão uma amostra da ambição do projeto.

Neste local e na rua do Imperador o casario daria lugar a edifícios de até oito andares. A praça Dom Pedro iria englobar também a praça dos Expedicionários. Uma grande rotatória iria ocupar a região onde hoje se ergue o Obelisco dos Colonizadores, até a esquina da rua da Imperatriz. Estava prevista a abertura de novas ruas e o alargamento de outras, bem como a mudança da localização da estátua de Pedro II. A ideia era que a inauguração das principais obras acontecesse em 1943, no centenário de fundação de Petrópolis.
O plano não foi posto em prática e, em tempos de Estado Novo, o governo não deu muitas explicações. O projeto não foi adiante provavelmente devido aos custos – quase um milhão de contos de réis. O valor cobrado pelo escritório Coimbra Bueno para remodelar Petrópolis era quase o dobro do valor empregado na siderúrgica de Volta Redonda, que estava sendo erguida na mesma época. Os Coimbra Bueno sugeriram então receber, como “pagamento”, grandes lotes de terra em Petrópolis, onde iriam construir imóveis e vender – mas a prefeitura não acatou a ideia.
Apesar disso, propostas do plano Agache-Coimbra foram adotadas, direta ou indiretamente. Uma nova rua de fato foi inaugurada (a 16 de Março) e outras foram alargadas – tal como a Irmãos D’Ângelo, onde a disposição dos edifícios, sustentados por colunas apoiadas no passeio assemelha-se bastante às construções previstas nos estudos de Coimbra e Agache. O zoneamento da cidade, bem como algumas normas de construção, adotadas nas décadas seguintes, também parecem ter sido inspirados no projeto de 1941.
O primeiro presidente no Alto da Serra
Meio século antes dos planos de Agache, uma outra iniciativa de urbanização em Petrópolis começava. Em maio de 1891, o presidente da república, marechal Deodoro da Fonseca, desembarcou do trem no Alto da Serra, para a festa de inauguração das obras que uma empreiteira, a Companhia Progredior, iniciava na região. Tratava-se de um ambicioso projeto, elaborado pelo arquiteto belga Van Humbeck: construir um grande hotel, um cassino, um parque, além de abrir nove ruas e praças, transformando o subúrbio pouco povoado em um bairro elegante, com iluminação pública e bondes. O Hotel Progredior, bem em frente à estação de trem (onde hoje há uma quadra e o Colégio Ruy Barbosa) teria telégrafo, cafés, mercado de flores, “alfaiataria, casas de modas, charutaria etc”.
Hoje, o Alto da Serra é um dos mais populosos bairros de Petrópolis. Mas, nos anos 1880, constituía-se de umas poucas casas alinhadas à rua Teresa. A abertura da estação ferroviária, em 1883, deu algum impulso à ocupação da região e ao projeto da Progredior. A companhia pretendia trabalhar em uma área de 4 milhões de metros quadrados, iniciando pelas obras de nivelamento, drenagem e arruamento. A empreiteira tinha experiência em trabalhos de remodelação, uma vez que havia transformado e administrado o parque Cremerie.


Mas nem a presença do presidente da república, recebido pela música de cinco bandas e por um “profuso lunch”, foi suficiente para a companhia concluir seus planos. Em menos de dois anos, o projeto foi abandonado e, em 1893, a Progredior iria à falência. Embora não se saiba os motivos do fracasso, eles talvez estivessem associados aos interesses de proprietários de terras na região – como o capitalista João Batista de Castro, dono de um palacete no que hoje é a rua Chile. Apenas dois itens da proposta da Progredior foram parcialmente concluídos: a drenagem dos terrenos e a abertura daquela que seria a principal via do bairro, a avenida Central – que, em 1936, seria rebatizada como Coronel Albino Siqueira.
Grandes hotéis no Centro

O arquivo do Museu Imperial guarda uma ilustração curiosa: a de uma construção monumental, identificada apenas como um “hotel cassino” a ser erguido no monte Real, morro situado entre as ruas Dom Pedro e Ipiranga (atualmente ocupado por um condomínio). Tratava-se de uma ideia apresentada pelo Sindicato de Iniciativa ao Turismo do Município de Petrópolis, criado em 1922. Dentre suas realizações, o sindicato ergueu o monumento no bosque do Imperador, em homenagem ao centenário de Pedro II, em 1926.
O sindicato reunia proprietários (do comércio, hotelaria, serviços etc) e investidores no turismo, uma atividade então ainda pouco desenvolvida. O projeto do hotel-cassino, divulgado em 1934, incluía ainda a criação de um grande teatro. O sindicato tentou, durante alguns anos, obter apoio da prefeitura, mas sem sucesso.
A ideia do hotel no monte Real já estava praticamente descartada quando o prefeito Cardoso de Miranda, em 1938, anunciou uma nova proposta: a criação de um grande hotel no morro do Cruzeiro (atualmente mais conhecido como morro dos Milionários). Em entrevista ao jornal A Noite, ele afirmou: “O dr. Carlos Guinle [herdeiro daquela que era talvez a mais rica família do país], com quem já tive entendimentos a respeito, vai construir em Petrópolis o hotel que Petrópolis precisa. Estão as plantas prontas e orçadas em seis mil contos”.
Segundo Cardoso de Miranda, “localizado no coração da cidade, estará ao mesmo tempo o hotel de tal forma isolado, pela situação privilegiada, que satisfará a todas as exigências (…) com todo o conforto moderno, terá quadras de tênis, piscina etc”. Também este projeto começou e terminou nesta notícia de jornal.
A catedral – um pouco diferente
Embora prevista no projeto de Koeler, a catedral de Petrópolis somente começaria a ser erguida em 1884. Seriam necessárias quatro décadas até sua inauguração, em 1925. Poucos anos antes, a imprensa carioca divulgou algumas imagens do projeto – um pouco diferentes do resultado final.
Meia tonelada de bronze para a princesa
Em 1928, membros da Sociedade Beneficente Princesa Isabel, que se reunia em um sobrado na rua 13 de Maio, lançaram uma ideia: erguer uma estátua para a “redentora”, na praça que leva seu nome, entre a então recém-inaugurada catedral; e o palacete da própria princesa. Demorou alguns anos para a proposta se tornar uma campanha que envolveu não apenas os moradores de Petrópolis, mas altas figuras do mundo político e ricaços. A campanha ganhou corpo em 1935 e, dois anos depois, foi lançada a pedra fundamental do monumento, que seria a primeira estátua em praça pública homenageando a princesa.
A ideia era promover uma inauguração triunfal em 13 de maio de 1938, na comemoração dos 50 anos da abolição da escravatura. O monumento consistiria em uma estátua de bronze, sustentada por uma coluna de mármore, projeto do escultor petropolitano Annibal Monteiro. Foi criada uma Comissão Pró-Monumento à Princesa Isabel, que deu início a uma campanha pela doação de bronze – e 300 quilos do metal teriam sido angariados. Mas o ano de 1938 passou e… nada de estátua.

No ano seguinte, em solenidade festiva, Annibal Monteiro apresentou a maquete do monumento – orçando o projeto em 120 contos de réis (o equivalente ao valor de uns 10 carros de luxo). Munidos da miniatura, os membros da comissão – dentre eles Pedro de Alcântara, filho da princesa – decidiram então levantar dinheiro para erguer o monumento. Foram ao governo de São Paulo, à prefeitura do Rio e até ao presidente Getulio Vargas, e todos prometeram generosas contribuições.
Mas o monumento à princesa ficou mesmo restrito à maquete – que, para tristeza dos historiadores, foi pouco fotografada. Uma das “melhores” imagens foi feita na apresentação da miniatura a Vargas, mas foi registrada apenas a parte de trás do monumento.
O dinheiro veio de poderosos e humildes: em 1940 foi iniciada em Petrópolis a “campanha do mil-réis”, que angariou doações até dos mais pobres. A arrecadação de bronze atingiu meia tonelada. Mas o projeto não saía e, ao longo da década, o movimento foi perdendo a força. A esta altura o monumento estava orçado em 800 mil cruzeiros (à guisa de comparação: um apartamento luxuoso no então sofisticado bairro do Flamengo, à mesma época, custava 600 mil).

Em 1948, um certo Giovani Santos, antigo tesoureiro da Comissão Pró-Monumento, admitiu, em entrevista ao Diário da Noite, que não havia dinheiro e que até o bronze havia desaparecido: “Não desejo mais saber se ainda existe ou não comissões pró-monumento à princesa ou coisa que o valha. Não sei responder onde se encontra ou o que foi feito com a meia tonelada de bronze que o público doou. Apenas me responsabilizo por seis mil cruzeiros que estão depositados no Banco do Brasil. Quanto às demais importâncias arrecadadas, foram gastas em viagens de comissões e outras despesas”, explicou o ex-tesoureiro. No local onde haveria o monumento à princesa Isabel foi inaugurado, em 1957, o monumento a Júlio Koeler, que lá permanece.
Outras estátuas
Inaugurada em 1911, a estátua de Pedro II, na praça que também leva seu nome, é um dos mais significativos símbolos do Centro histórico. Foi a primeira homenagem do gênero para o imperador – foram feitos, ao longo de sua vida, vários bustos, mas não houve uma estátua instalada em praça pública. De autoria do francês Jean Magrou, a representação mostra o monarca sentado, pensativo, segurando um livro. O livro, porém, poderia ter sido um chapéu: foi assim que, em 1909, Magrou apresentou uma miniatura do projeto à comissão responsável pela homenagem. Trocar o chapéu pelo livro, aliás, foi uma alteração condizente com a propalada erudição do imperador.
E a estátua poderia ainda mais diferente, se os responsáveis pelo monumento tivessem escolhido outro projeto, também apresentado em 1909. O acervo do Museu Imperial guarda uma miniatura elaborada pelo escultor italiano Amadeo Zani, em que Pedro II está de pé. Os responsáveis pela homenagem ao imperador, no entanto, recusaram o projeto do italiano devido a seu alto preço.

Na parede de um dos salões do Museu Imperial, uma frase gravada em uma placa de ferro informa: “Nesta sala, durante cinco verões, Afrânio Peixoto disse cousas! E que cousas! E como as disse!”
A curiosa frase remete ao talento oratório do escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e figura de destaque na cultura brasileira. O pesquisador Joaquim Eloy dos Santos assinala profundas ligações de Afrânio Peixoto com a cidade imperial: “Em Petrópolis, ele escreveu a maioria de sua obra, sempre nos meses de janeiro e fevereiro (…) Aqui dedicava seu tempo ao que mais apreciava: escrever, criar, produzir encantos literários”.
Afrânio Peixoto morreu em 1947, aos 70 anos, e em Petrópolis surgiu a ideia de homenageá-lo. A Câmara Municipal encomendou um busto, ao escultor Leão Veloso, que fez um primeiro molde – mas a obra nunca foi instalada. Em contrapartida, ainda naquele ano uma rua no Bingen foi rebatizada com o nome do escritor.

Transportes e caminhos
O ‘planaéreo’

Em setembro de 1937, o jornal A Noite trouxe uma manchete intrigante: ela anunciava a instalação de “bondes aéreos” entre o Rio e Petrópolis. Trava-se de um veículo então recentemente desenvolvido na Grã-Bretanha, o Railplane System of Transport, que no Brasil foi denominado “planaéreo”. A ideia era substituir o tráfego ferroviário de passageiros com vantagens: o planaéreo era composto por vagões, suspensos por cabos e sustentados por estruturas rígidas, de metal ou cimento. Os vagões seriam impulsionados por motores elétricos, que moveriam hélices traseiras, tal como um submarino. A velocidade máxima seria de 240 km/h e uma viagem entre Rio e Petrópolis (com uma parada em Caxias) demoraria menos de meia hora. Cada vagão seria capaz de transportar 100 passageiros.
De início, as informações divulgadas sobre o projeto diziam respeito à concessão autorizada pelo governo federal à Companhia de Transportes Planaéreos do Rio de Janeiro, que tinha à frente o milionário Carlos Guinle. Ainda segundo A Noite, desde o início das negociações ficou estabelecido que o valor das passagens não poderia superar o dobro do que era cobrado pela viagem de ônibus. Um ano após a concessão, em setembro de 1938, ficou acertado que o contrato entre a companhia e o governo seria assinado em até nove meses. As obras deveriam começar em um ano. Possivelmente devido à tensão na Europa (onde a Segunda Guerra começaria em setembro de 1939), Guinle, investidores estrangeiros ou o próprio governo deixaram a ideia de lado.

Mas, em 1947, o planaéreo voltou às manchetes – e agora o projeto trazia novidades, como o itinerário: a estação de partida, no Rio, ficaria próxima da Central do Brasil. O planaéreo seguiria para Caxias, em paralelo com a rodovia Rio-Petrópolis, até o quilômetro 37. Daí a composição iniciaria a subida da serra, por um traçado original, até chegar ao Quitandinha – de onde prosseguiria para o Alto da Serra e, então, via Palatinato, desceria para o Quissamã, em direção à serra dos Órgãos, até Teresópolis.

Guinle, em entrevista para jornalistas da sucursal de A Noite em Petrópolis, mostrou-se entusiasmado. Mas os entendimentos da Companhia de Planaéreos com o governo Dutra já não eram como no tempo do Estado Novo de Vargas. A esta altura, embora contando com investidores franceses, o projeto estava orçado em 400 milhões de cruzeiros (um pouco menos do que foi gasto para construir a hidrelétrica de Paulo Afonso). E, em 1948, após um considerável investimento em estudos e planos, o sonho do planaéreo, afinal, foi esquecido.
A estrada de Zé Américo
Durante seu governo “provisório”, Getúlio Vargas nomeou o paraibano José Américo de Almeida como ministro da Viação (o atual Ministério dos Transportes). E o principal projeto de José Américo era criar uma ligação terrestre entre o Rio e o Nordeste. As comunicações da capital com aquela e outras regiões ainda dependia, como no tempo da monarquia, da navegação de cabotagem. Em 1932, o ministro anunciou o início da abertura da rodovia Rio-Bahia – e a primeira parte do plano consistia em aproveitar as (poucas) rotas rodoviárias existentes, dentre as quais a recém-inaugurada Rio-Petrópolis.
A ideia era em reduzir as distâncias – e o primeiro passo de José Américo rumo ao nordeste seria criar uma variante da estrada Petrópolis-Teresópolis. Segundo o plano, o novo traçado diminuiria em 21 quilômetros a distância entre as duas cidades. A nova estrada ligaria Corrêas ao bairro do Alto, perto da granja Comary.
Em julho de 1933, José Américo inaugurou os trabalhos, posando com uma picareta nas mãos, ao lado do milionário Carlos Guinle, que representava o Automóvel Club do Brasil, entidade que criou o projeto. O canteiro de obras ficava em Itaipava, na “antiga” (e ainda atual) Petrópolis-Teresópolis (inaugurada em 1920, durante a visita do rei da Bélgica ao Brasil), no ponto em que esta estrada tangenciava o traçado planejado da variante.
A inauguração dos trabalhos contou com a presença do interventor (no papel de governador) do Rio, Ary Parreiras; dos prefeitos de Petrópolis (Yêdo Fiúza) e Teresópolis (José Ribeiro); e, claro, de José Américo e Guinle. Antes da solenidade, todos confraternizaram e posaram para fotos nos bucólicos cenários da granja Comary – que pertencia a Guinle.
“Essa obra é sem dúvida nenhuma o maior empreendimento do gênero na América do Sul”, observou o milionário, destacando o “valor econômico” e o “valor estratégico” da Rio-Bahia. Apesar das festas, solenidades e obras iniciadas, o trecho Corrêas-Alto acabaria esquecido. Nos anos seguintes, novos planos surgiriam, incluindo a criação de uma rodovia Rio-Teresópolis e a Rio-São Paulo, nas décadas de 1940 e 50, fazendo surgir a BR-116 e, mais tarde, a ligação rodoviária entre o norte/nordeste e extremo sul do país.


A rua que desapareceu
Alguns itens do planejamento do engenheiro Júlio Koeler não se concretizaram. A célebre planta de Petrópolis, que ele elaborou em 1846, previa, por exemplo, a abertura de oito praças, em diferentes bairros: elas nunca existiram, conforme assinala Artur de Sá Earp, do Instituto Histórico de Petrópolis. Mas, para além das praças, Koeler previu também a abertura de uma rua com aproximadamente 240 metros de extensão, em um dos locais mais nobres do Centro – rua que existiu por pouco mais de 30 anos e que “desapareceu” na década de 1880. Trata-se da rua dos Engenheiros.
A via situava-se entre a rua de Dom Afonso (a atual Koeler) e a rua dos Artistas (a atual Alfredo Pachá). Mas, em 1885, foi “fechada por tapumes”, segundo o jornal O Mercantil – sem que se soubesse o motivo. A Câmara Municipal determinou a reabertura, mas os tapumes permaneceram. Semanas depois, O Mercantil, criticando o fechamento, esclareceu: a rua havia sido transformada em lotes residenciais, pela Casa Imperial.

No lote fronteiro à avenida Koeler, logo seria erguido um palacete, de propriedade atribuída ao médico Francisco Ferreira de Abreu, barão de Teresópolis (segundo as pesquisadoras Maria Ferreira e Alexia Catreva, da UERJ). No entanto, na mesma época em que a rua dos Engenheiros era “fechada por tapumes”, o barão morria, em Paris. Parece mais plausível, portanto, que a obra tenha sido tocada por seus herdeiros.
À época, a Casa Imperial (que não raro sobrepunha-se às decisões da Câmara na administração municipal) não justificou a transformação da rua em lotes – e, menos ainda, por que um deles, em um dos mais disputados e nobres endereços da cidade, havia sido concedido ao médico (ou a seus herdeiros). Abreu havia sido médico de Pedro II e preceptor das princesas, motivos pelos quais foi agraciado com o título de barão, em 1874.

Na planta de 1846, Koeler nomeou as primeiras ruas de Petrópolis em homenagem à família imperial. Também foram homenageados personagens associados ao imperador, como o mordomo Paulo Barbosa. A rua dos Engenheiros era uma das poucas exceções (e, quem sabe, uma homenagem de Koeler à sua própria profissão). Embora ela tenha desaparecido em fins do século XIX, Petrópolis, em alguma medida, iria compensar a omissão: meio século depois foi concedido o nome de Koeler àquela que é considerada a mais bela rua da cidade.
Cultura
A ‘cidade Excelsior’

Em 1924, o público que comparecia ao Cinema Odeon para assistir o filme A Rede (a principal atração) era inicialmente brindado com as imagens do castelo da fazenda de São Manoel, em Corrêas: na tela, anunciava-se que ali seria construída a “cidade do film do Brasil”. A iniciativa era da Companhia Brasil Cinematográfica, de propriedade do empresário espanhol Francisco Serrador, dono do Odeon e da primeira rede de cinemas do país. E, desde 1921, dono também do castelo São Manoel, em uma área com aproximadamente 1 milhão de metros quadrados.
Na década de 1910, em visita aos Estados Unidos, Serrador conheceu a Broadway. Encantado com as luzes da cidade, investiu pesado em suas salas de exibição no Brasil. No Rio, os cinemas do espanhol, concentrados no Centro, deram origem à Cinelândia. Também se atribui a ele haver importado a venda de cachorro-quente na porta dos cinemas. Tendo também conhecido Hollywood, Serrador também sonhou com a versão nacional de uma “cidade do cinema”, a ser construída em Corrêas.
“A fazenda de São Manoel, no distrito de Corrêas, nos arredores de Petrópolis, presta-se magnificamente à ideia. O castelo e as terras que o circundam, pitorescas e cheias de encanto, formam um conjunto ideal”, escreveu um cronista na revista Palcos e Telas, em 1921. “Ali vai ser instalado o studio de uma grande fábrica nacional [de filmes], ao mesmo tempo que hotéis e pequenas vivendas, onde os srs. veranistas terão o seu centro de diversões e repouso”.

Centenas de unidades habitacionais (os bungalows) seriam construídos, tal como nos Estados Unidos, para receber os habitantes e visitantes da “cidade Excelsior”. Embora cinematográfico, o projeto também era um empreendimento imobiliário, com uma aparente inspiração em Beverly Hills. Anúncios publicados a partir de 1925 divulgavam a proposta, como este, no Jornal do Brasil:
Vendem-se magníficos terrenos desmembrados da Fazenda São Manoel, sita nesta encantadora localidade, a 20 minutos de Petrópolis e a uma altitude de 686 metros. Possui serviços de auto-ônibus em correspondência com todos os trens do Rio a Petrópolis e vice-versa. Há telefones locais e interurbanos. Têm-se em construção modernos bungalows para venda.

Mas o principal interesse, claro, eram os filmes. Serrador acreditava que receberia astros de Hollywood para passar temporadas de lazer em Corrêas – onde também poderiam participar de produções brasileiras. Contatos foram feitos com a Fox; falou-se sobre a possibilidade de uma “sucursal” brasileira da grande produtora americana; e agentes americanos, convidados por Serrador, foram ao castelo São Manoel. Cronistas de época avaliavam que, além de muito espaço, a região oferecia ótimos cenários – a começar pelo próprio castelo.

Apesar do entusiasmo de Serrador e dos jornalistas especializados, só mesmo a parte imobiliária do projeto progredia. Na década de 1930, a ideia de uma “cidade do film” já não encontrava mais tanto espaço na imprensa. Uma última esperança surgiu: o ator Raul Roulien, provavelmente o primeiro brasileiro a brilhar em Hollywood. Ele participou, em papeis de latin lover, de produções de sucesso, como Delicious (1931), Flying Down To Rio (1933) e The World Moves On (1934). Em 1935, tendo se casado pela segunda vez, passou sua lua-de-mel em um giro pela América do Sul – passando pelo castelo São Manoel.
“Roulien vem a Corrêas com um plano traçado para a construção da Cidade do Filme. Ele deverá trazer plantas, estudos minuciosos, tudo para o maior centro cinematográfico da América, depois de Hollywood”, informou um repórter da revista Cruzeiro. “E quando, quando após suas férias, ele voltar para cumprir contrato nos estúdios americanos, de lá vai mandar todos os equipamentos, os técnicos, os elementos que julgar necessários para colaborarem conosco na nossa indústria fílmica”.
O repórter também contou que, passeando com o ator pela fazenda, ouviu Roulien explicar: “Ali poderão ser erguidos dois enormes palcos de filmagem. Naquela baixada lá serão feitas a carpintaria e a oficina de gesso para as montagens. Aqui daria um laboratório de primeira ordem, tanto mais que a água é maravilhosa”.
Mas, tal como a carreira de Roulien em Hollywood, a ideia da “cidade do cinema” em Corrêas já caminhava para o esquecimento. A morte de Serrador, em 1941, foi uma espécie de cena final para o sonho.