Petrópolis pode ter testemunhado a primeira motorista do país, ainda no século XIX. Pelo menos é o que informa uma nota, publicada no Jornal do Brasil, em janeiro de 1896, dando conta de uma “vitória movida a petróleo” (isto é, por algum combustível derivado do petróleo) conduzida por “uma interessante menina”:
“Passeou ontem pelas ruas de Petrópolis uma vitória movida por petróleo. Era guiada por uma interessante menina, provando assim a facilidade de dirigir tais carros, que além de elegantes e cômodos são econômicos, pois que dispensam animais e cocheiros. A vitória fazia rapidamente as voltas e tinha boa marcha”.
A palavra automóvel ainda não era de uso corrente, e alguns dos primeiros veículos eram muito semelhantes (senão iguais) às vitórias puxadas a cavalo, tais como aquelas que sobreviveram em Petrópolis até o século XXI. Neste caso, porém, tratava-se de um veículo movido a motor de explosão, alimentado por combustível derivado de petróleo – ou seja, uma definição possível para o “moderno” automóvel. Eram, portanto, os primeiros passeios de automóvel em Petrópolis, conduzidos por uma “interessante menina”.
Pesquisadores apontam diferentes nomes e datas para o pioneirismo do automobilismo no Brasil, ainda na década de 1890. Atribui-se à família de Santos Dumont a importação do primeiro veículo, em 1891, um Peugeot Type 3, que dois anos depois também estaria rodando nas ruas do Rio. Em 1894, José do Patrocínio teria importado outro triciclo a vapor para a capital federal. Mas, naquele fin de siécle, não houve outra notícia a respeito de uma mulher (ou “interessante menina”) guiando veículos motorizados, além daquela do Jornal do Brasil.
Embora não informe o nome da pioneira, a nota do JB traz uma pista: foi publicada em 23 de janeiro de 1896. Na véspera, a Gazeta de Petrópolis já havia anunciado a chegada do primeiro automóvel (ou melhor: “motocyclo”) à cidade imperial, bem como o nome de seu proprietário: “Já se acha nesta cidade um motocyclo a petróleo, de propriedade do sr. dr. João Paulo de Carvalho, que o trouxe de Paris”. A “interessante menina”, provavelmente, era familiar (uma filha, talvez) de João Paulo, então um conhecido médico.
Não parece coincidência a mesma Gazeta de Petrópolis, três dias depois, haver publicado o primeiro anúncio de “Carros automóveis a petróleo”, que podiam ser encomendados através de Soares, Duarte & Moniz. Eles eram os primeiros “procuradores do agente para o Brasil” destes veículos importados, e poderiam ser encontrados na Rua Teresa, 43. Talvez inspirado pela “interessante menina”, o redator do anúncio informou que os carros “podem ser conduzidos por uma senhora ou por uma criança, tal sua simplicidade e segurança”. O veículo andava “a até 40 quilômetros por hora (…) podendo a velocidade ser modificada a qualquer momento pelo condutor”.
Com tais características, e como a “vitória movida a petróleo” de João Paulo de Carvalho houvesse sido trazida “de Paris”, o mais provável é que se tratasse de um Peugeot Type 5, com seu motor de 565 cc e 5,5 cavalos (à guisa de comparação, carros atuais de 1.0 têm de 84 a 128 cavalos). Mas questões técnicas decerto não fizeram diferença para a anônima e “interessante menina”. Que, tudo indica, foi uma das pioneiras na longa e valorizada história de conquistas femininas no Brasil.