Três dias: essa foi a duração da primeira viagem de carro entre Rio e Petrópolis, em março de 1908, em um automóvel conduzido por um certo Gastão de Almeida. A rodovia Washington Luís só seria inaugurada 20 anos depois. E as únicas ligações possíveis entre as duas cidades eram a ferrovia da Leopoldina; ou a estrada da Estrela, após a travessia pela baía da Guanabara. Cruzar de carro os subúrbios cariocas, Baixada Fluminense e, a partir daí, subir da estrada da Estrela (a “Serra Velha”) era uma tarefa considerada impossível.
“Ir daqui (Rio) até Petrópolis de automóvel é mais difícil que atravessar o Tibet”, declarou Gastão à Gazeta de Notícias, “com aquele sotaque francês que é um dos seus chics”. O aventureiro falou sobre a passagem através de brejos, atoleiros, buracos, a ausência de rotas confiáveis e outras dificuldades, dentre as quais dirigir por picadas na mata, sobre pontes mal conservadas e dormentes da ferrovia. Ele foi recebido como herói em Petrópolis e seu carro, “todo elameado e com algumas avarias”, tendo sido levado de trem de volta para o Rio, foi exposto em uma garage na Avenida Central (hoje Rio Branco) para admiração de populares.
Gastão era um bom exemplo de sportsman (como se dizia à época) pioneiro do automobilismo: aficionado pelos novos veículos, audacioso e rico o suficiente para adquirir automóveis, que chegavam da Europa e Estados Unidos. Naquele início de século ainda estes “brinquedos” eram bem poucos (em 1905, no Rio, havia apenas 17 carros, segundo estimativa da Gazeta de Notícias). Mas os motoristas pioneiros, embora endinheirados, enfrentavam um problema, que era a ausência de caminhos pavimentados para percorrer com suas máquinas.
Nos 20 anos entre a conquista de Gastão de Almeida e a abertura da Washington Luís houve várias outras tentativas de realizar a travessia (ou raid, como então se dizia) Rio-Petrópolis. A maioria foi mal sucedida. Em 1919, a revista Auto-Propulsão e o Clube Motocyclista Nacional ofereciam até um prêmio (a Taça 11 de Junho) para quem conseguisse repetir a façanha de 1908. Somente em agosto de 1921 José Kistemann, pilotando uma moto Indian, realizou o feito, em 6 horas e 10 minutos.
No mês seguinte, Louis le Saigne e Otelo Cicurio, guiados pelo motociclista Kistemann, dirigiram dois automóveis Chevrolet que também completaram o trajeto, em 18 horas. Louis e Otelo trabalhavam em uma grande casa comercial carioca, que levava o nome dos donos franceses Mestre et Blatgé. Aí eram vendidos os Chevrolet e, anos depois, já como uma loja de departamentos, a Mestre et Blatgé seria rebatizada como Lojas Mesbla.
Uma estrada que ligasse o Rio a Petrópolis (destino inescapável dos grã-finos no verão) tornou-se o sonho dos sportsmen cariocas. Em 1906 surgiram os primeiros projetos para se criar uma “avenida” Rio-Petrópolis e, no ano seguinte, foi criado o Automóvel Club do Brasil – tendo entre seus fundadores Santos Dumont, também considerado um sportsman. Apaixonado por máquinas, nos anos 1910 ele seria bastante popular em Petrópolis, não apenas pelo 14 Bis e por construir a “Encantada”, mas também por dirigir seu carro pelas ruas da cidade. Para subir a serra, o automóvel do “pai da aviação” havia sido transportado pelo trem da Leopoldina.
Aliás, um dos primeiros destes veículos trazidos a Petrópolis de trem teria sido “o primeiro carro de quatro rodas e com motor a explosão, movido a gasolina”, que havia “chegado ao Rio em 1900”, segundo reportagem do jornal O Globo: “Era um Decauville, de um cilindro, com 8 H.P. Seu proprietário, Fernando Guerra Duval, nesta época estudante de engenharia, era o chauffeur e mecânico, pois, então, ninguém conhecia no Rio os motores a explosão”, informou a matéria. O chauffeur (do verbo réchauffer, “aquecer”, em francês) originalmente era o responsável por “esquentar” os motores dos primeiros automóveis, para que eles pudessem andar. A palavra deu origem ao termo em português “chofer”.
Na ausência de uma rodovia entre Rio e Petrópolis, os aficionados encontraram outra solução para rodar com suas máquinas: a travessia entre Petrópolis e Juiz de Fora, pela União e Indústria, a primeira estrada pavimentada do Brasil, inaugurada em 1861. Durante 40 anos, havia sido percorrida somente por veículos de tração animal. Mas na virada do século o cenário mudou, quando um sportsman carioca, já um tanto famoso, descobriu suas possibilidades: “Em 1901, Guerra Duval dirigiu o carro de Petrópolis até Juiz de Fora, levando quatro dias no trajeto”, informou O Globo.
Anos depois, outros sportsmen, mineiros (associados do Motoclube de Juiz de Fora, criado em 1914) elegeram o caminho como ideal para realizar os seus raids. Em 1915 três motociclistas concluíram o percurso entre Juiz de Fora e Petrópolis em 12 horas (ida e volta). Embora pavimentada, nos anos 1910 a União e Indústria não era um caminho fácil, porque padecia com a falta de manutenção em vários pontos. Havia lama, deslizamentos e buracos ao longo da estrada, atrapalhando o desempenho das máquinas.
Mas isso não desanimou os sportsmen, que a partir de então repetiam o raid em grupos cada vez mais numerosos – incluindo até as mulheres dos pilotos, conduzidas em side cars. Oscar Surerus, aliás, fez o percurso de automóvel em 1917 levando seis pessoas de sua família “no seu potente Lloyde 24 h.p”, dentre as quais sua avó, “Albertina Surerus, que apesar da avançada idade, de 78 anos, é grande apaixonada do motorismo”, como registrou a revista Auto-propulsão. Foram 7 horas e 45 minutos de Petrópolis a Juiz de Fora e, no dia seguinte, 8 horas e 50 minutos no percurso de volta. Em 1918, o motorista de um Overland iria baixar o tempo para 4 horas e 40 minutos, estabelecendo um recorde que serviu à publicidade da marca.
Dez anos depois, com a inauguração da rodovia Rio-Petrópolis, o contexto já era outro. No final dos anos 1920, veículos a motor, na capital do Brasil e no Estado do Rio, já eram contados aos milhares. Mas a Rio-Petrópolis, mais do que uma prosaica rodovia, também serviria de pista de corrida para provas de velocidade e resistência, nos anos 1930 e 40, ensejando até mesmo a criação do Circuito de Petrópolis, prova de rua disputada no Centro histórico até 1968.
ESPECTACULAR essa matéria, parabéns Carol e todos os envolvidos(as)!
Parabéns pela bela matéria! Fico imaginando como seria ter vivenciado essas experiências!